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3 CAPÍTULO 2 – A CIDADE ENQUANTO CATEGORIA DE ESCRITA

3.2 ENTRE PÓLIS E POLITÊS: A IDEIA DE CIDADE PARA OS ANTIGOS

3.2.1 Aristóteles

A cidade enquanto objeto de análise surge para Aristóteles como elemento diferenciador entre os gregos e os bárbaros, já que estes viveriam sob o poder de algum déspota do leste, enquanto os gregos viveriam livres em seu regime autosustentável. Mais até, para o estagirita, o estado, no caso, cidade-estado tem uma natureza:

Como sabemos, todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu princípio, assim como de toda associação, pois todas as ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem. Todas as sociedades, portanto, têm como meta alguma vantagem, e aquela que é a principal e contém em si todas as outras se propõe a maior vantagem possível. Chamamo-la Estado ou sociedade política (ARISTÓTELES, A Política, I.1).

Sociedade política, ou mesmo o Estado, é para Aristóteles a única forma viável de vida para os homens livres, já que o homem é para ele um animal político. A sua preocupação aqui, claramente inclusive, é a atenção ao mundo grego de então. À época de Aristóteles a cidade-estado grega já não vive sob a autonomia de outrora, apesar de ser defendida enquanto modelo pelo professor de Alexandre.

Como fora comum às obras aristotélicas a busca pelas origens é o ponto de partida, a origem da Pólis é vista pelo filósofo como a procura, natural do homem, por proteção. Para ele, as famílias buscavam proteção umas pelas outras, o que conformaria as primeiras comunidades, unidas através do critério do auxílio mútuo. A comunidade, cuja formação supera a iniciativa individual, é o ganho para o bem.Fazer em conjunto o que sozinho o indivíduo não conseguiria, é importante ainda ressaltar sua natureza, segundo Aristóteles:

A cidade é a primeira por natureza, seja com relação a casa, seja com relação a cada um de nós. Pois o todo vem necessariamente antes das partes. Arrancados do todo, os pés e as mãos não existem, a não ser por homologia, como quando dizemos uma mão de pedra. Todas as coisas se definem por sua ação ou seu poder e não mais os tendo, não podemos dizer que são a mesma coisa, mas apenas que têm o mesmo nome. Assim, é evidente que a cidade exista por natureza e é anterior a cada um. Se ninguém é autárquico, está na mesma situação que as partes em relação ao todo. Aquele que não pode viver em comunidade ou que não necessita dela por ser autárquico é fera ou um deus. O impulso em todos para viver em comunidade é, assim, natural, e o primeiro que a constituiu foi causa de grandes bens (ARISTÓTELES, Política, 1253a, 20).

Para Aristóteles, a relação entre indivíduo e a comunidade, uma analogia de certa forma até orgânica é a natureza da cidade, a urbe existe enquanto fruto da relação entre a comunidade e o ser, o indivíduo. Mais até, há um condicionamento geral e natural para o agrupamento em comunidades. A Pólis é então, uma comunidade natural que responde à conjunção dos cidadãos que exercem, por sua vez, características distintas, mas cuja importância não é negada por Aristóteles. Para além da relação com o indivíduo, mas ainda sim, Aristóteles aponta o ―todo‖ e ―as partes‖. As partes podem ser identificadas tanto com os indivíduos como pelas fratrias, tribos que compunham o todo, mas entendemos que a natureza política do homem aponte à sua vida em comunidade, o ―todo‖ é sem dúvida a Pólis, lugar do exercício natural do homem, a política.

Por fim, na perspectiva de Aristóteles não se vai a Esparta. Não se viaja a Atenas. Vai-se aos espartanos. O conceito de cidade na Grécia Antiga não perpassa exclusivamente a concepção de sítio, cenário, ambiente de circulação, não existe tal qual o conceito atual. Entendemos que os conceitos têm, em sua concepção e aplicação, uma ligação direta com sua historicidade, não podendo ou não devendo ser pensado da mesma maneira em recortes diferentes. A cidade consiste como lugar dos cidadãos, espaço onde há a interação entre os membros formadores da comunidade, onde são travados os debates políticos, onde se compartilha as refeições, enfim, a cidade é o lócus do exercício da cidadania.

