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4 Supervisão: um processo interactivo

PARADIGMA INTERPRETATIVO

4. O processo da recolha de dados

Vários autores denominam triangulação ao procedimento de validação instrumental efectuado por meio de uma confrontação de dados obtidos por diversas técnicas de recolha de dados. No entanto, como referem Denzin e Lincoln (2005), a triangulação não é uma ferramenta nem uma estratégia de validação mas antes uma alternativa à validação uma vez que a realidade objectiva nunca pode ser capturada, apenas as suas representações. Remetendo para a leitura de Flick (2002), os mesmos autores concluem que a multiplicidade metodológica enriquece um trabalho de investigação qualitativa: “The combination of multiple methodological practices, empirical materials, perspectives, and observers in a single study is best understood, then, as a strategy that adds rigor, breadth, complexity, richness, and depth to any inquiry.”

Outros autores, porém, preferem a metáfora do cristal caleidoscópico para exprimir justamente a complexidade e diversidade de interpretações possíveis de um mesmo estudo. “Crystals grow, change, and are altered, but they are not amorphous. Crystals are prisms that reflect externalities and refract within themselves, creating different colors, patterns, and arrays casting off in different directions. What we see depends on our angle of repose(…) Crystallisation provides us with a deepened, complex, and thoroughly partial understanding of the topic.” (Richardson & St Pierre in Denzin and Lincoln, 2005)

Recorremos ao trabalho de campo para a recolha de dados com vontade de apreender a complexidade desses pedaços de realidade. No terreno, a observação da participação torna-se uma lente imprescindível do trabalho de investigação e as notas de

72 campo do investigador, assim como as entrevistas, tornam-se as suas ferramentas mais preciosas de recolha de informação descritiva pois tratam-se de registos das observações do quotidiano das pessoas que constituem o grupo observado.

Tendo em conta o tempo de observação previsto, o processo de recolha de dados foi regular e suficientemente variado para poder obter elementos capazes de caracterizar as interacções entre os diversos membros da comunidade de aprendizagem que denominámos como núcleo de estágio.

4.1. A observação da participação e as notas de campo

A observação participante foi criada nos finais do século XIX como um método do campo etnográfico para obter informação do mundo real. Como já referimos anteriormente, este não é possível ser captado, apenas as suas representações. Daí que recentemente se tenha optado pela expressão “a observação da participação”(B.Tedlock,1991,2001 cit. in Denzin:467) em substituição da expressão observação participante. Ora, a observação participante, doravante designada como observação da participação, é uma observação distanciada e distingue-se da observação participada. Tal como assume Freire (1997), a observação implica, efectivamente, um problema de atitude do investigador que, muitas vezes, vacila entre a autocracia e a democracia, isto é, entre uma perspectiva distanciada e uma intervenção na organização que observa.

O investigador deve entrar no mundo do sujeito mas ficando do lado de fora (Bogdan e Bilken, 1994). Pode entender o mundo social que observa do interior porque está nele fisicamente, embora o seu papel não seja interventivo. A observação vai permitir integrar-se progressivamente nas actividades das pessoas que interagem nesse mundo social, acabando por reflectir e envolver-se criticamente nelas.

A passividade do investigador enquanto observador é, no entanto, sempre relativa porque mesmo que não participe intervindo, a sua presença física poderá, de certa forma, “manipular” os modos de vida do grupo social em estudo. A entrada e a presença do investigador em campo requerem, por conseguinte, algumas precauções, tais como um esclarecimento prévio aos informantes do propósito da sua presença e, por outro lado, uma continuidade na sua acção que permita que o investigador não seja visto como um intruso mas antes como um membro frequente. A este propósito, Lessard-

73 Hébert (1990:157) refere que “o investigador deverá definir o seu papel em relação ao continuum observação-participação”. No nosso caso, o investigador teve uma participação activa na medida em que tomou sempre notas durante as suas observações, mas manteve uma intervenção passiva pois nunca tomou parte das interacções que presenciou, embora em determinados momentos da observação isso se tornasse tentador.

Outra das tentações da linha “autoetnográfica” da investigação por via da observação da participação é tornar da escrita nos diários de bordo momentos de introspecção e auto-reflexão. B.Tedlock (in Denzin, 2006) afirma que a observação da participação produz efectivamente a combinação de informação cognitiva com informação emocional. A utilização frequente de adjectivos e advérbios nas notas de campo do investigador são disso exemplo. Actualmente, porém, a assunção da subjectividade inerente à imersão num contexto e cultura específicos por parte do investigador torna-se importante no âmbito da investigação qualitativa de índole etnográfica.

No que diz respeito às notas de campo enquanto método investigativo, podemos dizer que há duas partes essenciais no seu conteúdo – uma parte descritiva e outra reflexiva. (Bogdan e Bilken, 1994) No respeitante às descrições, estas incidem sobre os sujeitos informantes, sobre as suas actividades, sobre o espaço físico envolvente e sobretudo, a propósito do objecto de estudo, revelam alguma tendência para reconstruir, indirecta ou directamente, os diálogos entre os informantes para que o contexto das interacções seja claro e a linguagem coerente. Muitas destas descrições são comentadas pelo investigador que procura um quadro conceptual que suporte as suas ideias. No que diz respeito à parte reflexiva das notas de campo, existe efectivamente reflexões que derivam das observações feitas ou até das próprias descrições redigidas nas notas. As reflexões partem de problemas identificados ou hipóteses formuladas pelo investigador aquando da observação. Mais ou menos aprofundadas, estas reflexões são pontos de partida a uma investigação mais completa e direccionada, por exemplo ao nível da revisão bibliográfica.

