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CAPÍTULO 2 ABORDAGENS E TEORIAS DE APRENDIZAGEM DO INÍCIO DO

2.5 Construtivismo piagetiano

2.5.2 A teoria piagetiana

Diferente do Behaviorismo e do Cognitivismo, a Epistemologia que fundamenta o Construtivismo é o Interpretativismo. É importante fazermos essa diferenciação para não confundirmos as abordagens.

Tanto as teorias comportamentais como a do processamento cognitivo da informação emergiram da tradição objetivista. [...] Embora os teóricos do processamento da informação tenham colocado a mente de volta na equação da aprendizagem, eles também parecem assumir que o conhecimento está ―lá fora‖ para ser transferido para o estudante. A metáfora do computador em si mesma sugere que o conhecimento é um estímulo a ser processado e armazenado nos estudantes. Em contraste à visão objetivista, então, a teoria construtivista assenta-se no pressuposto de que o conhecimento é construído pelos estudantes na medida em que tentam fazer sentido de suas experiências. (DRISCOLL, 2000, p. 376, tradução nossa75).

[...] a epistemologia construtivista, no que diz respeito a o que é o conhecimento, é muito distinta da epistemologia objetivista que subjaz as teorias behaviorista e cognitivista. Na perspectiva construtivista, conhecimento é construído pelo indivíduo através de suas interações com a comunidade e o ambiente. Conhecimento é então visto como dinâmico e mutável, construído e negociado socialmente, em vez de algo absoluto e finito (HARASIM, 2012, p. 60, tradução nossa76).

As suposições filosóficas subjacentes tanto às teorias behaviorista quanto cognitivista são fundamentalmente objetivistas; ou seja: o mundo é real, externo ao estudante. O objetivo do ensino é mapear a estrutura do mundo e oferecê-la ao aluno (Jonassen, 1991b). Um grupo de teóricos cognitivos contemporâneos começou a questionar essa suposição objetivista fundamental e começou a adotar uma abordagem mais construtivista para a aprendizagem e o entendimento: conhecimento ―é uma função de como o indivíduo cria significado a partir de suas experiências‖ (p.10). (ERTMER; NEWBY, 2013, p. 55, tradução nossa77).

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Texto original: Both behavioral and cognitive information-processing theories of learning emerged from the objectivist tradition. [...] Although information-processing theorists put mid back into the learning equation, they, too, appear to assume that knowledge is “out there” to be transferred into the learner. The computer metaphor itself suggests that knowledge is input to be processed and stored by learners. In contrast to the objectivist view, then, constructivist theory rests on the assumption that knowledge is constructed by learners as they attempt to make sense of their experiences.

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Texto original: [...] the constructivist epistemology, regarding what is knowledge, is very distinct from the objectivist epistemology that underlies behaviorist and cognitivist theory. In the constructivist perspective, knowledge is constructed by the individual through his or her interactions with the community and the environment. Knowledge is thus viewed as dynamic and changing, constructed and negotiated socially, rather than something absolute and finite.

77 Texto original: The philosophical assumptions underlying both the behavioral and cognitive theories are

primarily objectivistic; that is: the world is real, external to the learner. The goal of instruction is to map the structure of the world onto the learner (Jonassen, 1991b). A number of contemporary cognitive theorists have begun to question this basic objectivistic assumption and are starting to adopt a more constructivist approach to learning and understanding: knowledge “is a function of how the individual creates meaning from his or her own experiences” (p. 10).

Consideramos fundamental diferenciarmos as bases epistemológicas do Cognitivismo e do Construtivismo: o Cognitivismo é objetivista, o Construtivismo é interpretativista. Ambos são perspectivas preocupadas com o estudo da cognição, mas as semelhanças param por aí. Todos os autores consultados diferenciam as duas perspectivas; alguns as separam em capítulos diferentes para deixar clara a distinção, outros dizem explicitamente (como citado acima) que são abordagens que entendem o estudo da cognição sob pressupostos epistemológicos bastante diferenciados. Também é importante esclarecermos que não existe apenas o Construtivismo piagetiano; outros autores construtivistas como Jerome Brunner e Cecile Goodman, por exemplo, ajudaram a desenvolver e fortalecer a teoria. Contudo, considerando a projeção obtida pelo trabalho de Jean Piaget e o reduzido número de páginas de que dispomos, a primazia será dada à teoria do mestre genebrino.

