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CAPÍTULO I ELEMENTOS SOBRE A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO OESTE

1.2 Reações Frente à Crise da Economia Camponesa Tradicional

Poderia tratar, a partir daqui, das conseqüências da crise da economia camponesa tradicional para o desenvolvimento da região como um todo e para a vida dos envolvidos, sobretudo para os camponeses. Preferi, no entanto, em vista do referencial de análise a ser utilizado ao longo do estudo, e dos objetivos do presente capítulo para a compreensão do surgimento das agroindústrias familiares e seguindo as pistas apontadas em dois outros estudos realizados anteriormente (POLI, 1995, 1999), fazer um mapeamento bastante sumário das reações dos envolvidos frente à crise e as novas condições históricas que ela produziu, mediante o diálogo com os diferentes discursos que passaram a ocupar a cena pública no Oeste catarinense. Esse mapeamento das principais reações observadas, sem a pretensão de ser conclusivo, servirá de ponto de partida para a análise do processo de constituição dos novos sujeitos, que estiveram a frente da constituição dos empreendimentos econômicos alternativos, baseados na associação, na cooperação e na autogestão, como estratégia de vida e de produção, frente a crise da agricultura familiar tradicional, no Oeste catarinense. Não se está com isso querendo afirmar que não existiram conseqüências da crise, com forte poder de indução, tanto econômicas, quanto culturais, políticas e ambientais. Ao contrário, apenas pretendo por em destaque que, o que aconteceu a cada camponês em particular, em sua situação específica, ao longo de tal processo histórico foi determinado tanto pelas condições objetivas a que foi submetido, quanto pelas decisões que tomou frente a elas, inspirado pelas reflexões e elaborações que foi construindo a partir de sua experiência histórica, a qual, ela própria, passível de reelaboração frente a cada novo evento, com conseqüências para as elaborações posteriores das experiências vividas.

a) A modernização das propriedades e integração às agroindústrias.

Essa é a primeira reação a ser destacada, uma vez que foi a atitude esperada e buscada por todos os esforços da extensão rural, pela assistência técnica das empresas, pelas políticas e iniciativas do setor bancário e do próprio poder público como um todo. A esses apelos houve uma considerável adesão, por parte dos camponeses, sobretudo por aqueles que reuniam condições mais favoráveis em termos de capital acumulado e infra-estrutura de produção.

Não se pode deixar de destacar o caráter seletivo dessa modernização, sobretudo no que se refere à integração com as agroindústrias de grande porte que, a partir dos anos 70, passaram a ter presença marcante na região. Essa seletividade, porém, não dependeu apenas das condições materiais das propriedades. Pelo contrário, foram influenciadas também pelas disposições e atitudes reveladas pelos agricultores familiares. Convém lembrar que, conforme demonstra em detalhes Belatto (1985), candidatar-se e ser selecionado para a integração à agroindústria implicava, acima de tudo, uma adesão (ao menos aparente) ao ideário da modernização agrícola e as novas práticas de produção, o que representou, sem dúvida, um grande processo de reelaboração cultural da tradição produtiva presente na experiência e na trajetória histórica desses camponeses.

b) A busca de novas fronteiras agrícolas em outros estados.

Trata-se de um fenômeno pouco estudado, o que impede sua descrição mais detalhada, seja em termos das razões imediatas para tal opção, do perfil dos envolvidos, dos seus desdobramentos e conseqüências para aqueles que fizeram essa opção ou, até mesmo, em relação ao número de pessoas que optaram por tal alternativa. Nem por isso deixa de ser um fenômeno importante. De certa forma, essa reação pode ser interpretada como uma recriação da alternativa da migração, muito presente na trajetória histórica dessa população.52 Além da observação cotidiana de diversos casos de sucesso e de fracasso de camponeses que optaram por este tipo de alternativa53, vários autores citam o fenômeno, fazendo dele sempre descrições muito sucintas (BELATTO, 1985; POLI,1995; SANTOS, 1978). De um modo geral, destaca-se o fato de serem os agricultores mais capitalizados e com um certo volume de recursos para investimentos que buscaram essa alternativa, possivelmente na expectativa de ampliar sua propriedade e sua produção, aproveitando-se da abundância de terras a preços mais acessíveis nessas novas fronteiras agrícolas. A análise deste fenômeno, no entanto, foge totalmente aos objetivos do

