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2 CAPÍTULO 1 – XENOFONTE E SEU PRÓPRIO TEMPO

2.5 XENOFONTE EM ESPARTA

Após a morte de Sócrates, não houve possibilidade de escolha para Xenofonte, ele obrigatoriamente estava alinhado à causa espartana, o que não fora, ao que parece, grande sacrifício. Ainda na Ásia, Xenofo nte tem a oportunidade de conhecer um dos homens que decididamente marcou sua vida, Agesilau (DILLERY, 1995). O rei de Esparta lutava na Ásia contra os persas, na verdade, contra um grupo que representara um determinado sátrapa.

2.5.1 Agesilau ou como homenagear um amigo

Da mesma maneira que Xenofonte, Agesilau também tivera uma biografia interessante, filho do rei Agis, não teria acesso ao poder, pois não era o filho mais velho do rei, como aponta amplamente Plutarco (A Vida de Agesilau). Devido a um jogo de intrigas palacianas e um apoio decisivo de Lisandro, então estadista espartano, Agesilau ascendera ao trono, contrariando uma antiga predição que profetizara a queda de Esparta liderada por um rei imperfeito, Agesilau era manco.

Xenofonte não faz menção quaisquer dos dados que possibilitamos aqui, para ele Agesilau representava um referencial de justiça que deveria servir de exemplo, não cita a questão do oráculo, nem muito menos a característica específica do rei espartano. Poderíamos afirmar que d evido ao tempo, as informações foram justapostas. Quando da escrita de Plutarco elas estavam disponíveis para a audiência, já no IV século, não. Isto seria no mínimo inocente. De certa forma incoerente, em Agesilau , Xenofonte não faz críticas aos espartanos, mas em Helênicas, texto contemporâneo, a imagem dos espartanos não é tão límpida assim.

Em Agesilau, percebemos que o senso de gratidão de Xenofonte para com seu patrono, Agesilau, fora grande, mas como afirma Higgins, esta noção de reconhecimento está posta sobre o amigo, não sobre a cidade dele. Xenofonte admira o caráter de Agesilau, como um indivíduo íntegro, altruísta até, que levara em conta primeiro as necessidades da comunidade para, somente depois, dar cabo às suas. Além disso, o apreço de Xenofonte está conectado à ligação de Agesilau com sua cidade, Agesilau enquanto espartano, e não o espartano Agesilau (HIGGINS, 1977, p. 76).

Para Xenofonte, Agesilau é um homem atento a coisas muito importantes: à família e à cidade. Ele tem um senso de li mite, deixa de lado, como já afirmamos, seus próprios interesses em detrimento da vontade da comunidade. Fazendo um breve contraste, essa imagem, definitivamente, não é a exposta por Plutarco sobre o mesmo personagem. Seria um excelente

propósito analisar a composição das representações de Agesilau por Xenofonte e Plutarco, mas não é aqui nosso propósito, não por vontade, mas por outros critérios, como tempo, que é um elemento definidor.

Não citamos ainda que Agesilau fora um benfeitor para Xenofonte, após a campanha na Ásia, ao voltar para a Grécia, não para casa, Xenofonte se depara com uma realidade nem um pouco animadora, ele está despejado. Isso não quer dizer pobre, ou carente de recursos financeiros. Neste ínterim, a política expansionista espartana está efervescente, a fértil aprazível região de Escilunte, na Élida é conquistada e oferecida a Xenofonte, como prova da amizade não somente de um amigo, mas de um rei.

Em conclusão, a narrativa que Xenofonte nos possibilitou sobre Agesilau é a composição de várias memórias, da virtude e dos feitos de seu grande amigo. A falta de um senso crítico agudo é uma crítica moderna, mas entre os círculos de leitores da Hélade do IV século, a audiência de Xenofonte, esta percepção crítica parece não ter tanto espaço assim. Suas crônicas rememoram suas experiências, a partir de uma perspectiva muito específica, exigir, cobrar imparcialidade se liberando total e irrestritamente de um sentimento de gratidão para com um amigo, é demais. Como finaliza Anderson, Xenofonte não pretende fazer análises profundas sobre o caráter ou a personalidade humana, mas é, além de um ótimo narrador, um bom produtor de retratos individuais (ANDERONS, 1974) . Para Xenofonte, seus escritos corroborar iam na formação de uma imagem, de uma memória sobre Agesilau, sendo, portanto, um tributo a ele (HIGGINS, 1977).

