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CAPÍTULO 3 EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM DEMOCRÁTICA

3.1 POR UMA EDUCAÇÃO PARA A DEMOCRACIA

Anísio Teixeira afirmou em 1956 que “[a] democracia é [...] todo um programa evolutivo de vida humana, que, apenas há cerca de uns cento e oitenta anos, começou a ser tentado e, de algum modo, desenvolvido; mas está longe de ter completa consagração” (TEIXEIRA, 1956, p. 1). Infelizmente, até hoje, passados mais de cinquenta anos de sua afirmação, a democracia ainda encontra dificuldades para se consolidar no contexto brasileiro, dadas as desigualdades socioeconômicas vigentes.

Democracia, de fato, precisa de uma sociedade que esteja aberta à participação de todos para fincar suas raízes. Mas essa participação não se dá de maneira espontânea, é necessário que se criem condições para que ela floresça. Portanto, o ser humano, como ser em constante aprendizagem, precisa ter uma formação democrática para exercer a democracia. Uma educação democrática, ou para fins democráticos, seria então o pressuposto da democracia.

Dewey (1979) afirmou que uma sociedade só é democrática quando prepara todos os seus membros para partilharem de seus benefícios com igualdade. Seguidor das ideias de Dewey, Teixeira (1956) ressaltou que a democracia é um processo histórico que precisa ser aprendido. Por conseguinte, se precisa ser aprendido, requer um constante ensino. Mas, dentro do panorama educacional brasileiro, o que se percebe é apenas o discurso em prol da democratização do espaço e da gestão escolar. A prática está muito aquém daquela que se coaduna com a concepção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Não há como proceder à democracia sem que haja educação para ela acontecer (TEIXEIRA, 1956; BENEVIDES, 1994). Esse pode ser considerado o ponto chave da questão. A sociedade, isto é, os cidadãos que compõem a sociedade precisam aprender a viver

democraticamente. Essa aprendizagem só se dará se houver uma educação política dos cidadãos.

Anísio Teixeira afirma que ou a educação impulsiona o processo das modificações necessárias para que se opere a democracia, ou o modo democrático jamais será efetivado, pois “[...] a educação nas democracias, a educação intencional e organizada, não é apenas uma das necessidades desse tipo de vida social, mas a condição mesma de sua realização” (TEIXEIRA, 1956, p. 21).

Assim como Teixeira (1956), Benevides (1994) defende a necessidade de uma educação política para que a democracia se dê realmente. Para essa autora, a educação política em um contexto democrático, pressupõe que os próprios interessados se transformem em novos sujeitos políticos. Montesquieu (1748; apud BENEVIDES, 1996) afirma que há uma relação intrínseca entre educação e regime político, e que é impossível a existência de um regime verdadeiramente democrático sem a educação democrática de seus indivíduos.

No entanto, para que se eduque para a democracia há a necessidade de uma educação pautada na prática, pois a educação política se processa na ação e não no plano meramente teórico. Como diria Demo (2009), participação é conquista. Conquista que deve ser conseguida mediante o envolvimento efetivo das partes que compõem a sociedade. Para que isso aconteça, há a necessidade de se pensarem políticas que façam com que a escola esteja em condições de oferecer a educação para a democracia.

Reiterando, essa educação não pode ser feita somente no plano da abstração, isto é, o assunto não pode ser considerado como mais um conteúdo que deva ser trabalhado ante os inúmeros que a escola já tem. Hart (1992, p. 5) afirma que a participação democrática tem de ser ensinada na prática, por isso faz crítica ao modelo de educação democrática atual que, segundo o autor, desvirtua o ensino: “Many western nations think of themselves as having achieved democratic fully, though they teach the principals of democracy in a pedantic way in classrooms which are themselves models of autocracy. This is not acceptable”9.

Mas como fazer para que as escolas se tornem centros de educação para a democracia se elas não foram criadas para isso? Como assevera Teixeira (1956, p. 4), “[...] a própria escola não surgiu com a democracia, mas com e para a aristocracia, e está (ainda está) muito mais apta a formar aristocratas do que democratas”. Então, a revisão de concepções parece ser a única alternativa possível, ainda que não seja nada fácil. Percebe-se a luta velada, mas dura,

9 “Muitas nações ocidentais pensam em si mesmas como sendo plenamente democráticas, embora elas ensinem

os princípios da democracia de uma forma pedante nas salas de aula. Elas mesmas são modelos de autocracias. Isto não é aceitável”. (Tradução nossa).

entre uma camada da população que detém privilégios e outra que, apesar de numericamente superior, vive oprimida por se sentir menosprezada em termos de renda, direitos e conhecimentos.

Partindo-se do pressuposto de que as formas privilegiadas de conhecimento conferem privilégios a quem as detém, entende-se que a camada mais favorecida economicamente já sai na frente na luta democrática. Não se percebe o reclame por mais espaços de participação dessa parcela da população, por que ela já os possui. Não se percebe a preocupação desta parte da sociedade por receber uma educação voltada para a democracia. Ela já tem seus anseios atendidos, não a interessa entrar numa peleja por mais espaços de participação. Na verdade, a ela interessa não abrir mais canais de participação para que não se corra o risco de as camadas menos favorecidas reivindicarem participar.

