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Expectativas da Formação Inicial

A) A participação dos supervisores pedagógicos

Como facilmente se verifica pelos gráficos apresentados relativamente ao número de interacções registadas em 2., ambos os supervisores pedagógicos detêm claramente o discurso nos seminários que compõem os ciclos da supervisão. São formadores, na acepção de Perrenoud (2001: 173), pois assumem uma função de pilotagem com enfoque nos processos de aprendizagem e partindo das necessidades, das práticas e dos problemas identificados.

De acordo com os dados recolhidos no terreno, verificamos que o seminário se centra na mediação do supervisor pedagógico. Este é o regulador de um processo

118 dinâmico que se desenvolve pela promoção da democratização das relações interpessoais. A iniciativa surge quase sempre por parte do formador sem que por isso haja directividade ou autoritarismo, como se pode comprovar pelas descrições nas notas de campo.

Contudo, a abertura e a flexibilidade dos supervisores não parecem ter sido suficientes à produção mais frequente de interacções por parte dos formandos. Pelo contrário, a discrepância verificada na frequência de interacções entre supervisores e formandos poderá reflectir a discrepância dos papéis que desempenham tanto a nível de estatuto como de poder. O modo como supervisores e formandos se dispõem na sala durante os seminários também pode ser disso exemplo – o supervisor senta-se sempre num lado da mesa e os formandos do outro.

Para Poole e Giddens (Griffin, 2006:266), qualquer interacção social é estruturada14 e composta por três factores que se misturam – moralidade, comunicação e poder. Nas palavras de Poole, “it’s hard to use moral norms without considering their interpretation – a matter of meaning – and how they are “made to count” – a matter of power.”

Esta assimetria pode ser inibidora à comunicação se os formandos pensarem à partida que são os supervisores que terão as mensagens mais ricas para transmitir e que serão, portanto, os formandos os mais ou os únicos beneficiados com a interacção desenvolvida. A comunicação é, antes de mais, uma transacção (Griffin, 2006: 53) onde sem cooperação efectiva não há criação de sentido nem construção de conhecimento. Por outro lado, Goffman (1959) lembra que é na constante negociação com os outros por via da comunicação interpessoal que definimos publicamente a nossa identidade. Com efeito, esta assimetria pode, de certa maneira, demonstrar que o processo de construção de identidade profissional dos formandos é moroso mas inquestionável. Uma das formandas começa por dizer:

14 Giddens refere o conceito de “structuration” como o processo de estruturas sociais que formam as acções das pessoas, ou ainda como “the production and reproduction of the social systems through

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“Se formos a ver não sou eu que sei, são os orientadores que sabem, portanto….”(Anexo 5)

Porém, finalmente reconhece:

“(…)quando eu estava a ver as coisas ficava mais relutante porque estava a ver que não ia conseguir mas depois com um bocado de esforço consegui misturar um bocado a ideia que eu tinha com a ideia sugerida pelos orientadores e saía o produto.” (Anexo 5)

Para outra das formandas, a formação enquanto processo requer uma fase de adaptação de maior apreensão mas que acaba por se desenvolver “de uma forma muito natural e positiva.” (Anexo 3)

Uma observação atenta mostra-nos que a interacção e os comportamentos dos participantes no seminário, muitas vezes espontâneos e inconscientes, são estruturados e repetem-se. A Escola de Palo Alto denomina estas repetições de “redundâncias interaccionais” pois correspondem a interacções recorrentes, características da organização de um sistema. Poole (Griffin, 2006:265), na sua teoria da estruturação adaptativa - adaptative structuration theory - acredita que no processo da interacção entre os membros de um grupo estes utilizam regras e recursos a fim de produzir e reproduzir decisões. A frequência dos seminários colectivos implica efectivamente uma progressão cíclica de práticas, se bem que com “regras e recursos” sempre idênticos e com insistência em núcleos temáticos recorrentes. Apesar disto, e se verificarmos o número de interacções ao longo do ano lectivo e a qualidade das intervenções, podemos afirmar que nem todos os formandos parecem evoluir da mesma forma embora a acção do supervisor demonstre ser regular e coerente.

