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II. A construção do sucesso educativo: da família à escola

4. A centralidade do estabelecimento de ensino na promoção do sucesso educativo

4.3. Boas escolas: novas sínteses e novas perspetivas teóricas

O Movimento das Escolas Eficazes e o da Melhoria da Escola permaneceram, durante

muito tempo, de costas voltadas: o primeiro focalizado no “incremento dos resultados (cognitivos)” dos discentes e o segundo no “desenvolvimento profissional e organizativo” dos docentes (Bolívar, 2003, p.38). Como lembram Reynolds e Stoll (1996), ambos os paradigmas são responsáveis por esta incomunicabilidade. Por um lado, o Movimento das Escolas Eficazes não criou as condições necessárias para o intercâmbio com o Movimento Melhoria da Escola, uma vez que não promoveu estudos de caso sobre escolas eficazes ou ineficazes, secundarizou o peso dos processos organizativos e de outras instituições exteriores à escola na promoção do sucesso, não apurou relações de causalidade entre determinados fatores organizacionais e a eficácia e não teve em conta nem os contextos de inserção da escola, nem as suas dinâmicas internas (como os conflitos interpessoais), acreditando que a mera exportação de práticas educativas e organizativas pode garantir o sucesso. Por outro lado, o Movimento Melhoria da Escola contribuiu também para perpetuar o distanciamento, na medida em que não teve a preocupação de medir o impacto dos seus projetos de melhoria escolar nos resultados dos alunos, não teve em consideração que os processos de melhoria escolar não afetam os alunos de forma similar e, finalmente, porque assente numa lógica técnico-racional ou empírico-racional, não refletiu sobre a

“irracionalidade” de algumas escolas que “(…) podem ter um compromisso emocional com certas formas de trabalhar que não são produtivas” (Reynols e Stoll, 1996, p.117).

Perante o reconhecimento das insuficiências quer do Movimento das Escolas Eficazes, quer do Movimento Melhoria da Escola12, autores como West e Hopkins (1996) concluíram pela pertinência da fusão das duas tradições. No sentido de contrariar este “divórcio”, procuraram conciliar as virtualidades dos dois movimentos e minimizar os seus pontos fracos, de modo a “(…) sabendo quais são as metas últimas da escola (como evidenciou a segunda geração do movimento das escolas eficazes), gerar os processos e condições internas das escolas que as facilitem (como aprendemos das experiências de melhoria da escola)” (Bolívar, 2003, p.39). West e Hopkins (1996) construíram, então, um modelo analítico que inclui quatro dimensões ancoradas nos contributos de ambos os movimentos: as experiências educativas dos alunos, os níveis de consecução dos discentes, o desenvolvimento profissional e organizativo e a implicação da comunidade.

Relativamente à primeira dimensão, entendem os autores – numa perspetiva lata de educação – que a escola atual não é um mero locus de transmissão de conhecimentos, mas também um quadro de experiências educativas, defendendo, portanto, a necessidade de ter em conta o impacto da escola não apenas ao nível da aquisição cognitiva dos alunos mas do desenvolvimento de competências pessoais e sociais, como a motivação, satisfação, autoestima, participação na vida comunitária, social, cultural e desportiva. Não renegando a importância dos níveis de conhecimentos dos alunos – próxima da tradição das Escolas Eficazes –, os autores entendem, no âmbito da segunda dimensão, que tão importantes quanto os níveis de realização académica dos alunos são os métodos usados para atingir esses resultados e a capacidade de, a partir deles, diagnosticar os interesses e necessidade dos alunos e de lhes providenciar os apoios escolares para alcançar as metas educativas. Uma boa escola é, neste sentido, aquela que “(…) oferece um amplo leque de oportunidades para o estudo e acreditação, apropriadas às diferentes necessidades e interesses dos estudantes”

12 West e Hopkins (1996) referem que o Movimento Melhoria da Escola viveu na ilusão de transformação

global da escola quando, na realidade, as suas intervenções apenas tiveram impacto em algumas dimensões organizacionais. Estes autores salientam ainda que este Movimento, dado o seu excessivo enfoque nas relações/trabalhos professorais, não atendeu aos pontos de vistas de outros agentes educativos e descurou o que devia ser o epicentro das suas ações: o currículo escolar e os alunos Finalmente, os autores afirmam que este “modelo de processo” redundou numa ação de tipo técnico-racional – desligada das especificidades contextuais de cada escola e das preocupações e necessidades dos agentes educativos – que sucumbiu à tentação de exportação de “receitas de sucesso” de um contexto educativo para outro, tal como sucedera com o Movimento