2.5.2 Vida no exílio: o klerós na Élida

O estabelecimento de Xenofonte na região da Élida se dá quando ele retorna para a Grécia. Ele faz o depósito de uma oferenda à Ártemis por ter retornado sem nenhum dano, e, segundo Anderson, participara anualmente junto com os moradores desta região das festividades em honra da deusa e de seu irmão, Apolo, do qual, inclusive, recebera a indicação de por onde deveria ir.

O distrito de Escilunte distava um pouco de Olímpia, para um indivíduo devoto como Xenofonte seria uma excelente localização. Além disso, a fertilidade da região, assim como a riqueza da fauna local, propiciaram a ele momentos de paz e reflexão, assism como emoções da caça e do calvalgar, que depois registrara em seus escritos. Ali pôde exercitar a montaria e ensinar seus filhos, como seu pai fizera com ele. Assim como poderia se dedicar a outra prática das elites, a caça com cão. Seus registros dão conta das formas e manejo com os animais, em Cynegeticus, da caça com cães e Hiparchus, ou o comandante da cavalaria.

Seus filhos viveram com ele e logo após a idade correta, foram enviados para receber a educação espartana, como forma de exposição da xeniai, tipo de amizade para com indivíduos estrangeiros, contrário da xenelasia, expulsão de estrangeiros, permitia este tipo de prática. Mas isto não pode ser visto, de maneira direta, como uma ação corriqueira, pois, devido à pobreza de fontes, temos apenas as indicações do próprio Xenofonte a respeito disso.

2.5.3 Fim da Hegemonia espartana: ida para Corinto, retorno para Atenas?

Xenofonte vivera serenamente cuidando de seus cães e cavalos, em sua próspera terra, mas esta tranquilidade durara não mais que vinte anos, já que retornara da Ásia em torno de 390 e, em 371, na batalha de Leuctras, o exército espartano, liderado pelo outro rei de Esparta, Cleombroto, é derrotado por Epaminondas e a temível Guarda Sagrada, pondo fim à hegemonia espartana no Peloponeso. Os antigos proprietários recuperaram suas terras, que haviam sido tomadas por Esparta, o caso mais sintomático, a Messênia sob o jugo espartano desde o século VI.

Assim, Xenofonte é obrigado a fugir para Corinto, de lá enviara seus filhos para lutar por Esparta e Atenas na batalha de Mantinéia. Diodoro, de acordo com Anderson (1974), regressou vivo, mas sem ter se destacado pessoalmente, já Grilos, posto na cavalaria, morreu lutando valiosamente. Conforme Laércio (II, 54-55), ao saber da notícia Xenofonte teria respondido que, sabia quando o rapaz nascera, ele não era imortal. Grilos teria recebido diversas homenagens, não por sua bravura, mas em honras a seu pai. Por fim, Xenofonte teria falecido em idade avançada em Corinto. Para

Anderson, (1974) ele provavelmente voltou a Atenas, visto que seu exílio fora revogado, mas apenas para visitar alguns amigos da juventude, seu círculo de amizades mais recentes residia longe dali. Para Higgins (1977), por outro lado, morrer ali não significa estar vivendo ali, pois nesse momento o acirramento nas disputas entre Atenas e Corinto poderia ter dificultado a presença dele nesta cidade, mas aquele período marca para os gregos uma expansão da noção de fronteira.

2.6 XENOFONTE E A HISTORIOGRAFIA: DE ―MUSA DA ÁTICA‖ A TUCIDIDES