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CAPÍTULO 2 ESCOLA E GESTÃO DEMOCRÁTICA

2.2 GESTÃO DEMOCRÁTICA

Uma análise nos textos constitucionais brasileiros traz à tona que o preceito da gestão democrática da educação só foi instituído pela Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), ou seja, nenhuma das Constituições anteriores introduziu esse princípio. Vale ressaltar que a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) foi pensada, discutida e organizada dentro de um panorama em que estavam presentes movimentos populares voltados para a redemocratização do país. Talvez esse seja o motivo da preocupação em se prever constitucionalmente a democratização da gestão escolar. Mas “nem tudo foram flores”: a luta anterior era no intuito de que a gestão democrática fosse preceito para todas as unidades de ensino, mas somente as instituições públicas foram objetos da Constituição Federal (ADRIÃO; CAMARGO, 2007; PARO, 2007).

Embora preconizada constitucionalmente, a gestão democrática ainda não conseguiu ser implantada na prática. Talvez a própria estrutura da escola não propicie campo fértil para que ela medre, pois ainda é uma estrutura arcaica que servia a uma velha escola e que não condiz com uma concepção de educação que se pretende democrática (PARO, 2011).

Conforme Hora (1996), a gestão democrática pode ser analisada por três prismas: o do acesso à escola, o da ampliação de oportunidades educacionais, e o dos processos administrativos.

Muitos podem atribuir à gestão democrática o aumento do acesso de alunos das camadas menos favorecidas à escola. Mas será que apenas esse acesso pode configurar uma democratização da gestão educacional? É algo que tem que ser questionado, pois a função precípua da gestão deve ser criar condições para que a escola se configure de fato em um local de aprendizagens para os alunos, docentes e comunidade (DEMO, 2012). Além do que, cabe à gestão da escola zelar pela aplicabilidade da legislação educacional vigente.

Em relação à ampliação das oportunidades, pode ser citada a permanência dos alunos com sucesso na escola, isto é, a criação por parte do Estado de políticas que façam com que os

alunos aprendam com qualidade. Essas políticas passam também pela melhoria da infraestrutura das escolas e da formação dos profissionais de educação. Demo (2012) dá exemplos de algumas estratégias para garantir essa melhora: pagar bem os professores, garantir todas as especialidades – com especial atenção à matemática e às ciências –, garantir espaços físicos condizentes, entre outros. O autor afirma que para garantir ao aluno o direito a aprender bem é extremamente necessário valorizar o professor, porque, para ele, aluno aprende bem com professor que aprende bem.

Em se tratando de processos administrativos, percebe-se que, assim como no tocante à ampliação das oportunidades, há um grande caminho a percorrer. Primeiro porque ainda existe muita divergência quanto às fronteiras de uma gestão democrática. A Constituição delegou sua exequibilidade a leis complementares quando utilizou o termo “na forma da lei” para designar como se daria a gestão (BRASIL, 1988, art. 206; VI).

Deixada a cargo de leis complementares, coube à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, BRASIL, 1996) tratá-la com um pouco mais de apreço. Foi a LDB que instituiu dois princípios para a gestão democrática, que são: a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, 1996, Art. 14). Mas a LDB também deixou livre aos sistemas de ensino a elaboração de suas normas sobre o assunto.

2.2.1 Gestão no sistema de ensino do DF

A gestão do sistema de ensino do Distrito Federal (2007) estava, até meados de janeiro de 2012, sob a égide da Lei nº 4.036/2007, conhecida como Lei da Gestão Compartilhada6. Nela estava explícito que a gestão das instituições ficaria sob responsabilidade do diretor e do vice-diretor, com a ressalva de que ela estivesse em consonância com as deliberações do Conselho Escolar. Este, por sua vez, era formado por quinze membros eleitos, que seriam os representantes da comunidade escolar (DISTRITO FEDERAL, 2009).

Os diretores e vice-diretores passavam por um processo de seleção composto por: a) uma prova de conhecimentos sobre temas ligados à gestão e análise de títulos; b) elaboração e apresentação de Plano de Trabalho; c) eleição por parte da comunidade escolar. À equipe

6 Há que se fazer a ressalva de que, ainda que uma nova lei tivesse sido baixada, durante o trabalho de pesquisa

que gerou esta dissertação, as direções de escolas ainda estavam sob responsabilidade de diretores e conselheiros escolhidos segundo essa legislação.

diretiva que saísse vencedora desse pleito caberia o planejamento coletivo do projeto pedagógico da escola. Ela ficava passível de avaliação por parte da Secretaria de Educação, que criaria mecanismos próprios para avaliar o desempenho, bem como a periodicidade desta avaliação.

De acordo com o Regimento das Instituições Educacionais da Rede Pública do DF, ainda em vigência, o Conselho Escolar deve se configurar em um “[...] órgão colegiado de natureza consultiva, deliberativa, mobilizadora e supervisora das atividades pedagógicas, administrativas e financeiras [...]” (DISTRITO FEDERAL, 2009, art. 17). Vale frisar que esse mesmo documento afirma que compete ao Conselho Escolar garantir a participação efetiva da comunidade escolar na gestão da instituição educacional, mas não especifica como ele possa fazê-lo. Possivelmente estaria implícito o caráter de representatividade apenas, pois a única forma de o conselho efetivar a participação da comunidade que possa ser vislumbrada seria sua própria composição.

