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4 CAPÍTULO 3 – XENOFONTE E A REPRESENTAÇÃO DE ESPARTA E

4.4 XENOFONTE E A REPRESENTAÇÃO DE ESPARTA

4.4.4 A organização Militar

Neste último tópico, Xenofonte não específica técnicas, ou armamentos dos guerreiros espartanos, mas nos mostra além da organização do corpo de combatentes em

períodos de campanha, uma apresentação social, como o comportamento na tropa define o tratamento do individuo dentro da comunidade de cidadãos. A primeira lição que teremos é sobre os mortos.

Para Xenofonte, Licurgo teria conseguido que entre os cidadãos de Esparta houvesse um grande apelo por uma morte honrosa, uma bela morte, daí a percepção de Xenofonte, de que muitos preferiam morrer a ter de se entregar ao inimigo. Esta fala de Xenofonte vem na perspectiva da surpresa exposta por Tucídides ao afirmar que os espartanos se renderam em Esfactéria:

De todos os eventos desta guerra este foi o mais inesperado para os helenos. Com efeito, ninguém poderia imaginar que os lacedemônios jamais fossem compelidos pela fome ou por qualquer outra necessidade a entregar as armas; pensava-se que eles as conservariam até a morte, lutando enquanto pudessem, e ninguém podia acreditar que os que se renderam fossem tão bravos quanto os que morreram. Quando um dos aliados dos atenienses algum tempo depois perguntou acintosamente a um dos soldados capturados na ilha se os lacedemônios mortos eram verdadeiramente bravos, a resposta foi que o instrumento (querendo dizer a flecha) teria um enorme valor se pudesse distinguir os bravos, desejando deixar claro que as pedras ou os projéteis saídos dos arcos matavam indistintamente quem estivesse em sua frente(TUCÍDIDES, IV.40).

Tucídides expressa tamanha surpresa ao ponto de afirmar ser este um evento bastante inesperado. Construiu-se na Hélade, desde as Termópilas (HERÓDOTO, 7.220-232), um modelo criado por Leônidas e seus trezentos. Este modelo predito cerca de vinte cinco a trinta anos antes da escrita de CL, possibilita perceber uma imagem recorrente entre os helenos no intervalo entre os séculos V e IV, a de bravura estabelecida pelos espartanos, enquanto o povo mais feroz entre os gregos. A frase de Simonides nas Termópliasreafirma este ideal: Ὦ ῖ ', ἄγγ Λα α ί ς ὅ

ῆ ί α, ῖς ί ω ῥή α π ό 63

. (Simônides, AP 7.249)

O ideal de Ferocidade e valentia contrasta, portanto com o de covardia. Xenofonte, como bom soldado, sabia bem o que estava dizendo, para ele, de acordo com Licurgo, nas demais póleis, a única punição que os covardes recebiam era ser chamados como tal, mas nenhum tipo de penalidade lhes seria imposta, poderiam perambular pelas ruas, sentar onde bem entendessem, enfim, não havia nada

63―Estrangeiro, avisa os lacedemônios que aqui estamos, em obediência às suas leis[...]‖. Consultado em

juridicamente que lhes ofendesse. Já em Esparta, no sentido de penalizar e coibir, portanto, a covardia, Licurgo, através de suas leis, teria incentivado à segregação daqueles considerados poltrões, ao ponto dos amigos o rejeitarem, de perder postos dentro da burocracia política, quando jovens, ficar relegados a espaços sem destaque durante os cânticos, e a ficar confinado junto às mulheres de sua família, que por sua culpa não conseguiriam casamento, e chegavam inclusive ao ponto de ter que pagar um imposto, uma espécie de taxa, que também seria pago pelos solteiros64.Enfim, aqueles considerados medrosos passariam por um processo de morte social, que muitas vezes precedia a morte propriamente dita, já que tanto Xenofonte, em 9.6, como Heródoto:―Conta-se também que Pantites, do grupodos trezentos, sobreviveu à derrota, por encontrar-se, na ocasião da batalha, na Tessália, onde fora enviado como embaixador; mas, tendo regressado a Esparta e vendo-se desonrado, enforcou-se‖. (VII, 232)

A covardia é expressa por Xenofonte como uma ofensa à comunidade, como um insulto aos cidadãos, pois o indivíduo que assim age, deixa a cidade desguarnecida, expõe seu povo às imposições que uma derrota no campo de batalha pode trazer, daí sua prática ser tratada como um crime social, um pecado não somente àqueles que lutando aos seu lado morreram com armas em riste, mas contra aqueles que estão em casa rogando aos deuses por um resultado fortuito.

Uma questão parece não ter resposta, se uma série de limitações receberá o indivíduo que não mostrar seu valor em campo, e o contrário? Quais são os ganhos dos valentes? Xenofonte tenta construir um modelo, explicitando que há uma política para os faltosos, pois são minoria. Grandeparte dos cidadãos, é o que ele tenta expor, não se negam a morrer em confronto, esses seriam os valentes, esses seriam a regra.

Xenofonte, a partir do capítulo 13, passa a explicar a organização do exército Espartano em tempos de confronto. De acordo com o autor, o exército se organiza ao redor dos seus reis, tendo como membros de uma espécie de ―estado-maior‖, os Polemarcas, conselho próximo ao rei, que junto deles produziriam as estratégias a ser postas em prática. Adjacente a eles estariam juntos três homens do grupo dos Iguais, compondo o conselho de guerra. Próximo dos Polemarcas se reúnem os capitães, os Penteconteres, os chefes dos aliados, chefes de aprovisionamento e um estratego voluntário. Estes estando presentes, também se ligam a eles, dois dos éforos, que não

têm uma função específica, a não ser a de observar, vigiar como as atitudes estão sendo tomadas. Para o autor, ao perceber como se dá a organização, todos os outros não passam de amadores, de curiosos, os verdadeiros militares são os espartanos.

Outro elemento essencial é a recepção e cumprimento das ordens, os soldados recebem os comandos através dos Enomotarcos que por sua vez recebem as ordens dos Polemarcas, divididos entre suas mórai. Xenofonte faz ver uma organização militar cuja inspiração reside, como afirma Humble, no principio de modéstia e pudor, no aidos. É neste espírito que os soldados ouvem e cumprem as ordens de seus capitães, que recebem as indicações de seus superiores, que por sua vez as recebem da boca do Rei.

Há ainda elementos essenciais sobre a vida militar em Esparta que são deixados de lado: por que e para que. Por que motivo os espartanos se tornaram soldados tão imponentes? Para que? Qual o sentido prático?

Apesar de não responder, Xenofonte nos proporciona uma discussão que pode ser útil às respostas. Em 12.2, Xenofonte afirma que Licurgo ordenou que estabelecessem guardas durante o dia, que estivessem sempre a observar as armas, a guardá-las propriamente. Esta guarda se dava não em relação aos inimigos, mas aos amigos, mas quem são os amigos, todos os não-espartanos no acampamento, incluindo os hilotas, a principal ameaça. Lipka defende que Xenofonte teria utilizado a expressão 28() ironicamente (2002, p. 203). Então, mesmo no acampamento a vigília não cessava, não se vigiava os meninos ou os rapazes para que mantivessem a disciplina, mas guardavam aqueles cujas iniciativas não se poderia prever.