(West e Hopkins, 1996, p.18) e aquela que também não ignora as exigências dos níveis superiores de ensino e as oportunidades de emprego de cada sociedade. O desenvolvimento profissional e organizativo – “importado” do Movimento Melhoria da Escola e centrado sobre a formação profissional dos professores e sobre os processos de melhoria institucional da escola – é também considerado central, uma vez que a existência de um quadro de professores profissionalmente competentes, realizados e motivados e a aposta no crescimento da escola como organização (Bolívar, 1997) assegura uma maior qualidade da educação prestada aos alunos. Igualmente importante para a promoção do sucesso é, na perspetiva de West e Hopkins (1996), a inserção comunitária da escola e o envolvimento na vida escolar dos agentes sociais – pais, autarquias, serviços educativos. O estabelecimento de parcerias com autoridades locais, departamentos governamentais, entidades empregadoras e grupos comunitários e a promoção de diálogo com os pais deverão, pois, ser incentivados, numa lógica de construção de escola em parceria, perspetivada como via para a superação de desafios cuja complexidade requer mais do que a ação isolada dos professores (Zay, 1996).

Esta síntese entre as duas tradições veio, assim, a revelar-se analiticamente fecunda ao permitir uma reflexão simultânea sobre os processos de melhoria das escolas e sobre os resultados dos alunos (eficácia escolar). Como argumentam Reynolds e Stoll (1996), se o paradigma da eficácia escolar pode facultar ao Movimento Melhoria da Escola informação útil para a identificação das características escolares e pedagógicas a alterar rumo ao aperfeiçoamento do processo e à obtenção de resultados mais satisfatórios, este último movimento “(…) e as suas mudanças nos fatores da escola e da aula podem proporcionar um campo de provas para as teorias da eficácia escolar relacionadas com processos e resultados, demonstrando desta forma se existem vínculos causais” (p.111).

Por outro lado, esta “aproximação” dos dois movimentos evitou o “sucumbir” acrítico das escolas ao que West e Hopkins (1996) consideravam ser a “atual moda” da prática gestionária que ganhara força na sequência dos estudos sobre eficácia escolar. Ao entreabrir as portas à elaboração dos rankings de resultados académicos, os estudos sobre eficácia escolar contribuiram para o que Melo (2007) considera ser a potencialização das lógicas do mercado escolar. A mercadorização da escola – com o eventual risco, em nome da eficácia, de segregação dos alunos (Vieira, 2006) atraídos pelas escolas-magnet (Wyness e Stanley, 2005, p.93) – é também referenciada por West e Hopkins (1996) como uma consequência preocupante desta publicação de “outputs” que, para além do mais, difunde uma conceção

redutora de sucesso e propicia o eclodir de tensões e de conflitualidade entre os professores, envolvidos numa “competição feroz em ambiente de mercado” (Hargreaves e Fink, 2007, p.21) e sujeitos à pressão inerente ao receio de um “falhanço” passível de avaliação pública.

Contra esta conceção mercantil de educação ergueram-se algumas vozes da comunidade pedagógica, reticentes à ideia quer de aplicar ao campo educativo categorias de análise e estratégias de organização e intervenção importadas do mundo económico e empresarial (Sierra, 1996), quer de esvaziar as dimensões político-ideológicas do ensino (Nóvoa, 1995). Impunha-se, pois, prudência na transposição de tais lógicas organizacionais para um campo que, como o educativo, tinha as suas especificidades e a sua complexidade humana e técnico- científica. Sem negarem a importância de uma gestão escolar, West e Hopkins (1996) alertam para a necessidade de ela ter em linha de conta o caráter específico das organizações escolares, a particularidade dos seus objetivos e também a importância da dimensão relacional. Até porque, como afirmam, o próprio processo de aprendizagem “(…) tem tudo a ver com a gestão das relações humanas, e nada com «sistemas» e «procedimentos» que amortecem a criatividade em nome da eficiência” (p.23). A aplicação à organização escolar do “modelo de racionalidade” e a avaliação do estabelecimento de ensino em função de conceitos de âmbito empresarial como os de “eficácia”, “rendimento” e “rentabilidade” também merecem críticas a Sierra (1996) que postula, como alternativa à interpretação organizacional da escola, uma análise sócio-crítica do fenómeno escolar.