Cabe destacar que, dos quinze componentes que integravam o Conselho Escolar, apenas três representantes podiam ser discentes da instituição educacional e seis eram pais (DISTRITO FEDERAL, 2008). O agravante é que, na escola em que a faixa etária dos alunos era inferior a dezesseis anos, não havia representação discente direta. Então, como a opinião de uma importante parte da comunidade podia ser ouvida e contemplada se não havia (há?) espaços de participação legalmente amparados? Como ficava o preceito de “[...] garantir a participação efetiva da comunidade escolar na gestão da instituição educacional” (DISTRITO FEDERAL, 2009, art. 18, I) se os alunos menores de dezesseis anos não podiam participar da gestão?

A própria Lei Orgânica do Distrito Federal instituiu que o “Poder Público assegurará, na forma da lei, a gestão democrática do ensino público, com a participação e cooperação de todos os segmentos envolvidos no processo educacional” (DISTRITO FEDERAL, 1993, art. 222). Entende-se, portanto, que o “todos” não pode, em momento algum, deixar de incluir quaisquer das partes.

Constata-se, com isso, que há uma ideia corrente de que as crianças são cidadãs do futuro (HOWE; COVELL, 2005), que não dispõem ainda de conhecimentos ou competência para participar de decisões políticas. Entende-se que os alunos devem se resignar a receber uma proposta educacional pensada por outros. O próprio histórico da educação sobre os direitos da criança evidencia isso. À época da discussão sobre os direitos da criança – para fins da Convenção sobre os Direitos das Crianças (CDC/ONU, 1989) –, quando se perguntava aos professores sobre a proposta de educar seus alunos a respeito de seus direitos, os

professores apresentavam desconforto com a ideia (HOWE; COVELL, 2005). Talvez o medo de perder a autoridade e a habilidade de controlar as crianças fosse a maior preocupação dos adultos.

É claro que existem limitações. Não se quer aqui generalizar e propor a participação dos alunos a todos os pontos e contrapontos da gestão da escola. Sabe-se das questões técnicas, necessárias ao andamento da gestão. Mas há momentos que precisam e devem ser compartilhados com os alunos. O que se quer é uma atitude de respeito para com o educando. Dando voz e vez a eles. Essa seria uma posição ética da gestão.

Vale ressaltar que não só a participação efetiva em colegiados, mas, principalmente, a participação direta na discussão dos rumos da gestão da escola pode propiciar aos alunos uma aprendizagem democrática que, por seu turno, promoverá a cidadania de cada educando, pois permitirá o exercício prático, crítico e político da democracia.

2.2.2 A nova lei de gestão escolar no DF

Em 7 de fevereiro de 2012, foi publicada a nova lei que dispõe sobre o Sistema de Ensino do Distrito Federal e sua gestão. Com uma mudança de nomenclatura, a gestão das instituições de ensino do DF passou de “compartilhada” para “democrática”, porém, em termos de mudanças significativas de texto, não houve grandes avanços.

Infelizmente, dada a não aplicação prática da lei, fato que possivelmente ocorrerá a partir das eleições vindouras7, não se pode fazer uma análise mais apurada da questão. Mas, no que tange ao documento oficial, pode-se observar que, quanto à participação da comunidade escolar, as duas leis salientam a necessidade do Conselho Escolar.

Na lei da Gestão Compartilhada, o Conselho Escolar tem papel de destaque na garantia da autonomia das instituições educacionais no que concerne à gestão pedagógica, administrativa e financeira (DISTRITO FEDERAL, 2007, art. 2º, V). A lei da Gestão Democrática evidencia que a participação da comunidade nas definições pedagógicas, administrativas e financeiras dar-se-á por meio de órgãos colegiados e na eleição de diretor e vice-diretor da unidade escolar (DISTRITO FEDERAL, 2012b, art.2º, I).

Entretanto, não se pode deixar de destacar que a diminuição da idade mínima para votar nas eleições para diretores e para se candidatar a membro do Conselho Escolar, foi um grande feito. Com a nova lei, os alunos a partir de treze anos podem participar das eleições

diretamente. A diminuição para treze anos inclui os alunos do ensino fundamental no pleito, haja vista que a idade esperada para cursar o ensino fundamental vai até os quatorze anos. Como já foi destacado, na lei anterior, apenas os alunos com mais de dezesseis podiam participar de forma direta.

Anteriormente, na gestão compartilhada, caso houvesse vacância dos cargos de direção, a SEDF podia convocar a equipe mais bem classificada no processo seletivo. Com a nova lei, o Conselho Escolar parece ter sido empoderado: caso haja vacância, o Conselho pode indicar os membros da direção.

Mais uma mudança se refere à possibilidade de um membro da Carreira Assistência à Educação8 vir a se candidatar à direção da escola. Diferentemente da lei anterior, a nova lei não restringe a candidatura aos servidores da Carreira do Magistério, porém, tem de haver na chapa que concorre à direção um candidato professor com três anos de experiência em regência de classe.

Não se pode alongar em uma análise da nova lei, por motivos já expostos; no entanto, faz-se necessário externar a concordância com o que afirma Taborda (2009, p. 36):

A gestão democrática não é um valor que pode ser instituído com a aprovação de uma lei. Ela é um ato político e implica a participação dos diferentes atores sociais no espaço escolar. É um processo que deve ser construído coletivamente, no dia-a- dia da escola, pondo fim à lógica autoritária e dominante, por intermédio da qual tem sido alicerçada a relação de poder no interior da escola e, principalmente, fora dela.

Portanto, para que a lei seja efetivada é necessário que os sujeitos se apropriem de seus conceitos e concordem com eles efetivamente, para que façam valer na prática o que está escrito na lei. Se a norma lhes for estranha, dificilmente será posta em ação.