Segundo Santos (2010), a sociedade vive sob problemas modernos que decorrem da não realização prática de valores como a liberdade, a igualdade e a fraternidade e, o mais agravante ainda, a modernidade não dispõe de soluções para essa situação. O autor defende que os Povos do Sul – que são todos os que estiveram submetidos ao colonialismo exacerbado que ultrajou o desenvolvimento de suas comunidades – reinventem a democracia.

Para se reinventar a democracia, Santos (2010) expõe a necessidade de se reinventar o paradigma hegemônico de democracia tendo por base a(s) nova(s) epistemologia(s) que tem surgido nos países do Sul global. O autor define esse(s) tipo(s) de epistemologia(s) como todas as manifestações culturais e todos os conhecimentos que foram suprimidos pela ideologia dominante. O Sul, a que se refere Santos (2010), não corresponde somente ao Sul do ponto de vista geográfico, mas ao conjunto de regiões ou países que foram submetidos ao colonialismo europeu e que não conseguiram galgar desenvolvimento econômico semelhante ao norte global. Essa forma de colonialismo deixou um espectro de submissão que tem sido propalado nos ambientes sociais. A escola, como uma das instituições mais influentes na sociedade, tem se dado ao desserviço de mantê-la. Seja por suas concepções veladas ou por sua prática autoritária e excludente.

Para mudar esse quadro, Benevides (1996), relembrando as palavras de Dewey (1979), afirma que uma sociedade democrática precisa desenvolver, em todos os seus membros, a capacidade de pensar, participar na elaboração e aplicação das políticas públicas e julgar os resultados. Dada as forças que trabalham na contramão desta perspectiva, a autora afirma que há necessidade de se pensar em uma “Educação para a democracia”, que se compõe de três questões básicas: “Formação intelectual e informação”, “Educação moral” e “Educação do comportamento”.

Na defesa da “Formação intelectual e informação”, a autora afirma que a falta, ou a insuficiência, de informações reforça as desigualdades, fomenta injustiças e pode levar a uma verdadeira segregação. Como “Educação moral”, a autora entende uma didática para ensino de valores que não se aprende apenas intelectualmente, como é o caso da consciência ética. Como “Educação do comportamento”, a autora enfatiza a necessidade de as pessoas se interessarem pelo bem comum, desenvolvendo atitudes de tolerância às diferenças.

Benevides (1996) ressalta que a educação para a democracia nunca se fará por imposição, como uma doutrina oficial, mas pela conscientização, porque um dos valores fundamentais da democracia é a liberdade individual, que não pode ser sacrificada em nome de uma ideologia nacional. A autora afirma que a educação para a democracia em sua primeira dimensão “[...] consiste na formação do cidadão para viver os grandes valores democráticos [...] que englobam as liberdades civis, os direitos sociais e os de solidariedade dita ‘planetária’” (BENEVIDES, 1996, p. 228).

Na sua segunda dimensão, a educação para a democracia consiste na cidadania ativa, isto é, uma educação que forma o cidadão para a participação na vida pública. Pode o cidadão, dessa forma, participar como cidadão comum ou governante. Ou seja, a educação para a democracia não educa o cidadão para ser apenas governado, ele também é formado para ser governante. Nas palavras de Guimarães-Iosif (2009, p. 175), o sujeito deve exercer a cidadania emancipada, que é “[...] fruto da organização coletiva e de um povo que sabe pensar e que é capaz de criar história própria [...]”.

A educação para a democracia é um processo de longa duração que exige continuidade. Não deve ser encarado como um objetivo de um governo ou de um partido, mas como o anseio de uma sociedade (BENEVIDES, 1996).

Para que haja democracia na escola, Anísio Teixeira afirma que é:

[...] necessário que professores, diretores e toda a administração escolar aceitem o princípio democrático, que consiste no postulado de que cada um dos participantes da experiência escolar tem mérito pessoal bastante para ter voz no capítulo. Ninguém é tão desprovido que possa ser apenas mandado. Também ele deve saber o que está fazendo e porque está fazendo. Algo ficará mais difícil; nem tudo será tão bem feito – mas a grande experiência de participação, como igual, nas atividades, esforços, durezas e alegrias do trabalho escolar, se estará fazendo, e, com ela, a aquisição das disposições fundamentais de cooperação, de responsabilidade, de reconhecimento dos méritos de cada um, de participação integradora na vida comum e de sentimento de sua utilidade no conjunto. (TEIXEIRA, 1956, p. 9).

Em suma, não é aceitável a realidade demonstrada pelo estudo de Guimarães-Iosif (2007, p. 67), que quanto “[...] mais pobres os alunos da escola pública [,] menos democrática têm sido as práticas pedagógicas adotadas”. É mister que se perceba a necessidade e a

importância da educação para a democracia e que sejam colocados em ação seus pressupostos, para que se tenha uma sociedade realmente democrática. Tudo isso pode ter início na escola.