Pretendendo igualmente “(…) aprender com a experiência das reformas e dados adquiridos na investigação” (p.104) – e embora acreditando que “ninguém detém a solução” para tornar uma escola bem sucedida –, Perrenoud (2003) avança com uma nova proposta de conceptualização para, sob a égide do princípio da educação para todos, tornar o sistema educativo mais eficaz. A adoção de políticas de educação duradouras, sistémicas e negociadas é a primeira condição para promover o sucesso. O autor defende, deste modo, a adoção de políticas educativas estáveis, que apostem, de uma forma integrada, “(…) na transformação dos programas, em novas formas de avaliação dos alunos, em novas tecnologias, no reforço das relações com as famílias, nos projetos de escolas, na pedagogia diferenciada, em parcerias locais, na extensão da formação contínua ou na consciencialização das dimensões interculturais” (p.106) e que sejam precedidas por um debate participado pelos diferentes agentes educativos. Estas reformas deverão ainda, na opinião de Fullan e

Hargreaves (2000) considerar o professor como um profissional total, atendendo aos seus propósitos, à sua dimensão pessoal, ao seu contexto de trabalho e à cultura da escola.

O debate sobre a qualidade educativa é também atravessado pela questão da autonomia dos estabelecimentos de ensino – medida preconizada pelos defensores do “school based management”, cujos fundamentos radicam na vontade do poder central em generalizar os resultados das investigações sobre os “efeitos da escola” e sobre as “escolas eficazes” (Barroso, 1996) e no pressuposto de uma relação positiva entre descentralização e eficácia. Ora, para Perrenoud (2003), a autonomização não constitui, per si, um fator indutor de sucesso educativo. A este propósito, Hutmacher (1995) salienta que a eficiência escolar depende não tanto do grau de autonomia da escola, mas sim do modo como é usada essa autonomia – variável em função da organização interna escolar, dos seus processos pedagógicos e ainda do lugar que ocupa no quadro do sistema educativo. Efetivamente, a maior parte dos países ocidentais assegura às escolas um nível de autonomia que lhes confere, entre outras competências, a possibilidade de decidir sobre o uso de recursos, de optar por determinados currículos, de realizar um Projeto Educativo adaptado às especificidades do contexto envolvente, da organização e dos discentes (origem familiar, social e étnica) e de estabelecer relações com representantes dos Encarregados de Educação e das coletividades locais. Contudo, a autonomia só é sinónimo de eficácia quando é encarada não como um fim, mas como um meio de gestão mais flexível e quando é providenciado o necessário apoio técnico às instituições incapazes de lidar com a diminuição do peso burocrático. Por sua vez, Barroso (1996) vem lembrar que a “autonomia decretada” (p.170) – no sentido de “ordeno-te que sejas autónomo!” (Canário, 1996, p.145) – implícita no modelo do “school based management” parece não ter surtido os efeitos esperados, alertando para a importância do desenvolvimento de uma “autonomia construída”. Não influenciado, como o primeiro, nem pelos estudos das escolas eficazes, nem pelas lógicas político-gestionárias e não determinado em exportar para outros estabelecimentos de ensino modalidades de gestão das escolas mais eficazes, o modelo de “autonomia construída” é edificado no quadro da interação dos diferentes agentes educativos e constitui “(…) o resultado do equilíbrio de forças, numa determinada escola, entre diferentes detentores de influência (externa e interna), dos quais se destacam: o governo e os seus representantes, os professores, os alunos, os pais e outros membros da sociedade local” (Barroso, 1996, p.186). Este modelo pressupõe, pois, a existência de uma pluralidade de autonomias individuais que só darão origem a um “processo

coletivo de mudança” (p.187) se for promovida, na escola, uma “cultura de colaboração e de participação” por parte de todos os intervenientes na ação educativa, se forem diversificadas as formas de liderança (individual e coletiva) e se for dinamizada, junto dos elementos da organização, uma “aprendizagem organizacional” possibilitadora de maior partilha de conhecimento das regras e valores da organização.