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Em outro estudo (POLI, 1995) abordei sucintamente a questão, demonstrando as sucessivas migrações presentes no passado histórico dessas populações (a vinda da Europa para o Brasil, as diversas migrações internas no RS, a migração para o Oeste Catarinense e, neste momento, a migração para novas fronteiras agrícolas). Nas várias situações anteriores em que realizaram empreendimentos migratórios, esses camponeses foram sempre em busca de novas fronteiras agrícolas onde pudessem reproduzir-se na condição de camponeses. Essa parece ser uma nova tentativa no mesmo sentido.

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Existem na região vários casos conhecidos e até noticiados de camponeses que foram para essas novas fronteiras agrícolas, geralmente relatando casos de sucesso, onde os mesmos implantaram novos projetos de colonização e produção agropecuária. Mas há também diversos caso conhecidos de situações de fracasso, onde, por razões que desconhecemos, tiveram grandes dificuldades de adaptação ao novo contexto, resultando em fracasso e retorno em situação de extrema descapitalização. Entre os entrevistados na presente pesquisa, houve o relato de um caso de migração bem sucedida para o estado do Mato Grosso.

presente trabalho, cabendo aqui apenas situar a sua existência, deixando o seu aprofundamento para estudos futuros.

c) A reação de êxodo

Diante das novas condições colocadas pela modernização da agricultura e das alternativas vislumbradas no novo cenário, um número muito grande de famílias, a partir do final dos anos 70 e, principalmente, no início dos anos 80, buscou como alternativa para a construção dos seus meios de vida, o êxodo rural e o ingresso no mercado de trabalho urbano.

O que se observou foi um acentuado processo de deslocamento populacional do meio rural em direção às cidades em que se instalaram as grandes unidades de processamento industrial da produção agropecuária, dentre as quais se destacam principalmente os grandes frigoríficos.

A Tabela 1, apresentada por Alba (2002, p. 131), dá uma idéia das tendências do crescimento populacional e do significativo deslocamento populacional em direção aos centros urbanos, sobretudo depois dos anos 70.

Mesmo que o desmembramento de diversos municípios, ao longo do período, dificulte o acompanhamento do crescimento da população total do município ao longo dos anos, os dados permitem observar com clareza o significativo deslocamento da população em direção aos centros urbanos, tendência que continua a se manter até os dias atuais e com perspectivas de continuar se aprofundando no futuro próximo. A estimativa de Testa et al.(1996) era de que no período de 10 anos, ocorreria a exclusão de mais 250 mil pessoas do meio rural da região.

Tabela 1. O crescimento da população de Chapecó

Ano Total Pop. Urbana % Pop. Rural %

1940 44.327 4.128 9.31 40.199 90.69 1950 96.604 9.736 10.08 86.868 89.92 1960 52.089 10.939 21.00 41.150 79.00 1970 50.117 20.591 41.08 29.526 58.92 1980 83.864 55.586 65.92 28.578 34.08 1991 123.050 96.751 78.62 26.299 21.38 1998 135.884 119.578 88.00 16.306 12.00

Fonte: IBGE – Censos Demográficos Brasileiros de 1940, 1950, 1960, 1970, 1991 – Chapecó – SC e Banco de Dados – Prefeitura Municipal de Chapecó (apud ALBA, 2002, p. 131).

A perspectiva de aprofundamento dessa realidade é confirmada por dois outros estudos realizados na região, (ABRAMOVAY et al., 1998, 2001), os quais indicam uma forte tendência de abandono do campo por parte dos jovens (especialmente do sexo feminino). A profundidade desse processo é tal que Abramovay (1998) chaga a falar em “desertificação social” do meio rural e um acelerado aumento no êxodo rural na região Oeste de Santa Catarina.

O referido estudo aponta que nada menos que 19,35 % dos rapazes e 37,5% das moças que viviam no meio rural no momento da pesquisa, não pretendiam mais ser agricultores54. Se a estes forem somados os que, mesmo desejando continuar na agricultura, prevêem dificuldades em conseguir permanecer, chega-se a nada menos que 35,48% dos rapazes e 62,5% das moças não tinham perspectivas de continuar na agricultura, devendo buscar de novas alternativas de trabalho. Esse processo está levando ao envelhecimento e a masculinização da população rural, tendo como conseqüência o enfraquecimento da agricultura familiar. (ABRAMOVAY et al., 1998).