Prosseguindo, consideramos que é fundamental para a compreensão do Construtivismo piagetiano o conceito de equilibração, o processo através do qual buscamos estar em equilíbrio com o ambiente físico e social que nos cerca. Se algo compromete esse estado de equilíbrio, agimos no sentido de manipular o fator desequilibrante e/ou de nos adaptarmos a ele para alcançarmos um novo estado de equilíbrio.

Assim, o homem pensa e age para satisfazer uma necessidade, para superar um desequilíbrio, para adaptar-se às novas situações do mundo que o cerca. Podemos dizer que a adaptação (a satisfação de uma necessidade, a solução de um problema) é a função constante do desenvolvimento: o ser humano se desenvolve para adaptar-se (PILETTI; ROSSATO, 2012, p. 68 e 69).

O processo de equilibração, que faculta nossa adaptação, constitui-se de dois subprocessos irmãos, assimilação e acomodação. A assimilação ocorre quando o sujeito depara-se com um evento (objeto, conceito, situação etc.) que pode ser compreendido recorrendo ao repertório de esquemas que já possui; na teoria piagetiana, esquemas são conjuntos de ações e pensamentos que utilizamos frequentemente para lidar com o ambiente (ORMROD, 2012). Grosso modo, esquemas são nosso repertório de conhecimentos (conceituais, procedimentais, atitudinais). Recorremos a tais esquemas para dar sentido ao mundo. Este é, sempre, o primeiro passo que empreendemos na tarefa de conhecer: ajustar o novo àquilo que nos é familiar. Contudo, um evento novo não poderá ser completamente assimilado pelos esquemas que construímos em experiências prévias. Haverá um elemento inesperado qualquer que nos conduzirá à necessidade de acomodação, ou seja, à necessidade de reformularmos a estrutura cognitiva já construída de modo a compreendermos o novo, e isso se realiza pela alteração dos esquemas existentes ou mesmo pela construção de um novo

esquema (ORMROD, 2012; PILETTI; ROSSATO, 2012; RICHMOND, 1981). Em que pese a semelhança entre o processo de acomodação no Construtivismo e o processo de reestruturação de esquemas no Cognitivismo, é preciso entender que a acomodação é um processo muito mais complexo que não prevê apenas tentativas sucessivos de afinação dos esquemas até que eles deem conta da situação nova, mas um processo de modificação realmente abrangente e profundo dos esquemas e/ou de construção de novos esquemas. Ademais, na ótica piagetiana os esquemas cumprem funções mais sofisticadas já discutidas na seção em que a teoria de esquemas foi tratada no âmbito do Cognitivismo.

Prossigamos:

[...] no processo de assimilação, uma pessoa faz uso da estrutura disponível para incorporar os conhecimentos que estão sendo processados, que se ajustam à sua estrutura. Já na acomodação, a pessoa é levada a mudar sua estrutura para acomodar novos conhecimentos. É o equilíbrio entre assimilação e acomodação que torna possível a adaptação (PILETTI; ROSSATO, 2012, p. 70, destaque dos autores).

Assimilação e acomodação são processos interdependentes. Toda assimilação vai demandar algum nível de acomodação e vice-versa. Afinal, se há algo novo a ser conhecido, ainda que esse novo seja familiar ao sujeito, não é idêntico ao conhecimento que ele já tem (ou não seria novo e nem demandaria aprendizagem). Assim, todo elemento de novidade requer algum nível de reconstrução dos esquemas existentes para que possa ser integrado à rede de saberes do sujeito cognoscente. Uma vez que tal reformulação (ou acomodação) se dá, o novo pode ser assimilado (POZO, 1998). É relevante reconhecermos, contudo, que nem sempre os sujeitos se dão conta dos conflitos existentes entre seus esquemas já construídos e essa nova realidade que demanda acomodação e assimilação. Em tais situações, o conflito cognitivo não é identificado e o processo de aprendizagem é comprometido, pois o novo é erroneamente assimilado.

É óbvio que, ao não conceber a situação como sendo conflitiva, o sujeito não fará nada para modificar seus esquemas. Nesse sentido, a resposta não é adaptada, já que não produz nenhuma acomodação e, portanto, nenhuma aprendizagem, não ajudando em absoluto a superar o conflito latente entre os esquemas e os objetos assimilados. As respostas adaptativas seriam aquelas nas quais o sujeito é consciente da perturbação e tenta resolvê-la. (POZO, 1998, p. 182).

