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CAPÍTULO 4 FINANCIAMENTO E DESCENTRALIZAÇÃO DE RECURSOS DA

4.1 O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

Há grande necessidade de se discutir o financiamento da educação no Brasil, sobretudo porque há, na maioria das vezes, uma “cortina de fumaça” sobre o assunto. Apesar de ter a característica de ser público – orçamento público –, sua discussão, seu planejamento e sua aplicação parecem estar tão distantes de quem ele se destina. As pessoas comuns não são levadas a querer entender de onde provêm os recursos destinados à educação e, muitas vezes, parecem ter internalizado que este seria um fato que não lhes compete.

Ademais, a constatação de Guimarães-Iosif (2007) salienta a necessidade de que se deve discutir de onde vêm os recursos que custeiam a manutenção do ensino público:

Existe um pensamento popular de que a educação pública é gratuita, pensamento este que precisa ser superado uma vez que toda educação formal custa diretamente às famílias, no caso dos centros privados ou aos contribuintes e, em menor grau, às famílias, no caso dos centros educacionais públicos ou estatais. (p. 65).

Basicamente, os recursos destinados à educação pública são originários de receita de impostos próprios da União, dos Estados e dos Municípios. Há, também, aqueles provenientes de transferências constitucionais e contribuições sociais como o salário educação12 (PINTO, 2000). Portanto, a Educação no país é subsidiada por verbas que provêm de uma arrecadação colhida da própria população e que, dada essa origem, deve ter caráter de publicidade e transparência.

Inicialmente, quando a educação brasileira se resumia às ações dos jesuítas13, a principal fonte de financiamento era a redízima, isto é, 1% do valor do que se exportava na

12 Esta contribuição social equivale a 2,5% de pagamentos recolhidos pelas “empresas em geral e as entidades

públicas e privadas vinculadas ao Regime Geral da Previdência Social”. (VIEIRA, 2009).

colônia era investido em educação. Como o valor era muito aquém do necessitado, a principal forma de arcar com despesas inerentes ao ensino era, na verdade, a venda de gado criado nas fazendas dos colégios dos jesuítas.

Após a expulsão da Companhia de Jesus e sob o domínio de Marques de Pombal, as aulas régias14 se mantiveram por meio do “subsídio literário”, que era um tributo cobrado na venda da carne, cachaça, vinagre e vinho. Essa arrecadação era tão baixa que mal dava para pagar os professores (BRASIL, 2006).

Com a Independência do Brasil, o imperador D. Pedro I cria por decreto uma nova forma de angariar recursos: uma loteria. Assim, a Santa Casa de Misericórdia, que mantinha o ensino médio, teria uma fonte de recursos para arcar com este nível de ensino. Deve-se salientar, entretanto, que as loterias constituíam uma fonte precária de financiamento (JESUS, 2007).

Devido ao incremento da demanda por escolas, sobretudo pelo aumento da população, em 1824 a Constituição instituiu ensino primário gratuito para a população e um salário mínimo para os professores, entretanto, não fixou de onde viria o dinheiro para custear essa despesa (BRASIL, 2006). Para tanto, foi necessário um ato adicional à Constituição. Em 1884, por meio do Ato, ficou instituído que as províncias passariam a ser responsáveis pela oferta da educação primária e que poderiam criar um novo imposto sobre vendas e consignações (IVC) que ocorressem em seus territórios.

Jesus (2007) sintetiza a fase monárquica do financiamento da educação afirmando que, durante este período, o financiamento se realizou a partir de recursos orçamentários, de doações, de loterias, da subscrição pública, de multas cobradas de alunos, de pais e até de professores.

Da Proclamação da República até 1930, o Brasil passa por um aumento significativo de sua população, somado a dois novos movimentos demográficos: a imigração estrangeira e o êxodo rural. Portanto, a demanda por escolas sofre um aceleramento. Para superar essa situação, o Manifesto dos Pioneiros15 propõe como solução vincular recursos para a Educação. Assim foi estabelecido o dispositivo constitucional de 1934, que vinculou 10% dos impostos federais e municipais e 20% dos impostos estaduais ao ensino (BRASIL, 2006).

14 As aulas régias compreendiam o estudo das humanidades, organizadas pelo Estado e não mais restritas à

Igreja.

