• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II NOVAS ALTERNATIVAS DE PRODUÇÃO E A EMERGÊNCIA DE

2.1 Processos Pedagógicos e as Transformações da Cultura Camponesa: diferentes pedagogias

2.1.2 A pedagogia da assistência técnica das empresas integradoras

Seguindo uma lógica similar a da extensão rural, a assistência técnica desenvolvida pelas empresas integradoras junto às unidades familiares de produção constituiu-se numa outra ação pedagógica importante a interagir junto aos agricultores familiares do Oeste Catarinense desde o princípio do processo de produção integrada na região. Trata-se de um processo pelo qual as empresas garantem a capacitação e orientação dos camponeses sobre o processo de trabalho envolvido na produção integrada e pode ser desenvolvido de várias maneiras, incluindo dias de campo, cursos de curta duração, palestras e, principalmente, visitas às propriedades.

Observe-se, porém, que, esse processo não envolve apenas orientações técnicas sobre o desenvolvimento do trabalho pelos camponeses junto a sua propriedade, mas também a organização da vida e da unidade familiar de produção como um todo, buscando atuar sobre a produção da própria cultura camponesa. Como esclarece Silvestro (1995, p. 127)

[...] parece-nos que a agroindústria, não destruindo completamente o caráter ‘camponês’ da propriedade, faz uma re-elaboração da ‘cultura do colono’, inserindo nela elementos ‘modernos’ (crédito, aperfeiçoamento técnico, especialização na produção, administração racional, etc.)[...].

No mesmo sentido, Giese (1991, p. 95) destaca que

[...] os empresários agroindustriais tiveram uma atuação muito marcante no meio rural catarinense, nele transformando relações sociais, redefinindo regimes de trabalho, introduzindo novas tecnologias, semeando novas mentalidades”.

Belatto (1985), além da dimensão da orientação técnica do trabalho camponês, destaca também as investidas da assistência técnica levada a efeito pela indústria, na tentativa de controle deste trabalho e do próprio comportamento social e político do camponês.

A assistência técnica não se atém ao ‘métier’ técnico. É uma presença permanente da empresa dentro da unidade familiar. Os contratos, escritos ou não, prevêem sempre o direito da empresa de entrar na propriedade, sem prévio aviso e sem pedido de licença, para efetuar a inspeção e a fiscalização da produção: ‘o integrado obriga-se permitir o livre acesso dos representantes da integradora às dependências dos aviários, objetivando orientação e fiscalização’. Essa presença permite que o técnico se transforme numa espécie de conselheiro econômico, político e sentimental, transmissor das vontades da empresa e coletor de informações precisas e detalhadas sobre as tendências políticas reinantes entre os camponeses, seus movimentos reivindicatórios [...]. (BELATTO, 1985, p. 336).

Existem boas razões para acreditar que a eficácia da assistência técnica seja, inclusive, maior que a da extensão rural, em virtude de estar relacionada a pelo menos uma atividade econômica importante para a família camponesa, exercendo um controle direto sobre a mesma, dispondo de vários mecanismos de “motivação” e de controle do trabalho dos camponeses.

As unidades camponesas onde se instauram os mecanismos de produção do tipo integrado são unidades fabris dispersas no campo”. Aí o processo de trabalho e seus controles, embora diferenciados dos da fábrica, tem o mesmo rigor e a mesma eficácia. [...] É neste espaço que se insere a necessidade de um trabalho camponês de novo tipo, e para o qual se requerem conhecimento, habilidades e disciplina de trabalho novas. [...] Mas, além dos novos conhecimentos que agora são imprescindíveis à produção,a ação da empresa visa a ‘educação’, isto é, o controle do processo de trabalho.”(BELATTO, 1985, p. 335)

Mior (1992), estudando a produção integrada de suínos, também constatou a existência de um conjunto de estratégias das empresas integradoras que, embora muito diferentes entre si, encontram-se voltadas à redução da autonomia dos camponeses no desenvolvimento da atividade, de modo a obter deles uma adesão mais fiel às suas estratégias de desenvolvimento.

Espindola (1999) também evidencia entre os objetivos e as estratégias do processo de produção integrada a “dissolução da estrutura produtiva rural auto-suficiente”, em vista do aumento da produtividade, a padronização e o melhoramento qualitativo da matéria prima e a

construção de novas relações sociais (guiadas por uma mentalidade empresarial) no processo de produção agropecuária. Para tanto, segundo o autor, um conjunto articulado de estratégias é posto em desenvolvimento, o qual, em seu conjunto, desenvolve processos educativos que passam a intervir na vida e na cultura dos camponeses.

Para Belatto (1985), o processo pedagógico desenvolvido, levado a cabo através da assistência técnica, se inicia já na seleção dos integrados, que constituiu um dos segredos do sucesso do processo de integração e sempre mereceu grande atenção por parte das empresas integradoras. Ele se constitui também num dos segredos da eficácia do processo pedagógico desenvolvido pela assistência técnica das empresas, já que, ao definir critérios de seleção envolvendo tanto as formas de organização da propriedade, quanto as atitudes e disposições do camponês, passa a reforçar e induzir determinados comportamentos no conjunto da população que almeja participar do processo de integração, podendo até torná-los sinônimo de modernização, eficiência e de atitudes adequadas.

