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CAPÍTULO 2 ABORDAGENS E TEORIAS DE APRENDIZAGEM DO INÍCIO DO

2.4 Cognitivismo

2.4.3 A pedagogia baseada em princípios cognitivistas

Robert Gagné, já citado neste trabalho, foi um psicólogo norte-americano que começou seus estudos no âmbito do Behaviorismo passando, mais tarde, a integrar o grupo dos autores cognitivistas, marcadamente aquele que endossava os modelos de processamento da informação. Sua já citada obra The Conditions os Learning, publicada originalmente em 1965 é um marco da história do Design em Tecnologia Educacional, tendo sucessivas edições revistas e ampliadas publicadas até o ano de 1996, quando lança The Conditions of Learning: Training Applications em coautoria com Karen Medsker. (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012). Gagné é conhecido por ter sido um dos autores que melhor conseguiu mesclar contribuições behavioristas e cognitivistas em suas obras dedicadas ao Design em Tecnologia Educacional. (ROMISZOVISK; ROMISZOVISK, 2004).

Gagné utilizava-se, também, de seus próprios estudos a respeito do comportamento de professores/instrutores em sala de aula. De fato, ao longo de 50 anos, atuou como psicólogo nas Forças Armadas dos Estados Unidos exercendo a função de treinador e pesquisador. Segundo Harasim (2012) e Driscoll, (2000), Gagné tinha especial interesse em identificar quais conhecimentos e habilidades eram necessários à realização bem-sucedida de uma tarefa específica e como tais pré-requisitos poderiam ser aprendidos de maneira eficiente e eficaz. Nesse sentido, o trabalho de Gagné e Benjamin Bloom (1913 – 1999) guardavam muitas semelhanças. Ambos estavam interessados em determinar quais habilidades e conhecimentos estavam relacionados a determinadas tarefas, criando uma taxonomia de objetivos de aprendizagem.

A taxonomia de objetivos de aprendizagem de Gagné tinha similaridades com a taxonomia de objetivos cognitivos, afetivos e psicomotores de Bloom, no sentido de que ambas focavam em resultados de aprendizagem. Uma taxonomia é uma classificação sistemática de algo. Taxonomias foram desenvolvidas nas ciências como as taxonomias de mamíferos, fósseis, aves, fauna e flora existentes. Criar uma taxonomia de objetivos de aprendizagem era manter-se no ethos científico. O design instrucional requeria uma maneira de identificar e organizar objetivos de aprendizagem, de forma a ser capaz de especificar os comportamentos requeridos para a obtenção desses objetivos. Ambos, Bloom e Gagné, acreditavam que era importante criar um sistema de classificação da aprendizagem em categorias e domínios. (HARASIM, 2012, p. 50, tradução nossa72).

Contudo, o trabalho de Gagné foi além da proposta de Bloom, pois aquele autor não apenas desenvolveu uma taxonomia de objetivos de aprendizagem e propôs formas de avaliá- las, mas também desenvolveu métodos de ensino orientados à aquisição de tais resultados. (ROMISZOVSKI; ROMISZOVSKI, 2004). Ele propôs condições específicas para a aprendizagem de cada habilidade elencada em sua taxonomia e ofereceu também orientações gerais de ensino. Tais orientações gerais ficaram conhecidas como os ―nove eventos de instrução‖ e indicam os procedimentos gerais de ensino no contexto de uma pedagogia apoiada no Cognitivismo:

1 – Ganhando a atenção: é preciso obter a atenção do aluno como primeiro passo para a aprendizagem. Não há como o aluno aprender se não estiver focado e receptivo à

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Texto original: Gagné’s taxonomy of learning outcomes has similarities to Bloom’s taxonomy of cognitive, affective and psychomotor outcomes, in that both focused on learning outcomes. A taxonomy is a systematic classification of something. Taxonomies were being developed in the sciences, such as taxonomies of mammals, fossils, birds, living fauna or flora. Creating a taxonomy of learning outcomes was in keeping with this scientific ethos. Instructional design required a way of identifying and organizing learning outcomes, in order to be able to specify the behaviors required to achieve these outcomes. Both Bloom and Gagné believed that it was important to create a classification system of learning into categories of domains.

informação, logo, cabe ao professor oferecer algum estímulo que atraia a atenção dos estudantes, seja chamando estudantes pelo nome, solicitando a atenção verbalmente ou acendendo e apagando as luzes (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012).