15 Documento histórico da educação brasileira forjado na Conferência Nacional da Associação Brasileira de

Educação de 1931. De caráter abrangente, procurou definir a política nacional de educação e ensino (LEMME, 2005).

A partir de então, surge um longo debate sobre vinculação de recursos para a educação. Durante os regimes de governo autoritários16, as vinculações foram suprimidas, o que deixou a educação em situação complicada. A importância da vinculação de recursos é tamanha que Castro (2001, p. 13) assevera:

A vinculação de recursos de impostos para a educação – reserva de determinado porcentual do valor arrecadado via impostos – é uma das medidas políticas mais importantes de disponibilização de meios para o cumprimento do vasto elenco de responsabilidades do poder público nessa área.

A atual Constituição Federal (BRASIL, 1988) consagrou que a União deve aplicar nunca menos do que 18% dos recursos arrecadados de impostos; e os Estados, Municípios e Distrito Federal nunca menos que 25% de suas receitas, para a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)17. A LDB (BRASIL, 1996), grosso modo, incumbiu a União da responsabilidade pela educação superior; os Estados, pelo ensino médio; e os Municípios, pelo ensino fundamental e pela educação infantil: “Cada instância do poder público tem, assim, um sistema de ensino para manter e expandir, acarretando gastos, bem como mecanismos e fontes de recursos para o seu financiamento” (CASTRO, 2001, p. 12).

Constata-se que a gestão financeira do sistema educacional no Brasil foi organizada para se dar de forma colaborativa, ou seja, a União, os Estados e os Municípios, ainda que incumbidos cada qual de um sistema de ensino, devem manter entre si um regime de colaboração. Entretanto, tal prerrogativa é de difícil aplicação prática, uma vez que os municípios detêm o maior número de matrículas – visto que compete a eles (junto aos estados) a responsabilidade em relação à oferta do ensino fundamental (e obrigatório) – e que são eles os que menos recebem o retorno de financiamento, dada a sua baixa arrecadação, salvo raríssimas exceções.

Castro (2010, p. 182) afirma que “[...] a estrutura de financiamento educacional levado a cabo ao final da década de 1990 e em diante, ao priorizar o ensino fundamental, aumentou consideravelmente os gastos em poder dos municípios”. Como grande parte dos recursos fica à disposição da União, os Estados e, sobretudo, os Municípios que não dispõem de uma arrecadação tributária considerável acabam por ter que manter uma rede escolar precarizada.

Ao se debater a questão do financiamento da educação, não se pode deixar de lado a questão dos fundos, que surgem para organizar parte dos recursos vinculados. Não é ideia nova, pois na década de 60, Anísio Teixeira já apresentava “[...] um modelo para o

16 Em 1937, com o Estado Novo, e em 1967 e 1969, com as Constituições do período da Ditadura Militar. 17 O artigo 79 da LDB (BRASIL, 1996) delimita o que se configura Manutenção e Desenvolvimento do Ensino.

financiamento do ensino primário vigente à época, que previa a constituição de um fundo de recursos financeiros.” (AMARAL, 2012, p.127). Fazendo uma regressão maior, percebe-se que na Constituição Federal de 1934 a concepção de fundos para educação apareceu pela primeira vez em uma carta magna brasileira (ROSINHOLI, 2010).

Atualmente, temos como expoente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de valorização dos profissionais da Educação (FUNDEB). O FUNDEB é um fundo de natureza contábil que vincula recursos financeiros para a Educação Básica. Grande parte dos recursos do FUNDEB, 60%, é destinada ao pagamento de profissionais do magistério. O restante é aplicado conforme atuação prioritária de cada ente da federação. Todas as aplicações dos recursos devem ser feitas em MDE (BRASIL, 2007).

Não se pode negar que a partir da adoção de fundos, conseguiu-se organizar melhor a distribuição de recursos para a educação. Porém, a ajuda da União ainda se dá de forma suplementar, pois assim foi ratificado na atual constituição (BRASIL, 1988). Martins (2011) alega que não se pode criticar a União por financiar a educação superior e deixar a cargo dos municípios e estados a educação básica, pois isso foi pactuado constitucionalmente. Porém, há críticas a esse modelo de financiamento da educação que deixa aos “menos favorecidos” a maior demanda.