Lesne (Cortesão:1991) estabeleceu uma Tipologia de Processos de Formação identificando três maneiras de trabalhar em formação de adultos, a saber: o tipo transmissivo (de orientação funcionalista), o tipo incitativo (orientado para a auto- realização dos formandos) e o tipo apropriativo (orientado para a participação crítica do formando). Embora este processo de formação que investigamos se insira globalmente no tipo apropriativo pela sua preocupação em centrar toda a reflexão no desenvolvimento profissional do formando, os supervisores pedagógicos adoptam

120 modos de (re)agir algo diferentes que dependem quer do cumprimento da regulamentação de cada disciplina da formação quer sejam decorrentes da sua personalidade. O tom e o conteúdo dos seus discursos parecem igualmente variar consoante a quem se dirigem, como foi anteriormente referido.

A Supervisora de Francês é mais formal na linguagem, mais assertiva na crítica, mais expositiva nas informações que fornece e mais detalhada nas sugestões e na argumentação que apresenta. A assertividade da Supervisora de Francês, contrariando uma atitude “maternalista”, que é muitas vezes solicitada à figura de uma professora mais experiente e mais velha, tem como objectivo responsabilizar as formandas no cumprimento rigoroso do seu trabalho. A este propósito, Eulália Barros (Sampaio, 2006: 323) refere que “Conversas de catequista não ajudam. Ajuda o que leva a que ambos, professor e aluno (neste caso supervisor e formando), evoluam através do problema”. O reforço positivo como estímulo à melhoria das práticas está, porém, sempre presente no seu discurso.

“Deves esquecer a tua insegurança porque quando o fazes, e isso aconteceu em dois momentos da aula, consegues revelar mais auto-confiança e criar mais empatia nos alunos.” (Si para F3 –Anexo 11)

Por seu turno, o Supervisor de Inglês adopta uma postura mais informal, por exemplo na diversificação de registos de língua dependendo do assunto do seminário, no modo como se senta ou no modo como se dirige às formandas utilizando um diminutivo do seu nome. Este é um elemento afectivo empático importante nas relações interpessoais. À luz do pensamento da Escola de Palo Alto, este supervisor é coerente nas duas linguagens – a digital e a analógica - que utiliza para comunicar mais eficazmente.A comunicação verbal ganha, de facto, significado quando acompanhada pela não-verbal, facilitando a metacomunicação. A pragmática debruça-se sobre todo o comportamento e, neste caso, a abertura a nível informativo, revela-se congruente com o não-verbal.

O Supervisor de Inglês prefere generalizar as questões abordadas, sem as personalizar demasiado, prefere “suavizar”, muitas vezes pela ironia ou humor, no tom que imprime nas suas apreciações e remeter a reflexão pessoal para um espaço e tempo

121 posteriores ao do seminário. Nos seminários colectivos de Inglês, as actividades têm o seu enfoque na prática, no “aprender a fazer fazendo” assim como no questionamento conjunto sobre as várias etapas dessa prática.

Não obstante, ambos os supervisores desdramatizam as situações problemáticas, criam um clima de trabalho aprazível e tentam incutir confiança no formando.

Relativamente à cooperação na formação, verificamos que a solicitação ao trabalho colaborativo entre formandos parece fazer-se, pelo menos nos seminários, apenas muito pontualmente. Consideramos que há uma certa resistência ao trabalho em equipa e que esse facto está relacionado com a inevitável necessidade de avaliação do formando e de certificação da sua formação. A aposta na formação enquanto processo de construção interactiva requer principalmente um enfoque maior sobre uma regulação sistemática e de carácter formativo em vez de se basear numa avaliação sumativa que, na nossa opinião, pode inibir a colaboração e incentivar uma competitividade agressiva. Numa perspectiva ecológica, cabe ao supervisor gerir esta contradição, flexibilizando os parâmetros de avaliação, pré-estabelecidos pela instituição superior a que o estágio pedagógico está associado, e adequá-los ao plano de formação desenvolvido para aquele grupo de formação em geral e para aqueles formandos em particular. Neste enquadramento, parece-nos, portanto, imperativo redefinirem-se os papéis da avaliação e da supervisão para que tal possa ser verdadeiramente concretizado.