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2. Modelos organizacionais

2.3. Modelo Político

2.3.1. A organização escolar como construção micropolítica

A perspectiva micropolítica situa o campo de análise teórica nos indivíduos, deslocando a organização para os actores (coligações de indivíduos), ou como argumenta Silva (2006, p. 102) “desloca-se da estrutura organizacional para os actores particulares e as suas práticas, ou melhor, para as suas estratégias e acções de disputa e manutenção do poder”, na tentativa de interpretar como as lógicas de acção são negociadas entre os grupos no interior da organização. Como tal, “representa uma perspectiva teórica, complementar na análise da dinâmica dos processos políticos no interior das organizações” (Afonso, 1994, p. 159), atribuindo valor central aos indivíduos e relegando a organização para segundo plano9.

9 Adelino Costa (2003, p. 80), reportando-se a Hoyle, refere que as “organizações escolares estão especialmente propensas para a

actividade micropolítica devido a duas razões fundamentais: a primeira, no que concerne ao funcionamento debilmente articulado de diversas áreas da sua actividade; a segunda, devido ao carácter competitivo e conflitual da tomada de decisões, em especial a colisão

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Ao entender a escola como local de execução de micropolíticas, aquela passa a ser considerada como um centro de decisão política, e, nesse caso, a complexidade da escola aumenta. Descreve Blase (1991, p. 11) a micropolítica como:

“a utilização formal e informal do poder pelos indivíduos e grupos para alcançarem os seus objectivos no interior das organizações. Em grande medida, as acções políticas resultam das diferenças percepcionadas entre indivíduos e grupos, articuladas com a motivação para exercer o poder, para influenciar e/ou proteger. […] Para além disso, os factores macro e micropolíticos interagem frequentemente”.

Deste modo, e perspectivando a análise micropolítica, Costa (2003, p. 78, itálico do autor) refere que

“ as organizações concebidas como miniaturas dos sistemas políticos globais, são percepcionadas, à semelhança destes, como realidades sociais complexas onde os actores, situados no centro das contendas e em função de interesses individuais ou grupais, estabelecem estratégias, mobilizam poderes e influências, desencadeiam situações de conflito, de coligação e de negociação tendo em conta os seus objectivos”.

A imagem da escola como arena política engloba quatro conceitos que se revestem de grande importância, concretamente: interesses, conflitos, poder e negociação. Os indivíduos detêm interesses de ordem diversa que constituem a dimensão fundamental da disputa de poder, “não sendo a estratégia individual mais eficaz na consecução desses interesses” (Costa, 2003, p. 82), formando coligações para atingir os objectivos. Assim, segundo Bush (1995), “não faz sentido falar-se de objectivos previamente definidos, pois estes são sujeitos a constante instabilidade, ambiguidade e contestação”. Embora os actores escolares façam uso de estratégias, de modo a impor com êxito as suas lógicas de acção, a diversidade de objectivos e interesses, que caracteriza o conjunto de actores, pode conduzir à fragilidade das coligações em cuja base estão conflitos representativos de interesses divergentes.

Embora na organização escolar a heterogeneidade tenda para a socialização e para a conformidade, é importante evidenciar a conflitualidade de interesses procurando interpretar as iniciativas e as margens de liberdade dos actores na tomada de decisões, tentando ultrapassar os condicionalismos externos, entendidos como fonte de conflito. Nesta óptica “os actores são “estrategas” que mobilizam fontes de poder e controlam “zonas de incerteza” para tirar o máximo de dividendos dessas disputas, ou seja, para controlar o poder” (Silva, 2006, p. 119; aspas do autor).

entre a legitimidade formal dos responsáveis escolares (directores, gestores) e as formas democráticas e profissionais percepcionadas

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A dinâmica organizacional activada pela disputa do poder fragmenta a organização, o que permite gerar divisões conducentes à necessidade de coligações para efeitos de competição. Estas “coligações movem-se por interesses e o ganho de umas consiste em reduzir a capacidade estratégica das outras para as impedir de alcançar os seus objectivos” (Silva, 2006, p. 120).

As questões do conflito e do poder são centrais numa perspectiva micropolítica. O conflito pode ter aspectos positivos, podendo mesmo ser saudável para a organização. Segundo Morgan,

“o conflito pode ser pessoal, interpessoal ou entre grupos rivais e coalizões. Pode ser construído dentro das estruturas organizacionais, nos papéis, nas atitudes e nos estereótipos, ou surgir em função de recursos escassos. Pode ser explícito ou implícito. Qualquer que seja a razão e qualquer que seja a forma que assuma, a sua origem reside em algum tipo de divergência de interesses perseguidos ou reais” (Morgan, 1996, p. 160).

