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A abordagem dos desafios que se colocam à profissão docente sugere a constatação das exigências de mudança decorrentes das reestruturações que o sistema educativo tem atravessado ao longo dos últimos anos e perspectiva novas formas de (re)pensar a actuação docente. A profusão de exigências que lhe são impostas, as inquietações actuais relativas à profissão docente preconiza uma reflexão sobre a construção do “ser docente” vivenciado ao longo de trajectórias pessoais e profissionais, abarcando dimensões individuais e colectivas dos professores. Este processo complexo requer, primeiramente, conhecer e compreender as condições que potenciam o exercício da sua actividade, o que tem vindo a ser sistematicamente ignorado. Dessa forma, o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda procurou identificar as condições que os professores dispõem para o exercício da sua profissão.

Este grupo parlamentar disponibilizou online um inquérito a educadores e professores, no final do mês de Abril de dois mil e oito, que denominou “Os desafios da escola pública – as condições de exercício da actividade docente”. Publicou em Junho do mesmo ano, uma versão preliminar do relatório101 de análise dos resultados do inquérito, a que seguidamente faremos alusão. O inquérito decorreu durante o mês de Maio de 2008 e reporta-se ao ano lectivo de 2007/2008, sendo a amostra composta por 3102 respostas. Verifica-se, na primeira parte de apresentação dos dados, que a amostra do inquérito é confrontada com alguns dados do ministério da educação. Após a caracterização da amostra, com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre o quotidiano dos professores, o estudo incidiu sobre os tempos da actividade docente (componente lectiva, componente não lectiva e trabalho individual) e as condições de realização do trabalho individual na escola. Das principais conclusões que a análise dos dados permite obter, destacamos as seguintes: investimento

Humanas e de Matemática e Ciências Experimentais); Artes Visuais; Música; Educação Física; Educação Especial 1; Educação Especial 2; Educação Especial 3.

99 Cf., Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de Abril, artigo 43º, ponto quatro

100 Revogado pelo Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de Abril.

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na formação e qualificação académicas; cerca de metade (47%) dos inquiridos lecciona cinco ou mais turmas; as actividades da componente não lectiva consomem um terço do tempo dedicado à profissão; os docentes dispensam, em média, 46 horas semanais no exercício da profissão, das quais 20% correspondem ao trabalho realizado em casa; mais de metade dos professores (53%) reside fora do concelho onde desenvolve a actividade docente; a grande maioria das escolas não possui gabinetes, a sala dos professores e a biblioteca são os espaços mais utilizados pelos docentes para a realização do trabalho individual o que justifica que apenas 44% o realize no estabelecimento de ensino; a avaliação das condições de trabalho ao nível das infra-estruturas é negativa. Na tentativa de compreender as lógicas que legitimam ou determinam o exercício da actividade docente, procurando identificar (ou não) resistências no interior da escola através da interpretação/desconstrução das representações dos actores escolares perante este novo paradigma, na parte final do estudo é apresentada uma selecção de testemunhos, organizada em torno de categorias, que, segundo os autores do estudo, são as mais significativas.

A leitura destes testemunhos permite-nos mapear a imposição normativa burocrática, estruturada numa lógica racionalizadora, singularmente expressa no plano das orientações, que focaliza a diversidade de situações e conflitos emergentes na acção organizacional, que o legislador e os textos que produz tende a ignorar ou a menosprezar.

O efeito na escola, da organização social e técnica do trabalho docente e dos docentes reproduzidos nestes testemunhos, remete-nos para distintas lógicas em presença. Numa lógica diferenciadora, tendo por base o princípio em que realidades semelhantes assumem formas e funções específicas, verificamos que a excessiva burocratização do trabalho docente e a ausência de espaços e meios para a preparação da actividade lectiva está presente em muitos dos testemunhos enunciados no estudo. O assumir de funções específicas, resultante da estruturação da carreira em duas categorias, sobretudo os professores titulares, aumentou o trabalho burocrático. Acresceu o tempo de permanência na escola, contudo o que originalmente era semelhante, e função nuclear da profissão - ensinar – curiosamente, no diploma que regulamenta o ECD, desapareceu das atribuições dos professores.