O estudo de Abramovay et al. (2001) mostra que a intenção de permanência, bem como a permanência efetiva cai significativamente entre os jovens mais escolarizados. Conclui, inclusive, que a opção de educar os filhos está fortemente associada à opção de busca de alternativas fora da atividade agrícola. E pior, que a permanência na atividade agrícola está bastante associada ao desprezo pela formação dos jovens. “São fortes os indícios de que, pelo menos até recentemente, acabam ficando na propriedade paterna exatamente aqueles jovens que tiveram menos oportunidades educacionais.” (ABRAMOVAY et al, 2001, p. 29).

E o estudo aponta ainda que, mesmo tratando-se de uma região do Estado de Santa Catarina, que apresenta um dos melhores índices de escolarização do país, o nível de escolaridade entre os jovens do meio rural tende a ser bem abaixo da média do estado. Dentre os jovens de 25 a 29 anos pesquisados, 60% só freqüentaram a escola até a 4ª série. Já entre os jovens na idade de 19 a 24 anos, esse percentual é de 38%. E entre os jovens de 13 a 18 anos, 19% freqüentaram até a 4ª série. Esses dados melhoram significativamente entre os jovens do sexo feminino. Mesmo revelando que está em curso uma tendência de mudança no perfil de escolarização, o autor chama a atenção para a herança que a atual situação está deixando para a região. Por outro lado revela que a agricultura não está conseguindo atrair jovens com maior escolarização.

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É importante registrar que essa proporção é significativamente maior entre os rapazes oriundos das unidades de produção agrícola classificadas como “em processo de exclusão” do que entre os oriundos daquelas classificadas “viabilizadas” (30% e 10%, respectivamente). Já entre as moças a proporção é muito semelhante e até se inverte: 50% das moças oriundas de unidades viabilizadas não desejam ser agricultoras, contra 40% das oriundas de unidades “em processo de exclusão”.

A esse respeito, há outros aspectos a serem considerados. Por um lado, mesmo que um percentual alto de rapazes revelem o desejo de organizar suas vidas profissionais em torno da gestão de uma unidade produtiva, essa intenção de continuar a profissão paterna choca-se, na maioria dos casos, com a falta de condições reais de permanência, dentre elas, a exigüidade do tamanho das propriedades que não permitem mais subdivisões e não conseguem abrigar todos os filhos. Por outro, Testa et al.(1996) indica que algo em torno de 10% das propriedades familiares da região estão abandonadas, e esse percentual vem crescendo, visto que, em 2001, o índice subiu para mais de 12% (ABRAMOVAY, 2001). E estudo de testa revelou ainda que um terço dos responsáveis pelas unidades produtivas (33,96%) afirma não saber se alguém ficará na propriedade. Isso mostra, segundo o autor, que o êxodo rural nas regiões de predomínio da agricultura familiar atinge hoje populações jovens com muito mais ênfase que em momentos anteriores. Ao envelhecimento acopla-se, mais recentemente, um processo de masculinização da juventude. As moças deixam o campo antes e numa proporção muito maior que os rapazes.

Este “viés de gênero” no êxodo rural não parece estar ligado a oportunidades particularmente favoráveis no mercado de trabalho urbano, mas à precariedade das perspectivas assim como ao papel subalterno que continuam a ter as moças no interior das famílias de agricultores. (ABRAMOVAY et al., 1998, p. 15-16).

Por outro lado, nesse contexto, é preciso considerar também as condições em que se encontra o próprio mercado de trabalho urbano. O fato de muitos jovens agricultores demonstrarem preferência pela permanência na agricultura em relação à busca de ocupações urbanas, pode estar relacionada ao fato de que as condições do emprego urbano estão muito mais difíceis que em outros momentos. Num estudo realizado com ex-camponeses que perderam seus empregos nos frigoríficos da cidade de Chapecó nos últimos anos (POLI et al, 2003), observou-se que os mesmos (e também seus filhos) encontram, atualmente, dificuldades muito maiores para obtenção de emprego do que no momento de sua migração para a cidade, durante a década de 80, época em que, segundo os depoimentos, havia grande facilidade de obtenção de empregos nos frigoríficos pelos agricultores, havendo, inclusive casos em que famílias que ainda residiam no meio rural (indicadas por funcionários), eram visitadas pelos representantes das empresas para ofertar trabalho. O estudo realizado por Espíndola (1999) corrobora esses dados, indicando tanto o crescimento progressivo da demanda por mão de obra nos frigoríficos até 1992, e o perfil da mão de obra buscada pelos mesmos.