Este confronto de racionalidades, onde lógicas e interesses divergentes interagem na competição ou partilha por recursos, forçando os actores a disputar um jogo que se caracteriza por transacções circunstanciais, através das quais concretizam os seus objectivos ou maximizam os seus interesses (Silva, 2006, p. 119).

A ocorrência de conflitos está normalmente associada aos processos de tomada de decisão. Assim, “nas arenas políticas as decisões emergem depois de um complexo processo de regateio e negociação” (Bush, 1995, p. 76), sendo a tomada de decisão a primeira arena de conflito, radicada em interesses resultantes de estratégias planeadas pelos diferentes grupos ou indivíduos. A sua origem não se restringe ao interior da organização, os condicionalismos externos também devem ser considerados como fonte de conflito intra-organizacional, o que permite conceptualizar as escolas como sistemas políticos que, reportando-nos a Natércio Afonso (1994, p. 43), “são concebidas como sistemas abertos particularmente sensíveis às influências das respectivas comunidades e, em geral, do contexto social mais vasto”. Para compreender as organizações como sistemas de actividade política, bem como a dinâmica política quotidiana é

“necessário explorar o processo detalhado através do qual as pessoas se engajam na política. Para esse propósito, é útil voltar à ideia de Aristóteles segundo o qual a política nasce de uma diversidade de interesses, e buscar como essa diversidade dá origem a manobras diversas, à negociação e a outros processos de coalizão, construindo uma influência mútua que tanto condiciona a vida organizacional" (Morgan, 1996, p. 152).

O autor analisa, ainda, as politicas organizacionais focalizadas nos interesses, conjunto complexo de objectivos, valores, desejos, expectativas que orientam a acção humana, no conflito, resultante da

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colisão de interesses e visto vulgarmente como força disfuncional, e no poder, entendido como autoridade formal e meio através do qual o conflito de interesses é resolvido.

As situações de conflito traduzem diversidade de interesses, embora não sejam entendidas como um problema a evitar, ou uma disfunção, pelo contrário, são inevitáveis e fazem parte do processo global de funcionamento das organizações. Assim,

“a natureza da estrutura das organizações educativas é compreendida como realidade conflitual, em que a definição dos objectivos obedece a um processo, também conflitual, entre grupos diferentes onde o consenso não é fácil de ser obtido, ou construído” (Estêvão, 1998, p. 186).

Admitindo que no jogo político as regras são estabelecidas por alguns actores, pois “nem todos estão munidos dos recursos para participar nesse jogo” (Silva, 2006, p. 121), estimula-se a “fragmentação, a desarticulação e o dissenso com os quais se constrói a ordem institucional colocada agora ao serviço dos que detêm o poder” (Ibid., p. 120). O poder assume um lugar central no quadro deste modelo de análise,

“os interesses individuais e grupais desenvolvem-se e afirmam-se em função do poder dos respectivos representantes. De um modo geral poder-se-á dizer que nas situações conflituais surgem como vencedores aqueles que detêm mais fatias de poder e nos processos de negociação conseguem melhores resultados os que representam um maior peso organizacional” (Costa, 2003, p. 83).

Inventariadas por Morgan (1996, p. 164) emergem catorze fontes de poder nas organizações, salientando que “essas fontes de poder dão aos membros da organização uma variedade de meios para ampliar os seus interesses, resolvendo ou perpetuando os conflitos organizacionais”. Similarmente Bush (1995, p. 80-82) identifica diferentes formas de poder: poder posicional (posição oficial), poder especializado (autoridade de perito), poder pessoal, poder do controlo das recompensas (tráfico de influências), poder coercivo e controlo de recursos.

As agendas e decisões não surgem a partir de uma sequência lógica de planeamento, mas têm por base as influências e o poder de alguns actores e são resultantes de processos de negociação, como se pode inferir da asserção de Adelino Costa (2003, p. 84) “as decisões na arena política não surgem, nem na sequência de um processo racional, nem de acordo com os objectivos formalmente definidos para a organização […], traduzem as preferências daqueles que detêm maior poder e/ou influência”. Todavia, mesmo os grupos mais fracos nunca se encontram numa situação de total ausência de poder, pois haverá sempre uma margem de liberdade que esses grupos possuem e da qual dependerá a execução das decisões, “visando a produção de uma ordem capaz de satisfazer não

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só os interesses dominantes mas também de continuar alimentar as expectativas de poder dos grupos dominados” (Silva, 2006, p. 121).

