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Décadas Pré-Design Instrucional: de 1900 à década de 1940

CAPÍTULO 1 DISCUTINDO CONCEITOS PERTINENTES À PESQUISA

1.3 Uma história do Design em Tecnologia Educacional

1.3.3 Décadas Pré-Design Instrucional: de 1900 à década de 1940

Como já dissemos, é possível traçar as origens das práticas de Design em Tecnologia Educacional a tempos remotos. Contudo, nosso interesse está mais circunscrito aos contextos dos séculos XX e XXI e às tecnologias não convencionais, o que já nos parece uma tarefa por demais ambiciosa. Logo, discussões sobre tecnologias de ensino convencionais como o livro didático e a lousa comum, recursos amplamente consagrados pelos séculos de prática de ensino e, de longe, os mais presentes nas práticas educativas de nosso tempo, não estão incluídos em nosso resgate histórico.

Apesar da citada predominância de tais tecnologias nos ambientes educativos até os dias atuais, recursos alternativos já estavam em muitas salas de aula no início do século XX (ponto de partida de nosso mapeamento) pelo menos em algumas escolas nos Estados Unidos. Reiser (2001a) resgata, naquele país, a lembrança a respeito do movimento pela Educação Visual (Visual Education). Esse movimento resulta do crescente interesse no uso de recursos visuais em processos de ensino/aprendizagem, muitos deles utilizados nas chamadas escolas museus, já na primeiríssima década do século XX.

[…] no início do século 20, a maior parte da mídia hospedada nas escolas museus eram mídias visuais como filmes, slides e fotografias. Assim, naquela época o crescente interesse no uso de mídia na escola foi conhecido como o movimento da ―instrução visual‖ ou ―educação visual‖. O último termo foi usado já em 1908, quando a Keystone View Company publicou Visual

Education, um guia para o professor sobre lanternas de slides e estereogramas.

(REISER, 2001a, p. 55, tradução nossa20).

―Lanterna de slides‖ era o nome dado a certos projetores de slides e os estereogramas consistiam na superposição de duas imagens bidimensionais resultando em uma imagem tridimensional, semelhante à técnica usada hoje nos cinemas tridimensionais, sem o benefício dos modernos recursos digitais. Tais mídias já eram usadas em algumas escolas nos finais dos anos 1800, mas na primeira década do século XX sua utilização ganha fôlego ao lado dos projetores de imagens em movimento, de maneira que já em 1910 é lançado, nos Estados Unidos, o primeiro catálogo de filmes com fins educativos. Segundo Reiser (2001a), ainda naquele ano o sistema escolar de Rochester insere o uso de filmes no ensino regular e, três anos mais tarde, Thomas Edison prevê o desaparecimento dos livros didáticos. Para o cientista, não havia conhecimento que não pudesse ser ensinado através de filmes, de maneira que os livros tornar-se-iam obsoletos e, dez anos mais tarde (por volta de 1923) as escolas estariam, previa Edison, completamente modificadas. Quase um século depois, a profecia de Edison permanece não concretizada.

Contudo, isso não representou um arrefecimento no interesse pelo uso de mídias visuais, ao contrário. Na década de 1920 e, especialmente, durante a década de 1930, a mídia visual torna-se audiovisual graças aos avanços das tecnologias radiofônicas, dos gravadores e reprodutores de áudio e também da inserção de sons em filmes. Assim, o movimento pela Educação Visual transforma-se gradativamente em movimento pela Educação Audiovisual. (REISER, 2001a). É verdade que a maior parte dos sistemas de ensino não foi fortemente impactada por esses movimentos, mas em 1929 foi criada uma organização americana chamada Department of Visual Instrucion (DVI) que, em 1947, passa a se chamar Department of Audio-Visual Instruction (DAVI); a instituição sobrevive até os dias de hoje, agora, e desde

20 Texto original: [...] in the early part of the 20th century, most of the media housed in school museums were

visual media, such as film, slides, and photographs. Thus, at that time the increasing interest in using media in the school was referred as the “visual instruction” or “visual education” movement. The latter term was used as far back as 1908, when Keystone View Company published Visual Education, a teacher’s guide to lantern slides and stereographs.

a década de 1970, com o nome de Association for Educational Comunnication and Technology (AECT).