Como se pode observar, a busca pela reação de êxodo, muito embora também esteja sendo motivada pelas crescentes dificuldades de reprodução na agricultura, não pode ser

explicada somente em função de tais dificuldades. Corroborando a hipótese que vimos afirmando ao longo dessa exposição, que as alternativas de futuro dependem da interpretação feita pelos camponeses frente às situações enfrentadas, os estudos analisados (ABRAMOVAY et al.,1998, 2001; TESTA et al., 1996) indicam claramente que, muito mais que fatalidade, a definição do futuro passa por escolhas dos jovens. E, em tais escolhas, ainda é bastante significativa a preferência pela agricultura entre os rapazes e muito baixa entre as moças. Entre os fatores que influenciam a escolha, muitos aspectos revelam ter peso significativo como, por exemplo, as representações dos jovens sobre suas melhores chances de sucesso, frente ao seu atual nível de qualificação, as perspectivas de participação na gestão dos negócios da unidade familiar de produção55, ou a perspectiva de disponibilidade de capital para os investimentos necessários no desenvolvimento da produção. Entre as moças, revelou-se muito significativo o fato de suas perspectivas de participação no contexto da unidade familiar de produção agrícola. Ocorre que “[...] embora as mulheres participem do trabalho na propriedade, no mínimo em condições iguais às dos homens, elas não têm qualquer acesso a tarefas que envolvem algum grau de responsabilidade ou de tomada de decisão”.

d) A resistência pela limitação progressiva do consumo.

O que se observa, a partir dos estudos disponíveis sobre os desdobramentos da crise da economia camponesa tradicional é que, apesar de toda a pressão do contexto externo, que buscou induzir os camponeses a se modernizarem ou então, a abandonarem a atividade, (através do êxodo rural), uma parcela considerável de camponeses tem optado por resistir no meio rural, mesmo que, por razões diversas, não tenham modernizado suas propriedades e nem se integrado às agroindústrias. Em termos numéricos esse grupo é muito significativo. Para se ter uma idéia do seu significado, pode-se tomar como base um estudo realizado, pela Equipe de Sócioeconomia da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A. (EPAGRI), citado por Silvestro (1995) com dados do município de Coronel Freitas, considerado representativo da região, onde foram encontrados cinco tipos principais de produtores: 13.1% de avicultores; 8.2% de suinocultores; 14.6% de “diversificados”; 21,3% de “produtores de leite” e 42,6% de

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Este tema tem se revelado, em diversos estudos revisados, um problema crucial para os jovens no meio rural. Isso porque a forte tradição patriarcal presente nas famílias, conduz a uma centralização na figura paterna de todo o processo decisório, tanto em relação à produção , quanto em relação ao destino dos recursos. Dessa forma, os jovens se vêem excluídos da possibilidade de participação da gestão das atividades e dos interesses da unidade familiar de produção, o que vem provocando um crescente descontentamento entre os mesmos, levando-os, inclusive a deixar o campo, em busca de uma maior realização pessoal no mercado de trabalho urbano.

“pequenos produtores de cereais”. Esses últimos, que representam mais de um terço das propriedades, apresentam, segundo o estudo, um baixo nível de modernização no seu processo de produção. Logo, observa-se que um grupo bastante significativo de agricultores permaneceu praticamente fora da produção integrada e, por razões até então apenas parcialmente conhecidas, não aderiu ao processo de modernização. Além dos estudos realizados pelo grupo de sócioeconomia do Centro de Estudos da Pequena Propriedade da EPAGRI, localizado na cidade de Chapecó (SC)56, o estudo de Silvestro (1995), é um dos mais detalhados sobre esse grupo de camponeses, os quais denomina de “agricultores fracos”, fazendo referência a um termo corrente na região.