Uma organização tanto pode potenciar a emancipação como a dominação “uma vez que são exercidas pelos mesmos actores organizacionais, com os mesmos instrumentos e lógicas de poder, embora com intenções diferentes” (Silva, 2006, p. 109). O conceito de dominação segundo Max Weber está associado ao de poder. Embora sociologicamente amorfo, este conceito “significa toda a probabilidade de, dentro de uma relação social, impor a vontade própria mesmo contra a resistência, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Por outro lado, a dominação é entendida como, “a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo em dadas pessoas […] porém tem de ser mais preciso e só pode significar a probabilidade de encontrar submissão a uma ordem” (Weber, 1997, pp. 81- 82). Morgan (1996, p. 281) na metáfora da dominação, que apelidou de face repugnante das organizações, refere que as organizações “têm sido associadas a processos de dominação social nos quais indivíduos ou grupos encontram formas de impor a respectiva vontade sobre os outros”. O autor explicita, ainda, aspectos potencialmente exploradores na organização advertindo que as

“organizações são frequentemente usadas como instrumentos de dominação que maximizam os interesses egoístas de uma elite às custas dos interesses dos outros. Além disso, existe quase sempre um elemento de dominação em todas as organizações” (Morgan, 1996, p. 280, itálico do autor).

Esta afirmação demonstra o reconhecimento de que a dominação pode ser intrínseca à organização e não resultante de um efeito colateral indesejado. Os mecanismos que favorecem a dominação no sistema político são identificados por Silva (2006, p. 110) como forças centrífugas que “baseando-se na desarticulação, no dissenso e no conflito, promovem a autonomia dos indivíduos (e dos órgãos) e, concomitantemente, a expressão dos interesses divergentes com origem na ambiguidade dos objectivos”.

Embora este modelo político de análise seja de difícil aplicação na organização escolar “controlada centralmente pelo estado, em que a mobilização de interesses e de grupos antagónicos se pode tornar difícil” (Lima, 1998, p. 66). Porém, reúne como vantagens o facto

“de chamar a atenção para a heterogeneidade que caracteriza os diversos actores educativos […], para a conflitualidade que pode marcar os seus interesses e as suas acções e, até, para o seu potencial de intervenção e mudança” (Ibid.).

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Morgan (1996, p. 200) identifica as forças da metáfora política “colocando o conhecimento do papel do poder e do uso do poder no centro da análise organizacional”, que outras metáforas tendem a subestimar. Esta metáfora pressupõe a aceitação da realidade política como aspecto inevitável da vida organizacional, arrasando o mito da racionalidade organizacional, suplantando a ideia de que as organizações são funcionalmente sistemas integrados. Outra das forças “é o facto de que ela politiza a compreensão do comportamento humano nas organizações” (Ibid., p. 201) que se traduz no reconhecimento das implicações sociopolíticas das diferentes organizações bem como dos seus papéis diferenciados. O autor salienta, conjuntamente, alguns aspectos negativos no uso desta metáfora. Assim, privilegiando de modo exagerado o poder e a importância do indivíduo mitigando a dinâmica do sistema organizacional, que determina aquilo que se torna político e como se manifesta, pode desencadear um conjunto de comportamentos comprometedores da investigação propensos “ a ver a política em todos os lugares e a olhar para as intenções ocultas, mesmo quando não haja nenhuma. Por essa razão a metáfora deve ser usada com prudência” (Ibid., p. 202).

São apontadas por Bush (1995, pp. 89-91) algumas limitações a este modelo referindo que é sobretudo descritivo e explicativo, tendendo a ver a organização só em termos de poder, dando excessivo realce aos grupos de interesses, sobrevalorizando na dinâmica organizacional o conflito e a manipulação na formulação da política, o que pode compelir a uma aproximação à racionalidade a priori, característica da burocracia.

Fazendo referência aos aspectos positivos deste modelo Eugénio Silva (2006, pp. 105-7) menciona: o reconhecimento de tensões e oposições no interior da organização; o aspecto dinâmico e contraditório fornece uma visão dinâmica e utilitária da organização, mostra como o jogo político, conflitos e coligações, são determinantes na manutenção da dinâmica organizacional, mais do que os objectivos, as normas e os planos. Similarmente, este autor, aponta algumas limitações a este modelo, a saber: centra a análise nas coligações e suas estratégias, o que pode conduzir à perda da imagem global da organização, especialmente dos factores que contribuem para a coesão organizacional; a dinâmica organizacional resume-se a aspectos como luta de interesses ou negociação; a constelação de grupos na organização aparece como estrutura incapaz de produzir políticas globais e duradouras; a luta pelo poder pode converter-se em factor negativo na compreensão da organização, na medida em que, face às disputas podem ser negligenciados os fins e os valores comuns que geram coesão organizacional.

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Relativamente à sua pertinência, estes modelos organizacionais e respectivas imagens ou metáforas, no contexto da investigação, representam um valioso contributo para a mudança no paradigma dos estudos organizacionais, “enquanto pluralidade de orientações e de práticas, de resto não forçosamente nem sistematicamente articuláveis” (Lima, 1998, p. 584). Assim, a focalização da escola como organização exigirá sempre a consideração de dois planos de análise, o plano normativo, externamente localizado e o plano das práticas que envolve os actores contextualizados na organização.