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CAPÍTULO 2 ABORDAGENS E TEORIAS DE APRENDIZAGEM DO INÍCIO DO

2.4 Cognitivismo

2.4.2 Teoria dos Esquemas

A Teoria dos Esquemas no âmbito do Cognitivismo analisa como usamos sistemas simbólicos para aprender e para desenvolver habilidades. Logo, o modelo foca em representações mentais e defende que o conhecimento novo é estruturado, representacional e está relacionado aos conhecimentos prévios. Esquemas, nesse contexto, são ―pacotes‖ de informações ou construtos mentais constituídos por um conjunto de atributos que descrevem um objeto, um acontecimento ou uma ideia. Um esquema tem relação com outros esquemas e essa rede de relações lhes dá significado. (HARASIM, 2012).

Podemos dizer que os esquemas cognitivos são nosso conhecimento sobre o mundo, tais esquemas constituem uma verdadeira rede de saberes localizada em nossa memória de longo prazo:

São denominados esquemas os agrupamentos estruturados de conhecimentos, localizados na memória de longa duração. Todos os conhecimentos adquiridos e organizados, sejam eles conceitos, regras, princípios, generalizações, habilidades e outros conteúdos formam, na memória de longa duração, grandes redes, onde cada nó representa um esquema, equivalente a um protótipo, sendo que as linhas de ligação representam as associações entre os nós. Tais associações podem significar algum tipo de relação entre os muitos possíveis, como de subordinação, de coordenação, de localização, propriedade etc. (BZUNECK, 1991, p. 142).

As redes de esquemas são dinâmicas, ou seja, passiveis de modificação ao longo do tempo. Toda nova aprendizagem altera os esquemas aperfeiçoando-os, expandindo-os ou reconstruindo-os; a evolução dos esquemas é constante: determinados nós (unidades de informação) podem ser substituídos, novos esquemas podem ser acrescidos e/ou novas ligações entre os nós já existentes emergem a partir do ganho de experiência em determinada área de conhecimento ou na execução de certas habilidades. (BZUNECK, 1991; HARASIM, 2012).

Desde já é importante não confundirmos o conceito de esquemas no âmbito do Cognitivismo com o conceito de esquemas no âmbito do Construtivismo. De fato, não há equivalência entre os conceitos. Embora as duas abordagens a respeito dos esquemas não sejam incompatíveis, o Cognitivismo tem uma compreensão bem mais modesta a respeitos dos esquemas.

Para se evitar equívocos terminológicos, tenha-se presente que, embora não se possa falar em incompatibilidade, também não existe equivalência entre o conceito de esquema aqui descrito e aquele que foi adotado por Piaget, para

quem os esquemas indicam atividades operacionais e representam ações que podem exercer-se sobre os objetos do ambiente, e são generalizáveis. (BZUNECK, 1991, p. 142).

Ghosh e Gilboa (2014, p. 107, tradução nossa69) também alertam para a necessidade de entendermos o que se entende por esquemas no contexto de cada estudo que utiliza o termo para evitarmos a confusão terminológica.

A investigação sobre o mecanismo pelo qual o conhecimento prévio influencia a formação de memória é prejudicada pela igualação de diferentes construtos cognitivos sob o mesmo termo. Particularmente, a ausência de definições claras obscurece a identificação de características críticas que tornam os esquemas condutores de codificação e recuperação de memória.

Os autores prosseguem:

Uma década após [os estudos de Head e Holmes], Piaget (1926) integrou esquemas no campo da psicologia do desenvolvimento, notando que crianças apoiavam-se mais fortemente em esquemas do que os adultos. Ele adotou o termo para referir-se a uma estrutura cognitiva geral que liga múltiplas representações de um fenômeno. Ao contrário da modesta aplicação de esquemas a representações somatossensoriais de Head e Holmes, Piaget generalizou a noção a múltiplos domínios cognitivos (GHOSH, GILBOA, 2014, p. 109, tradução nossa70).

No âmbito do Cognitivismo, a concepção de esquemas é mais modesta porque, entre outras razões, aqui não se fala em construção de conhecimento. A Epistemologia subjacente ao Cognitivismo é objetivista, não interpretativista. Vimos que o Cognitivismo não abandona por completo a abordagem behaviorista, ele a expande para incluir o estudo dos processos mentais. Mas, tal como no Behaviorismo, a Epistemologia subjacente ao Cognitivismo é o Objetivismo.