2 – Informando aos estudantes os objetivos de ensino/aprendizagem: neste passo os estudantes são informados sobre o que se espera que sejam capazes de fazer após a lição. Essa informação favorece a criação de expectativas a respeito da aprendizagem e o direcionamento da própria atenção às características da lição que pareçam estar particularmente relacionadas àquele objetivo (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012).

3 – Estimulando conhecimentos prévios: os cognitivistas (e não apenas eles) consideram a importância do conhecimento prévio para a aprendizagem, contudo, nem sempre os estudantes são capazes de, sozinhos, ativarem esses conhecimentos. Isso é particularmente verdadeiro para estudantes mais jovens ou inexperientes. O professor deve ativar o conhecimento prévio recapitulando o que foi estudado anteriormente e que considere particularmente relevante para a aprendizagem nova. Atividades práticas que solicitem os conhecimentos prévios também são úteis (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012).

4 – Oferecendo o estímulo: a depender do tipo de aprendizagem pretendida, devem-se oferecer estímulos que realcem aspectos-chave do conteúdo. Por exemplo: na leitura de um texto, o professor pode destacar ideias-chave com um marcador de texto ou oferecendo um diagrama consorciado ao texto. No desenvolvimento de habilidades cognitivas podem ser salientados aspectos crucialmente importantes de tais habilidades, de modo que os estudantes procurem exercitá-las. Em aprendizagens procedimentais, exemplos dos procedimentos podem ser oferecidos tomando-se o cuidado de destacar sutilezas dos movimentos e a forma mais adequada, eficiente e segura de realizá-los (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012).

5 – Oferecendo orientação à aprendizagem: a orientação à aprendizagem deve procurar facilitar a retenção da aprendizagem na memória de longo prazo de forma significativa. As formas de oferecer orientação à aprendizagem variam segundo o objetivo de ensino/aprendizagem pretendido, o tempo disponível para a situação didática e o nível de expertise já apresentado pelo estudante. Estudantes mais experientes podem necessitar de menos orientação, bastando indicar-lhes a tarefa e as fontes de informação; os principiantes provavelmente precisarão de muito mais orientação (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012).

6 – Solicitando o desempenho: nesta etapa, supõe-se que a aprendizagem foi bem- sucedida, logo, solicita-se que o estudante apresente seu desempenho considerando os objetivos de ensino/aprendizagem. O estudante deve sentir-se livre, sem receio de punições,

para que o professor possa observar até que ponto as aprendizagens ocorreram e identificar o que precisa ser melhorado. A solicitação de performance, portanto, não deve ser considerada como um instrumento de avaliação somativa ou ―que vale nota‖, é um momento de simulação apenas (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012).

7 – Oferecendo feedback: a oferta de feedback é importantíssima para corrigir aprendizagens malsucedidas e/ou aperfeiçoar as aprendizagens que estão sendo bem realizadas (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012).

8 – Avaliando o desempenho: aqui a avaliação é formal, ou seja, o estudante pode ser solicitado a realizar uma prova, um trabalho escrito, entregar um portfólio, montar um projeto ou qualquer outro instrumento que o professor considere ser adequado para a avaliação formal dos objetivos de ensino/aprendizagem. O feedback deve ser oferecido ao estudante para que ele saiba quais aprendizagens são satisfatórias e as que precisam melhorar (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012).

9 – Aperfeiçoando a retenção e a transferência: nessa etapa os passos 5, 6 e 7 podem ser repetidos e/ou podem ser usadas simulações apoiadas em computador para que novos cenários nos quais as aprendizagens podem ser utilizadas sejam oferecidas ao estudante, favorecendo a retenção da aprendizagem e a sua transferência para situações diferentes das que foram inicialmente propostas pelo professor (DRISCOLL, 2000; HARASIM, 2012).

