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A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE CRIANÇAS: O EXEMPLO DO ORÇAMENTO

CAPÍTULO 3 EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM DEMOCRÁTICA

3.3 A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE CRIANÇAS: O EXEMPLO DO ORÇAMENTO

PARTICIPATIVO CRIANÇA

Boaventura evidenciou, em “Democratizar a democracia” (SANTOS, 2003), que a sociedade e a política brasileira são caracterizadas pela predominância total do Estado sobre a sociedade civil, ressaltando que, nessa conjuntura, existem grandes obstáculos para a construção da cidadania, o exercício de direitos e a participação popular autônoma.

Tomada como exceção dentro da sociedade brasileira, a experiência democrática do Orçamento Participativo de Porto Alegre foi uma forma de organização e participação popular nunca antes vista. O Orçamento Participativo consistiu na deliberação do uso de recursos públicos feita com a participação efetiva da população local. Boaventura o definiu como: “[...] uma inovação institucional que visava garantir a participação popular na preparação e na execução do orçamento municipal e, portanto, na distribuição de recursos e na definição das prioridades de investimento [...]” (SANTOS, 2003, p. 461).

Considerada pela ONU como uma das experiências democráticas mais importantes do mundo, o orçamento participativo de Porto Alegre serviu de inspiração para outras cidades, como Belo Horizonte, Belém, São Paulo, Fortaleza, entre outras.

Salientado por Streck (2008) como uma das formas mais avançadas de participação, o orçamento participativo abriu a possibilidade de envolvimento dos cidadãos “[...] em um assunto restrito a um grupo muito pequeno de especialistas em cálculos e contas, geralmente escondendo os poderosos jogos de interesse que se abrigam por trás dos números” (p. 47). Ademais, um dos seus desdobramentos, considerado por mim um dos mais importantes, foi a possibilidade de se estender a participação democrática para além do mundo adulto, com a criação dos Orçamentos Participativos que incluíam as crianças.

Nascidos dentro da acepção de participação direta nas definições de orçamentos públicos, os Orçamentos Participativos Criança trazem à baila a necessidade de participação desses sujeitos – as crianças – e, por seu turno, trazem a mudança de percepção quanto a quem tem direito à participação política: “É um projeto pedagógico, com ênfase na socialização, na promoção do protagonismo infanto-juvenil, apoiado no acompanhamento e nas peculiaridades da infância e da adolescência, com objetivo de construir espaços de promoção da prática política”. (MATOS; RICCI, 2007, p. 31-32).

Considerado como um meio de participação política, os Orçamentos Participativos Criança implementados em Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo (respeitadas suas diversidades regionais) são exemplos de mobilização de crianças para contribuir na formulação de políticas públicas com fins a democratizar e tornar a sociedade mais justa.

Streck (2008, p. 49) afirma que “[...] a compreensão da democracia, antes de tudo, como modo de vida e não como forma de organização do Estado, coloca o desafio de exercitar a participação nos vários espaços em que a criança e o jovem convivem”. Por sua vez, Matos e Ricci (2007) asseveram que é na escola que as crianças podem concretizar o Orçamento Participativo e que é necessário que a escola reveja suas ações, reorganizando-as e se preparando para a formação cidadã de seus alunos. Portanto, pode-se começar por inserir as crianças na discussão da verba da própria escola. Tratar o PDDE como assunto coletivo, e que as crianças têm direito a deliberar sobre ele, já seria o início de um movimento para fomentar a aprendizagem cidadã e serviria de base para criar uma cultura de participação que viesse a ser ampliada para outras deliberações (mais amplas), como é o caso do orçamento da cidade.

Pautando-se na concepção de criança como sujeito de direitos, entende-se que, no recorte desta pesquisa, isto é, nas escolas públicas de educação básica no Brasil, os alunos devem perceber que têm direito de intervir nas questões que lhes atingem e, sobretudo, devem requerê-lo. O quadro atual da educação posta em prática nas escolas talvez não esteja oferecendo aos alunos espaço de participação, pois, em pesquisa realizada por Guimarães- Iosif (2009, p. 184), constatou-se que:

As escolas investigadas não lidam com essa aprendizagem [política], os alunos não estão envolvidos em qualquer atividade social e a escola é apenas um espaço maçante, onde eles têm que ficar sentados por cinco horas ouvindo professores que não os ouvem. Por falta de verbas e por temer reivindicações de alunos, muitas direções de escola evitam a qualquer custo que os alunos formem, por exemplo, “Grêmios Estudantis”, clubes ou outra forma de organização. Os alunos também não são incentivados a participar de Conselhos Escolares ou das reuniões de pais. Apesar de ser o assunto das reuniões de pais e de professores, as crianças não são ouvidas. Fala-se muito sobre elas, mas elas mesmas não têm voz. As crianças são sufocadas por essa postura. E, quanto menor é a criança, menos é considerada sua participação.

Nessa linha, Quinteiro et al. (2005), reportando-se à participação de alunos de séries iniciais11 do Ensino Fundamental, criticam a visão reducionista de se atribuir valor somente às vozes de alunos mais velhos, ao atestarem que: “[m]esmo em contextos escolares considerados inovadores, orientados pelos princípios da chamada Pedagogia Ativa, o direito à participação aparece reconhecido apenas como um direito das crianças matriculadas de quinta a oitava séries” (p. 3). As autoras afirmam que as crianças que estudam nas séries iniciais geralmente são ignoradas quando se trata de participação nas escolas, pois são consideradas incapazes para exercitarem, em especial, o direito à participação política. “Deste modo, pode- se afirmar que a participação é didatizada e, portanto, banalizada, principalmente, no interior das atividades pedagógicas” (QUINTEIRO et al., 2005, p. 3).

Segundo as considerações acima, percebe-se que, quanto mais novas são as crianças, menos elas são ouvidas no tocante às deliberações e ações na escola. É necessário rever essa situação e pensar em uma escola que atenda as demandas de seus alunos, sejam eles quem forem, independentemente da idade que possuam. Todos são cidadãos, pois todos são pessoas de direitos. É de suma importância que as crianças não só tenham seus direitos assegurados, mas que também elas tenham ciência de que possuem esses direitos. À escola cabe essa incumbência: a de mostrar, tanto na prática quanto na teoria, que criança tem direitos.

CAPÍTULO 4 FINANCIAMENTO E DESCENTRALIZAÇÃO DE RECURSOS DA