Muitas vezes usados como sinônimos, os termos Pólis, Cidade-Estado e Cidade Antiga, de certa forma não querem dizer a mesma coisa. Cada expressão traz consigo sua complexidade e utilização, até mesmo suas respectivas historicidades. Assim, as fontes que escolhemos aqui destacam primeiro, a própria conceituação de Pólis, sua natureza e de que maneira há a interação entre indivíduos e a comunidade deles. Tanto Aristóteles como Xenofonte destacam as relações entre os indivíduos e as instituições por eles criadas e sustentadas como fatores que distinguem a própria natureza da cidade grega em relação a outras. Tanto em um como no outro, a Pólis, termo que inclusive é uma simples transposição de uma palavra grega para nosso vocábulo (GUARINELLO, 2009), traz a ênfase na comunidade política o que pode trazer uma noção que, de certa maneira, exime características físicas.

Sobre a quantidade de cidadãos para que haja equilíbrio nas ações de sociabilidade, convivência e governo da Pólis, há um grande debate, travado inicialmente por Tucídides, continuado em Platão e estabelecido em Aristóteles, que destaca ainda:

Quanto aos bons amigos, será preferível ter o maior número possível, ou convém guardar uma certa medida na quantidade, como acontece com o de cidadãos na Pólis? É que nem dez homens constituem uma Pólis, nem com cem mil existe já Pólis. A medida, no entanto, não é por certo um número determinado, mas um conjunto dentro de certos limites. ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco 9. l0, 1170b 29-35

Defendendo a ideia de que os cidadãos ideais da Pólis compõem um círculo restrito de amizades deve haver a construção de limites. Eles definem quem deva ser cidadão, critério este que não é adotado através da perspectiva numérica.

A beleza costuma realizar-se de acordo com a quantidade e a grandeza. Por isso a Pólis que combina com uma adequada extensão o justo limite de que falamos é necessariamente a mais perfeita. De facto, tal como a de qualquer outra coisa - animais, plantas, instrumentos -, a grandeza das cidades tem também o seu limite. Um excesso de pequenez ou de grandeza retira-lhe a capacidade própria: ou ficará totalmente privada da sua natureza ou será defeituosa. [...] De igual modo a Pólis que se compõe de demasiadamente poucos habitantes não é autárquica, e uma Pólis tem de o ser, por sua vez, a que se compõe de uma quantidade excessiva, se bem que capaz de se bastar nas suas necessidades, será como que um povo e não uma Pólis, já que dificilmente tem uma constituição.

Quem, de facto, pode ser o estratego de um número de homens excessivamente elevado ou quem pode ser seu arauto, sem possuir uma voz estentória? Por isso, começa necessariamente a existir Pólis, quando de cidadãos é tal que permita bastar-se, a fim de viver feliz em uma comunidade política. É natural que uma Pólis, cujo número exceda o desta, seja também maior do que ela; contudo, como dissemos, tal aumento não pode ser ilimitado. Qual seja o limite é fácil de ver pelo exame dos factos. As actividades da Pólis repartem-se pelos governantes e pelos governados; ora é

tarefa do governante mandar e administrar justiça. Mas, para julgar sobre

questões de direito e para distribuir os cargos de acordo com os méritos, é necessário que os cidadãos se conheçam uns aos outros e saibam o que são; nos casos em que este conhecimento se não verifique, existe por força um exército dos cargos e uma administração de justiça de forma defeituosa, já que em ambos os domínios se não deve improvisar, como acontece evidentemente, quando há um número excessivo de população.

Além disso, os estrangeiros e metecos podem com mais facilidade usurpar os direitos de cidadãos, já que lhes não é difícil passar despercebido, graças ao excesso da população. É manifesto, por conseguinte, que o limite ideal para uma Pólis é o número mais elevado possível compatível com a autarquia da vida e susceptível de ser abarcado na totalidade. Fica deste modo definida a questão relativa à grandeza da Pólis. ARISTÓTELES, Política 7.4.8-14, 1326a33-b25

Aristóteles, por seu turno, demonstra que o número de cidadãos é preponderante, assim como a extensão territorial da Pólis também é um elemento essencial para a prosperidade da comunidade. O elemento do equilíbrio, bastante presente nos textos de Aristóteles, aparece com força. Apesar de ter sido escrito anteriormente aos textos de Xenofonte, retomamos ao pensamento de Aristóteles, a fim de perceber como Xenofonte estava vinculado aos autores posteriores a ele e como estes gregos se relacionavam com a Pólis em sua perspectiva física, a quantidade de cidadão e a extensão de seu território.