A epistemologia objetivista subjaz a abordagem didática do ensino, baseada na crença de que o estudante aprende passivamente pela recepção e assimilação de conhecimento a partir dos outros. O estudante é solicitado a gerar a resposta correta, devolvendo a informação transmitida inicialmente pelo professor. O professor deve assegurar que a informação que foi transmitida é estruturada, correta e organizada de maneiras particulares para habilitar o estudante a adquiri-la e reproduzi-la ―corretamente‖. A epistemologia

69 Texto original: Investigation of the mechanisms by which prior knowledge influences memory formation is

hindered by equating diverse cognitive constructs all under the same term. Specifically, the lack of clear definitions obscures the identification of the critical features that make schemas conducive to memory encoding and retrieval.

70

Texto original: Over a decade later, Piaget (1926) integrated schemas into the field of developmental psychology, noting that children rely more heavily upon schemas than do adults. He adopted the term to refer to a general cognitive structure that links multiple representations of a phenomenon. Unlike Head and Holmes’ narrow application of schemas to somatosensory representations, Piaget generalized the notion to multiple cognitive domains.

objetivista subjaz duas das principais teorias de aprendizagem do século XX, o behaviorismo e o cognitivismo. (HARASIM, 2012, p. 08, tradução nossa71). De fato, na abordagem cognitivista os esquemas cognitivos evoluem a partir da absorção de novos conhecimentos e experiências, não se fala em ―construção‖ de conhecimento, fala-se em aperfeiçoamento, modificação e mesmo reestruturação, mas não em ―construção‖, ―acomodação‖, ―equilibração‖ e outros termos próprios do Construtivismo. O Cognitivismo compreende que o conhecimento já existe pronto no mundo e precisa apenas ser absorvido; a realidade independe da mente e das crenças humanas. Conhecimento não se constrói, se absorve. Isso não significa que o conhecimento uma vez absorvido não possa ser modificado, mas o processo de modificação dos esquemas não se dá por ―construção‖ de novos esquemas, mas pela ―absorção‖ de novos esquemas, ―substituição‖ de esquemas imprecisos por outros mais próximos da realidade ou pelo ―aperfeiçoamento‖ de um esquema falho. Essa questão será melhor discutido mais à frente, por hora devemos entender que a lógica é sempre de aproximação dos esquemas à realidade objetiva. De toda forma, há um ponto em comum entre Cognitivismo e Construtivismo a respeito das funções dos esquemas: eles servem como um roteiro que nos permite interpretar o mundo à luz do que já conhecemos.

Por exemplo, considere-se uma cena como esta: no controle de embarque de um aeroporto, um passageiro apresenta sua pasta executiva. O aparelho de raio-x detecta objetos metálicos. Seu embarque é retardado. Este simples episódio só poderá ser prontamente interpretado por um observador que tenha em sua mente determinados elementos, adquiridos em experiências anteriores, que lhe servirão de guia para a compreensão do que se trata. Fenômeno similar ocorre com um aluno que tenha absorvido adequadamente os conceitos de variáveis dependente e independente, de manipulação e controle de variáveis; ao ler um relato de pesquisa experimental, interpretará as hipóteses e resultados em função dessas categorias, mesmo que elas não figurem explicitamente no texto em questão. Em outras palavras, o aluno enquadrará os diversos dados de acordo com seu esquema específico, que são seus conhecimentos integrados de variáveis dependente e independente etc. (BZUNECK, 1991, p. 142 e 143).

O uso da Teoria dos Esquemas em estudos sobre materiais verbais complexos foi bastante impactante. Os esquemas linguísticos presentes no repertório de esquemas do leitor

71 Texto original: The objectivist epistemology underlies the didactic approach to teaching, based on the belief

that students learn passively by receiving and assimilating knowledge from others. The student is required to generate the correct answer, reflecting back the information first transmitted by the teacher. The teacher must ensure that the information to be transmitted is structured, authoritative and organized in particular ways to enable the student to acquire and repeat it “correctly.” Objectivist epistemology underlies two of the major learning theories of the 20th century, behaviorism and cognitivism.