O Ensino Assistido por Computador - EAC desenvolvido nos países avançados em meados século XX com a tecnologia de ensino behaviorista evolui para outro tipo de recurso no âmbito do Cognitivismo: os Intelligent Tutoring Systems – ITS ou Sistemas Tutoriais Inteligentes – STI. Vimos anteriormente que no EAC o estudante é conduzido por diversos caminhos pré-programados ao longo da lição segundo seu desempenho; o aluno pode progredir, pode ser conduzido a uma revisão ou ser direcionado a outra pergunta no mesmo tópico de ensino, sistema inspirado na instrução programa skinneriana. Mais tarde, o EAC evolui para o intelligent computer assisted instruction - ICAI ou ensino assistido por computador inteligente – EACI que tinha um sistema de ramificação de caminhos mais sofisticado e, mais tarde, o enfoque cognitivista inspira o surgimento dos STI.

Nos STI, o aluno é previamente avaliado por um software para que seja diagnosticado o que ele já sabe sobre o tema de estudo. Com base nessa informação, o software determina o que ele ainda precisa aprender, qual o próximo tópico de estudo a ser oferecido e de qual forma o novo conteúdo será apresentado, ou seja, a estratégia de ensino. Com base em todas

essas informações, o sistema gera um problema a ser resolvido pelo estudante; na medida em que as tentativas de solução são oferecidas pelo estudante, o software as compara em tempo real à solução armazenada em seu banco de dados (HARASIM, 2012). Ainda hoje, tais tutoriais inteligentes são objeto de estudo e desenvolvimento.

Em que pese o sucesso do enfoque cognitivista, particularmente no âmbito da produção de recursos didáticos, muitas críticas já foram feitas ao paradigma, especialmente à abordagem do Processamento Cognitivo da Informação. Embora a metáfora da mente como computador tenha sua utilidade, ela é considerada por demais simplista para espelhar o processo cognitivo humano, o que tem levado os estudiosos cognitivistas a tentar fazer a abordagem avançar.

As primeiras formulações do processamento da informação, especialmente aquelas que emergiram nos anos 1960, retratavam a aprendizagem humana como similar à forma como computadores processam informação. Contudo, muito cedo se tornou claro que a analogia do computador era muito simplista – que as pessoas frequentemente pensam sobre e interpretam informação de formas que são difíceis de explicar de maneira rígida, algorítmica, formas uma-coisa-sempre-leva-a-outra-previsível que caracterizam computadores (e.g., Hacker, Dunlosky, & Graesser, 2009a; Marcus, 2008; Minsky, 2006; Rubin, 2006). No momento presente, a perspectiva geral conhecida como teoria do processamento da informação inclui uma variedade de teorias específicas sobre como as pessoas lidam mentalmente com nova informação. Algumas de natureza computacional, mas outras não. (ORMROD, 2012. P. 154, tradução nossa73).

Também o Modelo de Atkinson-Shiffrin foi bastante criticado. As principais críticas consideram que não é bem especificado o processo pelo qual as informações passam da memória de curto prazo para a memória de longo prazo, também não se sabe como é selecionada a informação que pode vir da memória sensorial para a memória de curto prazo. Qual processo decide que uma informação foi suficientemente processada para ser armazenada na memória de longo prazo? Como uma informação na memória de longo prazo é selecionada para ser trazida de volta à memória de curta prazo? Como informações não verbais são alocadas na memória de longo prazo? Muitas aprendizagens tornam-se

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Texto original: Early views of information processing, especially those that emerged in the 1960s, portrayed human learning as being similar to how computers process information. Yet it soon became clear that the computer analogy was overly simplistic—that people often think about and interpret information in ways that are hard to explain in the rigid, algorithmic, one-thingalways-leads-to-a-predictable-other-thing ways that characterize computers (e.g., Hacker, Dunlosky, & Graesser, 2009a; Marcus, 2008; Minsky, 2006; Rubin, 2006). At the present time, the general perspective known as information processing theory includes a variety of specific theories about how people mentally deal with new information. Some are computerlike in nature, but many others are not.

automatizadas com o tempo, de modo que fazemos muitas coisas no dia a dia no ―piloto automático‖, sem que precisemos refletir a respeito, o que possivelmente dispensaria o uso da memória de curto prazo, o equivalente à consciência; o modelo não explica que mecanismo governa esses processos automatizados como o de fazer uma conta simples num piscar de olhos e/ou ler uma palavra que vemos de relance em um outdoor. Por fim, o modelo não parece diferenciar uma memorização de informações sem sentido de um processo de aprendizagem significativa. Quais processos mentais estariam implicados em cada situação? (SCHUNK, 2012).