Durante os anos 1920 e 1930, proliferou uma importante literatura destinada a orientar o uso pedagógico dos recursos visuais e audiovisuais. Embora essa literatura não seja considerada formalmente como parte integrante do que hoje entendemos como Design em Tecnologia Educacional, disciplina que, de fato, ainda não estava estabelecida naquela época, percebe-se que essas obras precursoras abordavam questões didáticas bastante sofisticadas.

Durante os anos 1920 e 1930, um certo número de livros no tópico da instrução visual foi escrito. Talvez o mais importante desses livros tenha sido

Visualizing the Curriculum (Hoban, Hoban, & Zissman, 1937). Neste livro, os

autores afirmam que o valor do material audiovisual era uma função do seu grau de realismo. Os autores também apresentaram uma hierarquia de mídias, desde aquelas que podiam apresentar conceitos apenas em forma abstrata àquelas que permitiam representações muito concretas [...].(REISER, 2001a, p. 56, tradução nossa21).

Bertrus e Molenda (2002) situam em 1918 o surgimento do primeiro curso de capacitação de professores para o uso de mídia visual no processo de ensino formal. De acordo com os autores, é difícil saber com certeza quando tais cursos tiveram início, mas já em 1918 é possível identificar a existência de um curso oficial de Educação Visual oferecido pela University of Minnesota para a capacitação de docentes e, por volta de 1920, as escolas normais americanas já começavam a se organizar no sentido de oferecer cursos de capacitação docente específicos para a Educação Visual. Tais cursos proliferaram por toda a década de 1920 e 1930.

Segundo Reiser (2001a), o rádio recebeu enorme atenção dos entusiastas da Educação Audiovisual durante os anos 1930 e, de acordo com Bertrus e Molenda (2002), os cursos de formação de professores nos Estados Unidos para Educação Visual tiveram seus currículos expandidos para incluir a capacitação para o trabalho com as tecnologias de áudio. De fato, o rádio era tido como o recurso que revolucionaria a educação, aliado aos filmes e à televisão. Tais mídias, segundo o editor de publicações da National Education Association, [...] ―amanhã serão tão comuns quanto os livros, e poderosos em seus efeitos na aprendizagem e

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Texto original: During the 1920s and 1930s, a number of textbooks on the topic of visual instruction were written. Perhaps the most important of these textbooks was Visualizing the Curriculum (Hoban, Hoban, & Zissman, 1937). In this book, the authors stated that the value of audiovisual material was a function of their degree of realism. The authors also presented a hierarchy of media, ranging from those that could only present concepts in an abstract fashion to those that allowed for very concrete representations *…+.

no ensino‖ (MORGAN, 1932, apud REISER, 2001a, p. 56, tradução nossa22

). Apesar da profecia e dos esforços da associação, as mídias audiovisuais, mesmo hoje, ainda não são recursos didáticos plenamente integrados ao processo pedagógico nos sistemas de ensino.

É relevante lembrarmos, no contexto de nosso resgate histórico, que uma curiosa reviravolta nos primórdios do Design em Tecnologia Educacional ocorre por volta da Segunda Guerra Mundial. Por esse período, o movimento pela Educação Audiovisual arrefece, contudo, no setor militar, a tecnologia educacional audiovisual prospera. É razoável consenso que o Design em Tecnologia Educacional como disciplina surge apenas nos anos 1950 como Design Instrucional fundamentado principalmente no Behaviorismo, contudo, considera-se que, informalmente, o Design Instrucional como prática surge durante as duas guerras mundiais do século passado, especialmente a partir da Segunda Grande Guerra (FILATRO, 2007; GIBBONS, 2014). De fato, a necessidade de treinar um contingente enorme de militares durante as guerras em tempo hábil e com altos níveis de eficácia resultou no desenvolvimento formidável de tecnologias educacionais.