são responsáveis pelas atribuições de significados ao texto, ou seja, as regras gramaticais, ortográficas, conhecimentos semânticos e os conhecimentos específicos a respeito do tema tratado farão emergir o sentido geral do texto e enfatizarão certos aspectos do discurso em detrimento de outros. Quanto mais sofisticados os esquemas, mais fácil torna-se a interpretação do texto, a identificação do que é relevante e quais as ideias centrais. Tais achados salientam a importância dos conhecimentos prévios para a realização bem-sucedida da aprendizagem nova (BZUNECK, 1991). Outra função dos esquemas que está intimamente relacionada ao que acabamos de citar tem a ver com a forma segundo a qual toda nova aprendizagem será armazenada na mente do indivíduo e, quando necessário, recuperada.

Uma segunda e importante função dos esquemas, apontada pelos pesquisadores cognitivistas, liga-se aos processos de armazenagem e recuperação da informação. Aqui também os esquemas atuam como roteiros: o novo material de aprendizagem será guiado, nas fases de codificação e de recuperação, pelos conjuntos estruturados de conhecimentos prévios de que alguém disponha, incluindo aí as estratégias cognitivas ou metacognição. A suposição básica, amplamente corroborada por pesquisas, é de que tudo o que as pessoas conseguirão compreender ou sobre o que raciocinar ocorre em função de seus conhecimentos prévios organizados. (BZUNECK, 1991, p. 142 e 143).

Desse entendimento resulta que toda informação nova é interpretada à luz de informação anteriormente aprendida. Quando necessário, o sujeito ―deforma‖ a informação nova para que ela possa ser ancorada nos esquemas pré-existentes. Contudo, como lembra Bzuneck, os estudos a respeito da aprendizagem têm apontado, há bastante tempo, que as novas aprendizagens também alteram os esquemas pré-existentes, e embora autores cognitivistas como Robert Gagné e Walter Dick tivessem consciência da importância de o sujeito ser capaz de avaliar e modificar seus próprios esquemas, essa é uma questão que a teoria tradicional da transferência não resolveu. Na verdade, percebia-se que a prática favorecia a aquisição da maestria em uma área de conhecimento ou na execução de determinada atividade, de maneira que os esquemas se ajustavam e refinavam sob a instrução direta e a persistência.

Grosso modo, três são as formas pelas quais os esquemas evoluem na ótica cognitivsta: a) Acréscimo; b) Afinação, e; c) Reestruturação. Na evolução por acréscimo nova informação é adicionada a um esquema pré-existente sem que alterações drásticas aconteçam. É o caso de alguém que compreende um texto ou um fato; por exemplo, alguém que passa a compreender o fenômeno da gravidade. Preexistia um esquema para o fenômeno, pois a gravidade está presente em todos os lugares, não é um fenômeno novo para ninguém. Ao

compreender a dinâmica do fenômeno com o qual já se tem alguma intimidade, mas não havia ainda uma explicação para ele, nova informação é acrescentada sem drásticas alterações; há apenas acréscimo. Na evolução por afinação os esquemas alteram-se minimamente, o suficiente apenas para se tornarem mais consistentes com a experiência, mais generalizáveis. Exemplo: alguém lê uma nova receita de bolo e consegue compreendê-la por completo utilizando os esquemas existentes, todos os ingredientes e procedimentos já faziam parte do repertório de esquemas do sujeito, a nova informação é a maneira de organizá-los de forma a produzir o bolo. Já na evolução por reestruturação os esquemas sofrem alterações profundas, pois surge um novo esquema que substitui ou incorpora esquemas pré-existentes. Geralmente ocorre quando um esquema é utilizado para dar conta de uma nova situação, mas ele não é suficientemente adequado para ser bem-sucedido na tarefa. Através de repetidas tentativas de afinação, o esquema é reconfigurado de maneira que um novo esquema forma-se a partir do anterior. Ao final do processo, a informação útil do esquema anterior é mantida, a informação inútil é substituída. Podemos exemplificar recorrendo à situação de alguém que conhece o processo de fabricação de picolés caseiros, mas desconhece o processo de fabricação de sorvetes industrializados. O esquema dos picolés caseiros não será suficiente, nem totalmente inútil para a compreensão do processo de fabricação de sorvetes industrializados. O novo esquema terá pontos em comum com o anterior e pontos completamente divergentes. (DRISCOLL, 2000).