Os estudos citados, indicam que esse grupo possui algumas características principais. Em primeiro lugar, possuem áreas de terra muito reduzidas (em torno de 10 ha), nas quais predominam os solos declivosos, rasos e pedregosos, isto é, os menos indicados para o cultivo de culturas anuais. Dispõe de pouco capital, o qual tende a reduzir-se ainda mais ao longo do tempo57, devido às suas dificuldades de reprodução, e o nível tecnológico de sua produção é muito baixo. Utilizam, na sua produção, basicamente a tração animal, sendo extremamente baixo o nível de mecanização das suas lavouras. Seus meios de trabalho mais freqüentes são a carroça, a trilhadeira com motor, o arado de tração animal, a junta de bois, a semeadeira manual, um galpão de madeira, um chiqueiro de madeira (de pequenas proporções), um estábulo para ordenha, ferramentas manuais, etc. A utilização de insumos modernos é pouco expressiva, sendo que apenas 20 % dos pesquisados por Silvestro (1995) indicaram utilizar algum tipo de adubo químico.

Orientam-se para a satisfação de suas necessidades em primeira instância, embora busquem alguma produção para o mercado. Além da produção de subsistência, fundamentam o seu processo produtivo na policultura sem criação animal expressiva. Em termos de produção comercial, produzem principalmente milho e feijão (existentes em praticamente todas as propriedades), além de leite e do fumo de modo complementar (ibidem)58.

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Ver TESTA et al. (1996), ABRAMOVAY et al., (1998, 2001).

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Segundo estimativas de Abramovay (1998) a descapitalização deste grupo de agricultores está na ordem de 2,5% ao ano.

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Vale salientar que a produção de fumo também é realizada de forma integrada à indústria, porém, nesse tipo de produção predomina uma autonomia bem maior dos agricultores frente à indústria.

Ainda segundo Silvestro (1995, p. 205-206) “Este modelo [...] aponta no sentido de que esta produção familiar se sustenta basicamente sobre dois eixos principais: a auto-exploração do trabalho familiar e seu baixo nível de vida, e na exploração ininterrupta dos recursos naturais”59.

As razões para a não modernização podem ser diversas e como já dissemos, ainda foram pouco estudadas. Observando esses dados apresentados, pode-se perceber que, sem dúvida, tratam-se de produtores que passam por grandes dificuldades de produção. Uma análise simplificada da questão poderia atribuir às dificuldades econômicas as razões para a não modernização. A respeito disso, pelo menos duas considerações parecem bem importantes. Em primeiro lugar, mesmo que a exclusão do processo de modernização tivesse como razão principal as dificuldades econômicas, ainda assim mereceria nota o fato de que tais camponeses recusaram- se à busca do êxodo rural como alternativa, mesmo que este se apresentasse de modo bastante atrativo, principalmente na década de 80. Vale lembrar que muitos camponeses, mesmo estando em condições bem melhores, do ponto de vista das possibilidades de permanência no campo, optaram por sair do campo e buscar o mercado de trabalho urbano. Percebe-se, então, aí, num e noutro caso, um processo de elaboração das experiência vividas por parte dos camponeses, a partir de sua bagagem cultural, dos seus interesse e do seu imaginário, a qual influencia a tomada de decisões relativas ao futuro.

A outra consideração a ser feita é no sentido de que, além das dificuldades econômicas, a resistência em aderir aos novos parâmetros da produção pode ter influenciado a decisão desses camponeses. Silvestro (1995) nos chama a atenção no sentido de que:

Se a produção de suínos integrada ao setor industrial passa a ser uma garantia para algumas propriedades, e um desejo para outras, devemos também considerar que essa mesma estratégia suscita conflitos entre alguns agricultores, que por opção, preferem ficar de fora do processo. Este receio, manifestado nas entrevistas, está interiorizado no hábitus destes agricultores. Estas atitudes parecem estar relacionadas com o que Bourdieu (1979) ressalta. Para ele a lógica da economia capitalista supõe a referência a um futuro abstrato que confronta com o mundo do agricultor familiar, onde prevalecem outros valores. Mesmo que exista um contrato ou um acordo entre agricultores e a empresa integradora, este sempre implica rigoroso cálculo econômico, pois as disposições na agroindústria exigem dele uma postura de empreendimento, controle da