A equilibração majorante (assimilação e acomodação) é a mola mestra que impulsiona o desenvolvimento cognitivo e, em simultâneo, permeia e ―costura‖ todos os períodos

desenvolvimentais identificados por Piaget como constituintes da trajetória que leva o recém- nascido da investigação sensório-motora à reflexão lógico-formal do adulto. São quatro os períodos de desenvolvimento cognitivo identificados por Piaget, e cada período é delimitado utilizando-se a idade cronológica como referência, contudo, o próprio Piaget alerta que a idade cronológica deve ser compreendida como uma referência geral e não uma demarcação rígida. Ademais, crianças em um determinado período de desenvolvimento podem apresentar características de pensamento próprias de períodos anteriores e, em certos contextos, podem mesmo regredir a formas de pensar que pareciam já superadas (ORMROD, 2012; RICHMOND, 1981). Considerando o foco de nosso estudo (as licenciaturas na modalidade EaD), será descrito de forma mais detida apenas o período lógico-formal, ou seja, aquele no qual acreditamos que os cursistas da EaD se encontram e que pode ter consequências mais significativas para a produção de materiais didáticos, ambientes e atividades destinados ao público adulto.

Período sensório-motor (0 a 2 anos) – nesse período, os esquemas são constituídos, basicamente, de informação sensorial e motora, uma vez que as interações entre a criança e seu meio são primordialmente físicas (ORMROD, 2012; PILETTI; ROSSATO, 2012; RICHMOND, 1981).

Período pré-operacional (2 a 7 anos) – a evolução dos esquemas adquiridos no período anterior permite que agora eles ganhem uma dimensão simbólica, ou seja, a criança já é capaz de pensar e falar sobre coisas que não estão presentes, assim como é capaz de raciocinar sobre elas em uma lógica ―toda sua‖ (egocêntrica), muitas vezes incompreensível ao adulto (ORMROD, 2012; PILETTI; ROSSATO, 2012; RICHMOND, 1981).

Período operatório-concreto (7 a 12 anos) – as estruturas cognitivas constituídas pelos esquemas nesse período permitem à criança raciocinar sobre objetos e situações concretas de forma próxima a dos adultos. São capazes de perceber, por exemplo, que seus pontos de vista nem sempre são compartilhados por outras pessoas, embora tenham dificuldade em lidar com o contraditório e com informações que pareçam desmentir a aparência do real, ou seja, aquilo que vê e sente (ORMROD, 2012; PILETTI; ROSSATO, 2012; RICHMOND, 1981).

Período lógico-formal (a partir dos 12 anos) – a partir desse período, o pensamento do indivíduo já é capaz de operar plenamente sobre eventos abstratos, sem necessidade de vinculação com a realidade imediata. A formulação de hipóteses, a partir de um raciocínio lógico, sistemático e focado em problemas não vinculados ao contexto presente torna-se

possível. Conceitos abstratos como liberdade, honestidade, equidade já podem ser perfeitamente compreendidos, assim como pode ser exercitada muito da capacidade crítica do sujeito, ainda que seus valores tendam a estar presos àqueles do seu grupo social de referência. A partir desta fase, o indivíduo já consegue lidar com o pensamento proposicional, ou seja, operar no campo do hipotético, do ideal e estabelecer relações de diversos tipos entre proposições. O desenvolvimento do raciocínio combinatório lhe permite articular um conjunto diferenciado de lógicas para gerar tantas outras.

Piaget (2007) esclarece que nesse estágio é possível raciocinar do real para o simplesmente possível, ou deste para o concreto; estabelecer combinações entre proposições inversas e recíprocas, onde cada operação pode ser recíproca de uma e inversa de uma outra. Assim, o que se espera é que, diante de um problema colocado a um indivíduo, ele imagine um grande número de probabilidades até chegar a uma solução (PILETTI; ROSSATO, 2012, p. 78). Este sistema completo começa a funcionar independentemente de seu conteúdo e torna-se um instrumento de pensamento autônomo que a criança pode aplicar a dados das mais diversas espécies. [...] Operações formais produzem mudanças na atitude da criança em relação ao ambiente. Ela tem agora à sua disposição um poderoso mecanismo para solução de problema. Pode usar a abordagem de hipótese, experiência e dedução quando investiga seu ambiente (RICHMOND, 1981, p. 87).

É possível, para o sujeito nesse estágio, captar com facilidade o sentido figurado de expressões e provérbios, testar hipóteses controlando variáveis independentes, realizar a metacognição, ou seja, aplicar operações mentais sobre outras operações mentais, grosso modo: raciocinar sobre o próprio raciocínio, detectando inconsistências e depurando sua qualidade e lógica.