Maximizar as potencialidades da autonomização significaria, pois, para Perrenoud (2003), que as escolas adotassem curricula flexíveis que se adaptassem às especificidades dos contextos locais e às realidades – plurais e diversas – dos alunos e das suas famílias. As escolas deveriam fixar objetivos considerados razoáveis, isto é, aqueles que conseguem ser concretizados pela generalidade dos alunos sem recurso nem a reprovações nem a apoio pedagógico extraescolar. No sentido de possibilitar essa flexibilização e essa razoabilidade dos curricula, as autoridades educativas apenas deveriam elencar “objetivos de formação de alto nível” (p.115) a serem concretizados por cada estabelecimento de ensino, não especificando os conteúdos programáticos a lecionar. Seria, portanto, necessário que as escolas encontrassem um “outro equilíbrio entre as duas lógicas principais do sistema educativo” (p.113): a preparação da elite para o prolongamento dos estudos – função que, do seu ponto de vista, continua a prevalecer – e a veiculação aos restantes, independentemente do seu projeto escolar, de uma cultura geral, considerada por algumas vozes críticas como uma espécie de “SMIG13cultural” (Dubet e Duru-Bellat, 2000, p.173). Norteada pelo “princípio da educabilidade de todos” (Perrenoud, 2003), a escola promoveria, através do estabelecimento de objetivos exequíveis para todos, a democratização do sucesso e não a sua elitização pela via da exclusão dos menos “capazes”.

Uma escola eficaz pressupõe ainda, para o investigador suíço, o exercício não de uma autoridade burocrática mas de uma liderança profissional que não se restrinja à gestão de questões escolares, como os horários, os equipamentos ou os orçamentos. Um diretor com “liderança pedagógica e transformacional” (p.112) deverá ser capaz de conciliar a realização daquelas tarefas com o envolvimento ativo na elaboração e concretização do projeto escolar e na promoção da melhoria e inovação pedagógica; ou, como afirma Bolívar (2003), a direção escolar deve levar a cabo tarefas administrativas e de liderança educativa. Assim, um líder eficaz deverá, na sua opinião, “dar espaço de manobra” (p.255) à organização escolar,

trabalhando como um catalisador de ideias e de vontades provenientes dos diferentes agentes educativos no sentido, nomeadamente, da resolução dos problemas organizacionais e da melhoria da escola. Balizadas, preferencialmente, pelo vetor moral – convicções e ideais –, as funções da liderança vão desde “(…) facilitar diferentes tarefas, oferecer e difundir uma «visão» da organização e do ensino, a estruturação da escola como local de trabalho, a participação na tomada de decisões e a partilha de diversas responsabilidades, até ter metas claras e prestar apoio à sua consecução” (p.257). Fullan e Hargreaves (2000) destacam o papel do líder enquanto promotor da cultura específica da escola e agente – não autocrático mas cooperativo –, que compreende a cultura da escola, que evita ordenar, que valoriza os docentes, que estabelece os aspetos organizativos mais importantes e que promove a ligação com o meio externo à escola. A eficácia da liderança não é, porém, independente do contexto organizativo (Revez, 2004). Analisando o processo de liderança em articulação com as dimensões organizacionais, Beare et al. (1989) salientam a importância de o líder – não transacional mas sim transformacional, como postula Perrenoud (2003) – definir uma visão para o futuro da escola que seja partilhada pelos restantes membros da organização, garantindo a adesão de todos em torno de um projeto comum e a partilha de significados (nomeadamente, através do recurso a símbolos ou a metáforas). O líder deverá, assim, assumir-se como um “empresário dos valores” (Greenfield em Beare et al., 1989, p.110), capaz de difundir a cultura organizacional. Privilegiando a tomada das decisões de forma colegial e partilhada, o líder terá de ser capaz de conciliar os aspetos técnicos (organização e planeamento), educativos (identificar as necessidades dos alunos e desenhar currículos escolares) e humanos, “(…) construindo e mantendo a moral, encorajando o crescimento e a criatividade e envolvendo as pessoas nos processos de decisão” (Beare et al., 1989, p.114). Nesta capacidade de “implicação” de toda a comunidade educativa reside, segundo Bolívar (2003), uma das chaves para a melhoria das aprendizagens dos alunos – afinal, “(…) a missão última que justifica a experiência escolar (…)” (p.19).

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