O advento da Segunda Guerra Mundial representou para psicólogos e educadores o portentoso desafio de treinar rapidamente milhares de militares, recorrendo inclusive a filmes instrucionais, tecnologia mecanizada (máquinas desenvolvidas por Sidney Pressey na década de 1920) e outros materiais específicos para a instrução. (FILATRO, 2007, p. 76).

Com o início da Segunda Guerra Mundial, o crescimento do movimento pela instrução audiovisual nas escolas diminuiu; contudo, dispositivos audiovisuais foram usados extensivamente nos serviços militares e na indústria. Por exemplo, durante a guerra a Força Aérea do Exército Americano produziu mais de 400 filmes de treinamento e 600 filmstrips23, e durante um período de dois anos (de meados de 1943 a meados de 1945) estima-se que houve mais de quatro milhões de exibições de filmes de treinamento para militares dos Estados Unidos. (REISER, 2001a, p. 56, tradução nossa24).

A efetividade do uso de tais recursos no treinamento militar durante a Segunda Guerra Mundial é controversa. Damásio (2007) afirma que a eficácia do treinamento baseado em vídeos foi apenas equivalente (não superior) àquela do treinamento baseado em textos,

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Texto original: *...+ “tomorrow they will be as commom as the book and powerful in their effect on learning and teaching”.

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Filmstrips eram filmes semelhantes a slides, sem animação, cuja exibição era acompanhada por uma fita de áudio contendo uma narração sobre cada uma das cenas. A transição de um slide para outro era acionada pelo professor ao escutar um determinado sinal contido na narração.

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Texto original: With the onset of World War II, the growth of the audiovisual instruction movement in the schools slowed; however, audiovisual devices were used extensively in the military services and in industry. For example, during the war the United States Army Air Force produced more than 400 training films and 600 filmstrips, and during a two-year period (from mid-1943 to mid-1945) it was estimated that there were more that four million showings of training films to Unites States military personnel.

imagens estáticas e exposição oral. Reiser (2001a), contudo, argumenta que houve pouco tempo e poucas oportunidades para se coletar dados confiáveis sobre a experiência. De toda forma, o autor se refere a pesquisas realizadas pelos instrutores militares que atestariam a boa qualidade do treinamento baseado em vídeo. Além disso, a Division of Visual Aids for War, organização criada pelo governo estadunidense em 1941, produziu, até 1945, cerca de 457 filmes de treinamento e, segundo os relatórios dos treinadores, houve menor absenteísmo nos treinamentos baseados em vídeo do que nos treinamentos convencionais. Ademais, foi reportado que o uso de filmes encurtou o tempo de treinamento sem reduzir a qualidade do processo.

Outros recursos inovadores utilizados no treinamento militar durante a Segunda Guerra Mundial foram, de acordo com Reiser (2001a), o projetor de slides (para reconhecimento visual de naves), equipamentos de áudio (para o ensino de língua estrangeira) e simuladores (para treinamento em pilotagem). O entusiasmo pelas pesquisas relacionadas às práticas instrucionais e seus princípios mais adequadas ganha fartos investimentos com a vitória americana na guerra (FILATRO, 2007; REISER, 2001b), dando novo impulso às experiências em processos de ensino/aprendizagem e suas tecnologias.

De fato, com o final da guerra, houve uma percepção geral de que as tecnologias audiovisuais eram bons recursos para oferecer educação em massa de forma eficiente, fazendo renascer o interesse pela Educação Audiovisual nas escolas. Segundo Reiser (2001a), muitos estudos foram conduzidos nos anos seguintes para se tentar identificar quais as diretrizes mais adequadas para se desenvolver um material didático audiovisual eficiente. Segundo o autor, embora muitos desses estudos tenham sido bem-sucedidos, pouco afetaram a comunidade educacional. Ademais, muitos estudos de mídia comparada chegaram à conclusão de que utilizar meios não convencionais como rádio, televisão e filmes como recurso didático era, de fato, uma forma efetiva de promover o ensino/aprendizagem, contudo, sua efetividade não seria superior, mas equivalente, a dos recursos convencionais. Os sujeitos pesquisados obtinham níveis equivalentes de aprendizagem, independentemente da mídia utilizada no processo pedagógico.