A profunda desmotivação, referida no estudo, que hoje os professores sentem perante a profissão, pode ser entendida numa lógica homogeneizadora, pois há uma identidade que tende para a conformidade, combinando um conjunto de elementos, tornando-os num todo homogéneo, que é objecto de justificação pelos próprios actores a partir do sentido que atribuem à sua acção.

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Acresce ainda que, na análise das lógicas de acção, interessa, particularmente, o significado atribuído pelos actores aos fenómenos sociais. A alienação e desvalorização da necessidade de cooperação e manutenção de relações de confiança entre os actores escolares, só poderão ser debeladas, recorrendo a uma lógica profissional102, que deverá orientar as organizações escolares segundo os princípios que definem a profissionalidade docente, subordinando a acção educativa e da organização, aos critérios definidos pelos profissionais da educação, que deverão ser acompanhados de dispositivos reguladores da acção, centrados em planeamento e em práticas de avaliação institucional, sempre ancoradas na capacidade reflexiva e crítica dos professores.

Em forma de conclusão apraz-nos citar António Nóvoa: “como é possível a escola pedir-nos tantas coisas, atribuir-nos tantas missões e, ao mesmo tempo, fragilizar o nosso estatuto profissional” (2007, p. 12). Aos professores são atribuídas diferentes missões, mediadores entre a escola e a família, “animadores” culturais…e a sua função primeira não é ensinar, mas sim criar situações de aprendizagem, desde logo, a palavra ensinar não aparece uma única vez citada no documento.

A proposta de alteração do ECD rapidamente transbordou o âmbito do sistema educativo e motivou amplas reacções em distintos sectores. O governo surge como porta-voz da necessidade de mudança, constituindo-se como empreendedor social, na tentativa de coordenação da acção colectiva conducente à mobilização e monitorização de uma realidade organizacional aparentemente fragilizada e dispersa. O compromisso com a melhoria dos resultados escolares e a redução do abandono escolar, pelos quais os professores eram (e são) culpabilizados e responsabilizados, geraram (e geram) grande impacto na opinião pública com repercussões muitas vezes ampliadas pela comunicação social. Não obstante os dissensos que norteiam este normativo, há algum consenso numa perspectiva mais exigente de profissão, sendo expectável uma discriminação positiva, com recurso a medidas (talvez de excepção) que promovam a igualdade de oportunidades e impulsionem o desempenho docente.

Para além dos discursos produzidos ou posições assumidas face à estruturação da carreira docente e ao contexto de mudança que preconiza, importa agora visitar as práticas dos actores para desocultar as suas percepções, ou seja de que forma estas mudanças interpelam a profissão, o trabalho e as relações entre os docentes. Tomando em consideração o contexto de mudança, procuraremos no próximo capítulo compreender as suas implicações no âmbito da organização educativa.

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Introdução

Após o exercício de construção de um referencial teórico de análise propomo-nos agora desenvolver o objecto de estudo empírico focalizado na análise das racionalidades e práticas que emergem no contexto de implementação do ECD103. Procuraremos desocultar as percepções dos actores de modo particular, a (re)conceptualização da profissão docente, do trabalho docente e das relações entre os docentes (re)contextualizadas na organização escolar tomando por referência o sentido das políticas educativas. Para a análise desta problemática optámos por um estudo de caso de modo a facilitar a compreensão do fenómeno que se está a estudar. Não obstante a estratégia metodológica que melhor enquadra o objecto de estudo empírico, tendo como referencial o seu enquadramento teórico, julgamos ser um estudo multicasos.

Antes de entrarmos na análise dos dados empíricos faremos uma breve incursão nas motivações que estiveram subjacentes à realização desta investigação. Focalizaremos as opções metodológicas efectuadas e os instrumentos técnicos adoptados na recolha e análise dos dados. Assinalaremos algumas das preocupações e dificuldades com que nos defrontámos durante o nosso percurso de investigação. Efectuaremos, ainda, uma breve descrição do meio onde decorreu o trabalho empírico e a caracterização da população inquirida. Numa fase posterior, procedemos à análise dos resultados do inquérito por questionário e respectivas conclusões, no propósito de que a pesquisa empírica possa contribuir para o enriquecimento do conhecimento na área em que se inscreve a investigação.