• Nenhum resultado encontrado

II. A construção do sucesso educativo: da família à escola

2. A centralidade da socialização familiar das classes dominantes na construção do sucesso

2.2. Da educação familiar à influência de outros contextos socializadores: permeabilidades e

2.2.3. A participação parental no quotidiano escolar

Um outro contributo apontado como determinante para o sucesso escolar e educativo diz respeito ao estreitamento da relação escola-família – uma relação que, como alerta Rocha (2005), deve ser entendida no sentido plural, dada a heterogeneidade de realidades escolares e familiares que abarca. Normalmente “(…) apresentada como possuindo óbvias – e públicas – virtudes perante raros – e privados – vícios” (Silva e Stoer, 2005, p.13), a articulação escola-família tem vindo a ser incentivada pelas políticas educativas do pós-25 de Abril, numa clara aposta em “trazer os pais para dentro” do sistema (Stoer e Cortesão, 2005, p.76). Apela-se à reconversão do “pai hostil” em “pai responsável” – uma figura parental que, valorizando a escola, mantendo contactos assíduos com ela e colaborando com as suas iniciativas, se materializa em duas formas distintas: a de “pai colaborador”, conceito que emerge em força na década de 80 e se caracteriza por uma participação na dinâmica da escola e da sala de aula e, nos anos 90, a de “pai parceiro”, cuja intervenção se faz ao nível da definição das políticas educativas, nomeadamente através da atuação em associações de pais, como nos dizem aqueles investigadores. Entramos, pois, no domínio do “envolvimento” e da “participação” – duas palavras recorrentes e cuja confusão semântica Silva (2003b) se propõe ultrapassar, definindo a primeira como o apoio direto e individual da família ao seu educando (normalmente em casa mas também na escola, mediante participação em reuniões) e a segunda como uma intervenção coletiva e de pendor representativo (dos pais e, indiretamente, dos alunos), através da integração em associações de pais, órgãos da escola ou outros organismos do sistema educativo.

A questão da relação família-escola centrou a atenção de Kellerhals e Montandon (1991), que se propuseram analisar a implicação dos pais na vida escolar através de três dimensões:

os contactos estabelecidos com a instituição, o grau de acompanhamento do aluno e a vontade de participar na dinâmica escolar. Contrariando a ideia de que a relação escola- família é, em grande parte, um diálogo de surdos tanto menos interativo quanto maior o hiato cultural entre pais e professores (Silva, 2005), Kellerhals e Montandon (1991) apontam no sentido de intensos contactos parentais com os professores não apenas individualmente, mas também em reuniões. A intensidade dos contactos não é, segundo esta investigação, modulada pela identidade social dos pais – ideia também partilhada por Stanley e Wyness (2005) que, a partir dum estudo levado a cabo em duas escolas básicas inglesas, identificam um envolvimento parental tanto por parte da classe média como das famílias operárias, contrariando-se, assim, o estereótipo social de que nos meios privilegiados haveria um maior apoio escolar aos filhos do que nos estratos desfavorecidos. A inserção materna na vida profissional, considerada por Almeida e Vieira (2006) um “traço estruturante” da condição infantil dos nossos dias, também não surge como um entrave à intensidade dos contactos com a escola que parecem, em suma, condicionados mais por fatores de ordem particular (caso do insucesso escolar) do que sócio-cultural.

Segundo o estudo de Kellerhals e Montandon (1991), o acompanhamento dos filhos nas tarefas escolares surge como uma prática parental quase generalizada – só um número restrito de pais afirma não ajudar os filhos no trabalho escolar – e que lhes absorve, em média, duas horas e meia semanais. A vontade expressa por mais de metade dos inquiridos de frequentar aulas para melhor compreender as dificuldades escolares dos filhos é, aliás, reveladora do forte empenho dos pais no acompanhamento da escolarização dos filhos. O facto de a globalidade dos pais acalentar aspirações e expectativas de escolarização elevadas para os seus filhos (Diogo, 1998) poderá explicar que este acompanhamento seja transversal aos modelos de família, à identidade social da criança e, mesmo, ao nível sócio-cultural das famílias. Outras investigações apontam, aliás, no mesmo sentido. Benavente et al. (1994), por exemplo, constataram num estudo sobre o abandono escolar serem exceção os alunos de meios populares que não recebem acompanhamento escolar por parte dos familiares. Segundo estes investigadores, o interesse efetivo em auxiliar os filhos leva os pais a tomar a iniciativa de intervir mesmo quando reconhecem a pouca eficácia da sua ajuda – uma ajuda que, nestes meios sociais, como referem Duru-Bellat e Van Zanten (1999) apoiando-se em vários estudos, se restringe frequentemente à mera vigilância exercida pela mãe sobre a efetiva realização dos deveres ou sobre a sua apresentação e que nos meios culturalmente

privilegiados ganha uma dimensão pedagógica, com as mães instruídas a explicar as matérias, a adquirir e a utilizar materiais didáticos diversificados para desenvolver as competências escolares dos filhos… O estudo empírico levado a cabo por Diogo (1998) também dá conta de que a generalidade dos pais, a crer no que afirmam, não se demite da educação escolar dos filhos. A investigadora conclui, no entanto, que o acompanhamento da vida escolar se faz, preferencialmente, no contexto do lar, através da supervisão dos TPC e de conversas sobre a escola. Parecendo que “(…) não vivem a escola como um espaço seu, tal como é das crianças e dos professores, embora ao nível das representações, sejam favoráveis à intervenção no estabelecimento escolar” (p.178), os pais inquiridos cingem as suas relações com a escola a contactos informais com o professor ou a uma participação passiva, quer em eventos festivos, quer em reuniões para que foram convocados. O investimento parental em formas coletivas de participação no projeto escolar já não recolhe, porém, o mesmo grau de adesão junto das famílias, cuja disponibilidade para integrar Associações de Pais (AP), para intervir na gestão de programas escolares e para participar na cogestão da instituição é significativamente menor (Kellerhals e Montandon, 1991). Também Silva e Stoer (2005) chegam a idêntica conclusão. Analisando as dimensões de atuação individual e coletiva dos pais na escola, estes autores concluem que eles revelam maior envolvimento na defesa particular dos seus educandos – em casa ou na escola – do que na defesa de interesses gerais através, por exemplo, da participação em órgãos associativos ou da aceitação de funções representativas dos Encarregados de Educação. No entanto, enquanto os sociólogos suíços concluem que a atuação coletiva dos pais não é modulada pela pertença social das famílias, os investigadores portugueses indiciam o peso dos condicionalismos sócio-culturais quando, a propósito da escassa representatividade de pais de meios populares e/ou minorias étnicas nas AP do Ensino Básico e Secundário, alegam que “Este conjunto de pais tem geralmente uma escolaridade reduzida e penosa. É-lhes francamente difícil liderarem ou representarem os outros pais num meio que se lhes revela como desconhecido e assustador” (Silva e Stoer, 2005, p.17).

Implicando “(…) contactos entre culturas, imagens e vivências diversas” (Benavente e Correia, 1981, p.101), o diálogo entre famílias e escolas é ainda atravessado por uma panóplia de constrangimentos e de incompreensões que agravam, ainda mais, o fosso entre classes no processo de construção do sucesso educativo dos descendentes.

Outline

Documentos relacionados