Assim, o fato de a seleção levar em consideração o processo de organização da propriedade como um todo, resultou que este passou a ser um fator “pedagógico” de pressão em favor da mudança de comportamento e de assimilação dos novos parâmetros de organização da produção, nos moldes difundidos pela modernização agrícola.

Outro aspecto importante para garantir a eficácia da assistência técnica foi a condição, determinada pelo próprio contrato de integração, de direito de monopólio da empresa integradora no fornecimento dos insumos necessários ao processo de produção. O controle rigoroso dos insumos fornecidos e das práticas de manejo a serem realizadas a partir dos mesmos, tornou-se um dos mecanismos fundamentais de controle e determinação do processo de trabalho dos agricultores familiares (ibidem). Nesse mesmo sentido, a própria tecnologia empregada na produção (também monopolizada pelas empresas integradoras), na medida em que determina a composição do capital e os procedimentos necessários à produção, acaba se transformando, também, num dos elementos centrais de atuação dessa pedagogia75.

Por fim é preciso observar a presença de práticas explícitas de educação e controle de comportamento nesse processo, na forma de reforço positivo (festas e premiações) e de reforço negativo (ameaças e punições).

75

Exemplo: a tipificação de carcaças, que permite avaliar o teor de gordura existente nas carcaças dos suínos abatidos impõe rigoroso controle dos insumos (leitões e rações) utilizados e das práticas de manejo a serem desenvolvidas. Desse modo, mesmo aparentando ser uma questão eminentemente técnica, acaba por constituir uma questão eminentemente política, uma vez que interfere nas relações de poder entre integrados e empresa.

A distinção e premiação dos integrados com melhor desempenho, segundo os critérios das empresas, tem sido uma prática bastante comum na produção integrada. Além da divulgação semanal ou mensal (via rádio) dos melhores lotes produzidos têm sido comum as festas anuais de confraternização com os integrados, ocasião em que os que tiveram os melhores resultados durante o ano recebem prêmios e a distinção honrosa por parte da empresa.

Já as ameaças e punições também são atividades de reforço empregadas com bastante eficácia e que garantem o sucesso dos processos pedagógicos envolvidos na produção integrada.

Um camponês integrado a uma agroindústria é, por definição, um ameaçado. Pelo fato de estar subordinado e a subordinação estar reforçada por uma relação contratual, o universo que se lhe apresenta é de negação de outras alternativas que não as oferecidas pela empresa. Em conseqüência, a ameaça não precisa que seja explicitada. Ela existe sempre, é um a priori do fato de ser integrado. A presença sutil da ameaça se materializa em obrigações a serem cumpridas, em normas a serem observadas. Funcionam como poderosos elementos de controle do trabalho e das tentativas de resistência e busca de autonomia. A incorporação da ameaça permanente de punição faz com que esta dificilmente ocorra. São raros os casos de punição. Mas quando ocorrem, são massacrantes e exemplares (BELATTO, 1985, p. 338).

As ameaças mais freqüentes são as de não fornecimento temporário de insumos (pintos, leitões e ração), sem o que o integrado fica impossibilitado de produzir e tem prejuízos. As mais violentas são as que implicam o fechamento do aviário por longos períodos (de dois a seis meses). Nesse caso, só ocorrem quando se verificam transgressões das normas estabelecidas. Como geralmente os camponeses tem seus compromissos financeiros a cumprir, qualquer ameaça desta natureza os coloca em verdadeiro pânico, como atesta o depoimento coletado por Belatto (1985, p. 338).

Já pensou se eles (a empresa) não me dá um lote de pintos? Que que eu faço? Vence a prestação do banco e no dia certo o dinheiro tem que estar lá. Você não faz como eles mandam, não ganha os pintos. Podem atrasar a entrega. Cada dia que atrasa você perde. Tem os compromissos e se pára o galinheiro, eu vou pro mato.

Durante o processo de pesquisa houve o relato de uma situação em que a punição foi efetivada mediante o fechamento do aviário por 60 dias. No caso relatado pôde-se confirmar seu caráter exemplar da punição, dada a desproporção entre o fato ocorrido e o teor da punição imposta.76

As observações feitas até aqui, que não pretendem esgotar o tema, já permitem perceber a efetividade e, possivelmente, a eficácia da pedagogia da assistência técnica (ou do processo de integração). Sem dúvida, foi, dentre os processos pedagógicos em curso na região, nesse período

76

de modernização da agricultura, um dos mais efetivos e eficazes, imprimindo mudanças significativas no modo de produzir e de proceder dos camponeses. A partir dele, novos elementos, certamente, foram incorporados às experiências dos camponeses, suscitando, ao que tudo indica, diferentes interpretações sobre o seu significado.

Da mesma forma, também suscitou reações de negação. Entre os integrantes dos dois empreendimentos selecionados para este estudo, é corrente a existência de interpretações bastante negativas em relação ao processo de produção integrada, tendo elas servido, inclusive, de motivação para a criação de alternativas de produção.