Nota-se a urgência em se redefinir o modelo de gestão financeira da educação, para que assim haja melhor distribuição de recursos e, também, melhor fiscalização da aplicação deles. Porém, ao mesmo tempo, nota-se certa lentidão das ações que visam reduzir esse quadro. Como exemplo disso pode ser citada a política do Ministério da Educação – e, portanto, da União – de tentar resolver os problemas de forma suplementar por meio dos programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O caráter de suplementação é bastante discutível, haja vista que a suplementação pressupõe que os ajudados já tenham a contrapartida, ou seja, já disponham de recursos que seriam apenas complementados com aqueles recebidos através do FNDE.

Sobre o FNDE, Santos (2012) afirma que é um fundo que tem como principal objetivo fornecer condições para o desenvolvimento de ações, planos e programas destinados a subsidiar instituições e sistemas de ensino. Por sua vez, Cruz (2011) ressalta que o FNDE opera a maior parte dos recursos federais da educação, que são descentralizados para os estados e municípios.

A grande questão é que, apesar de o FNDE ter sido criado dentro da perspectiva do pacto federativo, isto é, dentro da perspectiva do regime de colaboração, a assistência financeira dada aos entes federados já parte de uma demanda definida pelo MEC e não pelos

Municípios e Estados: “A distribuição percentual dos recursos para a educação pouco revela o padrão de financiamento, uma vez que não inclui o desafio enfrentado por cada unidade da federação para garantir a qualificação da oferta educacional” (CRUZ, 2011, p. 88).

As políticas de ajuda suplementar do FNDE que serão examinadas neste trabalho surgem a partir da década de 1990, quando são criadas políticas de envio de recursos diretamente às escolas. A intenção delas é descentralizar a tomada de decisão e execução de verbas (BRASIL, 1995; BRASIL, 2001). Assim, em 1995 surge o programa de envio de verbas diretamente às escolas denominado Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE). Adrião e Peroni (2007), pautadas na Resolução nº 12, de 10 de maio de 1995, afirmam que o PMDE teve como objetivo agilizar a assistência financeira da autarquia FNDE às redes escolares públicas, para cumprimento do disposto no artigo 211, da Constituição Federal de 1988, referente ao papel da União frente aos demais entes federados.

Em 1997, o programa recebe uma nova nomenclatura, passando a ser chamado de Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Com uma nova roupagem, mas com os mesmos pressupostos, intenciona dar autonomia financeira às escolas e se configurar como uma forma de descentralização de tomada de decisão sobre assuntos relacionados à educação.

4.2DESCENTRALIZAÇÃO DE PODER OU DESCONCENTRAÇÃO DE TAREFAS: O

CASO DAS UNIDADES EXECUTORAS

No Brasil, com o fim do regime militar e com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), esperou-se que finalmente fosse implantada a democracia no país. No âmbito educacional, a meta era promover mudanças que garantissem a democratização do ensino e a superação dos altos índices de repetência e evasão escolar, bem como o fantasma da falta de vagas nas escolas e de recursos para a educação. Assim, como forma de contornar a situação caótica, a descentralização foi tomada como meio de enfrentamento (VIRIATO, 2004).

A descentralização teve como objetivo diminuir o centralismo no plano federal e transferir responsabilidades para os entes federados. Mas teve como resultado a expansão das instalações físicas, do número de docentes e discentes sem, contudo, garantir as condições mínimas para um ensino de qualidade. Segundo Viriato (2004), da forma como se concretizou, a descentralização perverteu sua meta, que era democratizar o ensino. Gomes

(2005, p. 168) enfatiza que, de modo geral, “[...] a descentralização não raro teve o propósito de diminuir o déficit fiscal e passar a batata quente para outros atores”.

Apesar de o Estado suster o discurso em prol do combate à centralização das decisões e hierarquização da educação, o que se percebe é que, com a desculpa de se fazer a descentralização de poder, o que tem sido feito na verdade é uma desconcentração de tarefas, seguindo as orientações de organismos internacionais. Gomes afirma que “[...] a descentralização [...] tem sido vivamente recomendada à América Latina como parte, inclusive, dos ajustes financeiros estruturais e dos movimentos de redemocratização” (GOMES, 2005, p. 172).