De facto, segundo o modelo de “anotações de campo” de Schatzman e Strauss (1973), existem três tipos de notas – as observacionais, as teóricas e as metodológicas. As notas observacionais são descrições feitas a partir da observação visual e auditiva do

74 investigador e contêm o mínimo de inferências possível. As notas teóricas são interpretações do que o investigador observa, desenvolvendo conceitos ou formulando hipóteses dentro de um quadro de referência que já conhece e vai aprofundando. Por fim, as notas metodológicas exprimem uma reflexão relativamente às próprias estratégias tácticas da observação, ou seja, trata-se de uma descrição sobre o próprio processo metodológico.

Resumindo, as notas de campo constituem uma série de anotações diferentes que, no seu conjunto, compõem narrativas sobre terceiros mas escritas na primeira pessoa. Revelaram-se instrumentos essenciais na investigação qualitativa que nos propusemos trabalhar, nomeadamente no prossecução dos objectivos gerais do registo descritivo da observação, a saber:

i) recolher dados para a caracterização das interacções e a sua evolução;

ii) obter elementos para a caracterização da influência dos processos interactivos no desenvolvimento pessoal e profissional dos informantes.

4.2.

As entrevistas semi-estruturadas individuais

Optámos por elaborar entrevistas individuais como modo de complemento dos dados recolhidos pela observação e notas de campo. Não esqueçamos que as entrevistas também são uma forma de observação. No âmbito do nosso estudo, pretendemos que as entrevistas que realizámos nos ajudassem a compreender melhor o grupo social e cada membro em particular que estudamos e, se possível, cruzar informação com a que obtivemos pela observação e notas de campo. Ou nas palavras de Bogdan e Bilken (1994:134), “ a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo.”

Como técnica de um método qualitativo, a entrevista constitui um recurso naturalista de observação activa pois conjugam-se o ver, o escutar e o partilhar (Lessard, 1990:146), aos quais acrescentaríamos o sentir. De facto, o insight do investigador é importante para as interpretações que vai fazendo na sua construção de significado ao longo da entrevista.

75 Segundo Denzin e Lincoln (2006), os investigadores qualitativos têm vindo a aperceber-se cada vez mais de que as entrevistas não são meios de recolha de dados neutros mas antes interacções activas entre duas (ou mais) pessoas conduzindo a resultados, de certa forma, contextualmente negociados.

Esta necessidade de interagir com o informante partilhando informação e emoções com ele, foi sentida igualmente por nós ao longo das entrevistas sempre que, à margem do guião, introduzíamos uma expressão, comentário ou nova questão. Esta necessidade de interacção advém, na nossa opinião, de outra que é a de criar um ambiente empático de colaboração no sentido em que entendemos a entrevista não apenas para obter informações ou dados a tratar de forma académica mas também no sentido em que a entrevista, ela própria, surja como um momento de partilha de conhecimento. Tal como acontecera aquando da observação da participação, apercebemo-nos que, pela entrevista, também nos podemos rever a nós mesmos - “Learning about the other we learn about the self” (Crapanzano, 1980).

As entrevistas semi-estruturadas caracterizam-se pela existência de um guião previamente preparado que serve de orientação ao desenvolvimento da entrevista. Ou seja, o guião funciona como uma lista de verificação sendo que a vantagem é a flexibilidade, por exemplo na ordem das perguntas, e a gradual adaptabilidade do entrevistador ao entrevistado. Embora haja uma definição prévia de objectivos subjacentes à elaboração da entrevista e a definição de um planeamento relativamente à organização e à acessibilidade da linguagem das questões, outra das vantagens de uma entrevista semi-estruturada é garantir uma liberdade na exploração dessas questões no decorrer da entrevista. Por outro lado, utilizamos este tipo de entrevista para garantir que, na medida do possível, todos os informantes (os supervisores por um lado e os formandos por outro) respondessem às mesmas perguntas.

Primeiramente, a nossa intenção era aplicar a entrevista quer aos supervisores pedagógicos quer aos formandos em dois momentos distintos do processo da supervisão pedagógica – no primeiro e último períodos escolares- com o fim de identificar elementos evolutivos do processo da supervisão pedagógica. Por motivos de escassez de tempo, só foi possível aplicar a entrevista uma vez. De qualquer forma, o facto de cada uma das entrevistas - cinco no total - terem sido feitas em momentos diferentes e sobretudo no final do ano lectivo também se mostrou interessante para o propósito do

76 estudo. No cômputo geral, julgamos que as entrevistas atingiram os objectivos a que se propunham. Importava auscultar tanto ambos os supervisores pedagógicos como as três formandas sobre as expectativas da e na formação, sobre o papel e o perfil do supervisor e ainda sobre as relações interpessoais, por um lado, entre supervisores e formandos e, por outro, entre formandos.

Assim, os objectivos gerais da entrevista foram os seguintes:

i) Obter elementos para a caracterização do papel da supervisão no contexto em análise;

ii) Recolher dados para a caracterização dos processos interactivos em análise;

Para Ghiglione e Matalon (2005), um modelo adequado que explique o conjunto da situação da entrevista poderá ser o da comunicação, “adaptado para contemplar os processos de influência”. Por outro lado, se pensarmos que os papéis do entrevistador e do entrevistado são diferentes, apercebemo-nos que as motivações tanto de inquirir como de responder são também distintas.

Resta acrescentar que todas as entrevistas foram gravadas, com a devida autorização, e transcritas imediatamente a seguir à sua aplicação. A transcrição da entrevista permite uma análise e comparação dos documentos em maior profundidade, nomeadamente no que diz respeito à categorização de dados e à sua interpretação.

Na sua generalidade, as entrevistas revelaram-se uma peça fundamental na compreensão global do estudo empírico realizado.