O Modelo dos Níveis de Processamento tem sido questionado também. Ele propõe que quanto mais profundo o nível de processamento de uma informação, melhor a qualidade da memória gerada, ou seja, ela seria relembrada com mais facilidade. Contudo, estudos mostram que o segredo está mais no gatilho usado para recuperação da memória e menos na profundidade do nível de processamento, ou seja, quanto maior a semelhança entre o gatilho e a situação na qual a aprendizagem aconteceu, maiores as chances da memória ser recuperada, independente do tipo de processamento utilizado na aprendizagem. Também se questiona o significado de ―profundidade‖ no modelo; uma informação processada no nível físico ou acústico não necessariamente foi processada de forma menos profunda do que poderia acontecer no nível semântico. A natureza da informação processada e do contexto em que o processamento ocorre podem, de fato, exigir muito mais ―profundidade‖ de processamento no nível físico ou acústico do que no semântico. (SCHUNK, 2012).

Os tutoriais inteligentes também sofrem críticas. Uma das principais dúvidas colocadas pela literatura é se a abordagem empregada nos tutoriais (tentar identificar o perfil do aluno e oferecer os conteúdos e a proposta de ensino) é de fato uma boa abordagem. Diagnosticar o perfil do aluno é uma tarefa que talvez não seja realizada a contento por um software, ademais, deixar a máquina determinar ―o quê‖ e ―como‖ ensinar tolhe em alguma medida escolhas que poderiam ser feitas pelo aluno, particularmente o aluno experiente. O substantivo ―inteligente‖ é também um ponto de atrito para os críticos, uma vez que inteligência pressuporia consciência, algo que os tutoriais não têm. Autores questionam as possibilidades de aplicação dos tutoriais em contextos nos quais as respostas para um problema são tão variadas ou pouco estruturadas que não podem ser armazenadas em um banco de dados. (HARASIM, 2012).

O quadro abaixo elenca os princípios cognitivistas relacionados ao desenvolvimento de materiais didáticos, ambientes de aprendizagem e atividades. Na medida em que o

Cognitivismo não rompe com o paradigma behaviorista, mas o amplia para incluir o estudo do processamento da informação que ocorre entre o input e o output, há grande afinidade entre os princípios didático-pedagógicos que podem ser extraídos de ambas as teorias.

Tecnologia Educacional Princípios orientadores

Design de materiais didáticos - Objetivos de ensino/aprendizagem devem ser claros para que o estudante saiba o que se espera dele ao final da lição e crie expectativas a respeito de seu próprio desempenho.

- É importante que o material tire proveito pedagógico dos conhecimentos prévios do estudante, particularmente se ele for muito jovem e/ou inexperiente.

- É importante salientar informações-chave ao longo do material e exemplificar procedimentos em detalhes caso os objetivos de ensino/aprendizagem também incluam aprendizagens procedimentais.

Design de ambientes de estudo - O ambiente deve orientar a aprendizagem. Estudantes menos experientes necessitam de mais orientações, os mais experientes podem precisar saber apenas qual a tarefa e as fontes de informação, logo, o ambiente deve ser capaz de diagnosticar o nível de expertise do estudante de modo a oferecer a quantidade de orientação necessária. Na ausência de um ambiente artificialmente inteligente, cabe ao professor realizar essa dosagem.

Design de atividades de aprendizagem - O estudante deve poder "treinar", demonstrando sua aprendizagem em atividades que não serão requisito para a nota. O treino servirá para diagnosticar quais aprendizagens estão sendo bem-sucedidas e quais estão malogrando. O

feedback do professor ou do ambiente deverá

corrigir e/ou aperfeiçoar o percurso da aprendizagem. Não raro, tais atividades de treino são chamadas atividades de fixação da aprendizagem.

- Avaliações formais também devem oferecer

feedback.

- Atividades em contextos variados devem ser oferecidas de modo a tentar garantir a retenção da aprendizagem e sua transferência para diversos contextos.

que o estudante saiba o que se espera durante sua performance.

Quadro 3 – princípios orientadores do desenvolvimento da tecnologia educacional cognitivista Fonte: Própria autora