A verdadeira descentralização demanda partilha de poderes e o que se vê na prática é que o Estado não estabelece essa relação com a escola. Viriato (2004) explica que sem participação e sem autonomia para intervir em questões administrativas e pedagógicas, não há descentralização. O que tem acontecido em várias políticas educacionais é apenas a “desconcentração”, que a autora caracteriza como uma forma de levar a execução da atividade para o mais próximo possível do lugar onde ela ocorre. Sendo assim, o poder continua centralizado, mas se cria o espectro de uma cessão de poderes que, na verdade, não existe. Ainda segundo Viriato (2004), o Estado cria “cidadãos participantes” que, na prática, apenas praticam cobranças e executam aquilo que os órgãos centrais planejaram.

A crítica ao PDDE se dá, principalmente, nesse tópico. Ele foi criado dentro da perspectiva da descentralização, mas precisa instituir o que se denominou de Unidades Executoras (UExs) para executar o que já fora planejado na esfera federal, simulando uma participação direta local.

Segundo o Manual de Orientação para Constituição de Unidades Executoras (BRASIL, 1997), UEx é uma sociedade civil com personalidade jurídica de direto privado, sem fins lucrativos, que pode ser instituída por iniciativa da escola, da comunidade ou de ambas. Ela pode ser o Caixa Escolar, a Associação de Pais e Mestres (APM), o Conselho Escolar ou outra nomenclatura utilizada na escola. Entretanto, o Manual frisa que, independentemente do nome escolhido, para fins de PDDE, a nomenclatura oficial utilizada pelo FNDE é Unidade Executora, que seria uma denominação genérica que abarcaria as diversas denominações encontradas no Território Nacional.

O Manual ressalta que “independentemente da denominação que a escola e sua comunidade escolham, a ideia é a participação de todos na sua constituição e gestão pedagógica, administrativa e financeira” (BRASIL, 1997, p. 3). Ressalta ainda a importância

de que pais, estudantes, funcionários, professores e membros da comunidade estejam representados na composição da UEx.

A criação das UExs foi determinada pelo FNDE para que o repasse das verbas fosse feito direto à escola. É através delas que a escola recebe os recursos financeiros enviados de maneira direta, e são elas as responsáveis não só pelo recebimento, mas também pela execução e prestação de contas da verba.

Na prática, o ideal de democracia em que a população usuária exerça democraticamente o controle sobre o Estado em relação à qualidade dos serviços prestados não se consolida com a criação das UExs. Demo (2000) afirma que é comum que os pais dos estudantes de escolas públicas sejam automaticamente convertidos em membros da APM na tentativa de mesclar pais e professores, ainda que sejam lados diferentes. Para Demo, essa mescla só facilita a vida dos professores, posto que evita a crítica dos pais à associação comandada por eles, uma vez que os pais são também membros dela. Ou seja, a participação dos pais fica condicionada à necessidade de mantê-los controlados, conformados.

Para Peroni e Adrião (2007), a criação de normas e preceitos que intencione a implementação de espaços democráticos de gestão escolar não é uma preocupação relevante na legislação. Essa ausência de preocupação integra-se ao contexto político dos anos 1990, em que as vias democráticas não são necessariamente tidas como importantes para o aumento da eficiência e eficácia da gestão estatal. Segundo essas autoras, o esvaziamento do significado político da participação na gestão escolar parece ficar configurado na combinação entre criação de unidades executoras de direito privado e pouco estímulo à produção de mecanismos coletivos de gestão.

Peroni (2011) destaca que o fluxo do dinheiro “público” passa por uma instituição privada (UEx) para poder ser gasto pelo “poder público”, o que, para a autora, parece estar de acordo com o “diagnóstico” de que o privado é mais eficiente. O público precisaria do aval do privado para poder utilizar seus recursos.

A contestação da criação das UExs parte do entendimento de que elas seriam a consolidação da transferência de responsabilidades do Estado para a sociedade civil. Peroni e Adrião (2007), grandes críticas da organização atual do programa PDDE, afirmam que a administração de recursos financeiros por meio das UExs responsabiliza uma entidade paralela à estrutura estatal por decisões políticas significativas ao funcionamento da escola e se coaduna ao movimento de instauração de uma nova gestão escolar que pretensamente está terceirizando as responsabilidades do Estado como provedor das políticas sociais.