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CAPÍTULO 3 EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM DEMOCRÁTICA

3.2 A PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS

Falar de participação dos alunos na gestão da escola, principalmente quando eles ainda são crianças, é um campo que requer cautela. Embora muitos avanços tenham sido conseguidos após a CDC (ONU, 1989), ainda há muito que progredir. Paira na sociedade a ideia de que as crianças ainda não são cidadãs ou, quando muito, são cidadãos parciais, isto é, que possuem direitos, mas com certas ressalvas.

Ao se levar em consideração a evolução histórica do conceito de infância, percebe-se que as crianças já foram, inclusive, consideradas como propriedade dos pais. Passadas algumas centenas de anos, as crianças passaram a ser consideradas como uma classe especial e vulnerável que necessitava de cuidados especiais da sociedade e do Estado. Entretanto, mesmo com esse novo status, elas continuaram a ser consideradas mais como “not yet” do que como pessoas de direitos.

Howe e Covell (2005) enfatizam que as concepções sobre infância acabaram influenciando as legislações que tratavam do assunto. Nos séculos XVII e XVIII, as leis que tratavam diretamente dos direitos das crianças eram mínimas. Em contrapartida, as leis davam aos pais o direito de autoridade sobre elas. Howe e Covell (2005) citam o exemplo de que era proibido aos pais matar ou mutilar seus filhos, mas não havia restrições para que utilizassem punições severas, disciplina rígida e espancamento.

Antes do século XIX, não havia leis que protegessem as crianças contra exploração econômica ou sexual. Leis contra abuso ou negligência não existiam. Além do que, se uma delas cometesse um crime, era tratada severamente e, em muitos casos, como se fosse um adulto.

Do início do século XIX até a metade do século XX, sob influência das concepções de humanitarismo que começaram a florescer – como resposta à situação degradante que veio no bojo da industrialização –, as políticas e leis assumiram que os pais têm responsabilidades sobre os filhos, mas que essa responsabilidade tem de ser circunscrita. Assume-se que o Estado precisa intervir para que as crianças possam ter um crescimento saudável e protegido,

quando seus pais ou adultos próximos não possuem condições para oferecer esse suporte. A partir dessa conjuntura, surge o debate em torno da criação de políticas que estabeleçam meios de, além de proteger as crianças, assumi-las como pessoas de direitos. É neste contexto que a Convenção sobre os Direitos das Crianças se estabelece.

Howe e Covell (2005) consideram a CDC (ONU, 1989) como um marco, pois admite que as crianças são sujeitos de direitos e que, entre outras prerrogativas, possuem direitos de ser parte dos processos e ter parte neles e, ainda, de ter representação legal independente dos adultos. Para os autores, o direito à participação dá às crianças o status não só de pessoas individuais, mas também de participantes ou cidadãos na sociedade.

Inicialmente assinada por 61 países, a CDC possui 54 artigos os quais evidenciam os direitos que devem ser assegurados às crianças. Sarmento, Fernandes e Tomás (2007, p. 192) afirmam que a CDC, assim como toda legislação e instrumentos jurídicos que tratam das crianças, embora com todas suas limitações e críticas, “é uma marca de cidadania, um sinal da capacidade que as crianças têm de serem titulares de direitos e um indicador do reconhecimento da sua capacidade de participação”.

Concomitantemente ao processo da Convenção, no Brasil houve intensa mobilização para a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). O ECA foi um marco histórico de mudança de concepção sobre a infância e a adolescência. Antes regidas pelo código de menores (BRASIL, 1979), que associava a pobreza à delinquência, as crianças em situação de risco eram tidas como necessitadas da tutela do Estado e confinadas nos abrigos e instituições de atendimento destinadas a essa população fatalmente discriminada pela sociedade: “Este código consagrou o sistema de atendimento à criança atuando especificamente sobre os chamados efeitos da ausência, atribuindo ao Estado a tutela sobre o órfão, o abandonado e aqueles cujos pais fossem tidos como ausentes [...]” (ESPÍNDULA; SANTOS, 2004, p. 359).

O Código de Menores era aplicado exclusivamente às crianças que se encontravam em situação de vulnerabilidade ou situação irregular10 (BEZERRA, 2006), era uma medida punitiva e não tratava a criança como pessoa de direitos. A mudança na legislação ocorreu, sobretudo, para

[...] promover uma alteração no paradigma conceitual e nas práticas dele derivadas: abandonar a concepção de menor carente ou delinquente, associada à pobreza e à cor, abandonar a doutrina da situação irregular, através da qual os órgãos públicos tinham como função básica corrigir desvios de conduta, e adotar a concepção de

cidadania ampliada, mais condizente com a ordem internacional proposta pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU, em 1989. (GONÇALVES; GARCIA, 2007, p. 538-553).

O engajamento da sociedade civil em busca da aplicação efetiva dos direitos humanos, com a mudança de concepção sobre a criança, foi um pilar importante para a promulgação do ECA e a passagem para a doutrina da Proteção integral: “Essa mudança de concepção da criança e do adolescente como menor em situação irregular para pessoa que necessita de cuidados protetivos marca a passagem da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral” (ESPÍNDULA; SANTOS, 2004, p. 359).

A Doutrina da Proteção Integral é definida por Uchoa e Lopes (2012, p. 2) como aquela que “[...] promove a mudança de condição das crianças e adolescentes de meros objetos para sujeitos de direitos, dotados de capacidade para expressar sua vontade e exigi-la através da participação em diversos espaços, inclusive no âmbito político”. Mudança de concepção nas leis é muito importante, mas é necessário que ela seja sucedida por mudanças nas ações.