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A pedagogia e o treinamento policial militar

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 47-52)

CAPÍTULO 1. HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO

1.5. Ensino policial militar

1.5.2. A pedagogia e o treinamento policial militar

Há diferentes concepções não só do ato de ensinar — pelo qual um sujeito acede ao conhecimento pela mediação de outro sujeito — mas também da natureza do conhecimento. Esses vários significados traduzem diferentes concepções do ato de ensinar:

• como um mero ato de transmissão; • como o efeito do treinamento;

• como um processo de descoberta sob a orientação do outro.

Por certo, a pedagogia militar não deve ser aceita como óbvia e evidente quanto aos seus ensinamentos da caserna, as suas idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana, jamais aceitá-los sem

antes havê-los investigado e compreendido. No entanto, devem-se respeitar e cumprir os deveres, por meio da rigorosa observância e do acatamento das leis, dos regulamentos, das normas e das ordens, no conjunto e individualmente, dentro do quadro da Polícia Militar.

Tudo tem por objetivo fazer com que o aluno oficial adquira racionalmente conhecimento de si mesmo para poder compreender o regime disciplinar da Polícia Militar, que procura apontar-lhe o que pode e o que não pode fazer, visando ao seu bem-estar.

O ser humano, sempre em busca da perfeição, não pode perder de vista a verdade que, segundo Marilena Chauí (2001 p. 20), em sua obra Convite à filosofia, ao definir filosofia e sua origem na busca da verdade, diz: “A verdade não pertence a ninguém, ela é o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista, se tivermos olhos (do espírito) para vê-la”.

Evidentemente, isso não quer dizer, de modo algum, que o ensino policial militar — isto é, a cultura militar, a conscientização do profissional de polícia, o fortalecimento, as convicções democráticas e a crença na lei, na ética, na justiça e na ordem transmitidos até nossos dias — não esteja embasado na verdade. Ao contrário, a Polícia Militar criada em 1831 pelo brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, com base na hierarquia e disciplina, construiu ao longo de sua história bandeirante missões importantíssimas para a história do Brasil na formação social do Estado de São Paulo.

A herança da doutrina escolar em São Paulo origina-se, como já afirmado, da milícia francesa. Os oficiais adquiriram as técnicas de ensino militar na doutrinação16

da tropa, e em especial nas seguintes disciplinas: tiro de precisão, ordem unida, educação física militar e legislação militar. Assim, a escola militar preparava os seus alunos para o combate como os soldados gregos treinavam as suas tropas, isto é, com a plenitude do corpo e da mente. Embora muitos aspectos do treinamento policial militar sejam semelhantes aos da instrução civil, existem algumas tarefas e

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habilidades que são únicas para sistemas de armas e combate: as habilidades envolvidas na operação ou reparo de um tanque não são diferentes daquelas associadas com veículos pesados da construção; entretanto, mira e manuseios de munição são claramente militares.

Os manuais de treinamento policial militar enfatizam a importância das habilidades de liderança em todos os níveis de comando. A idéia de liderar é também mais simpática e atraente do que a de administrar, comandar, dirigir ou gerenciar. A obra Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente, de Paulo Roberto Motta (1997, p. 206), evidencia o líder:

[...] o verdadeiro líder se conhece pelos liderados. É através do comprometimento dos liderados, do verdadeiro uso de suas potencialidades, de seus interesses e da satisfação obtidos no alcance de resultados que se sabe que são direcionados por um líder.

Assim, nas instituições de Força Policial, há uma grande variedade de exigências de habilidades nas tarefas militares que inclui uma sensibilidade considerável em relação às diferenças individuais nas atribuições de trabalho. Portanto, teorias de inteligência são importantes por fazer tais atribuições. Além disso, existe uma consciência do significado dos estilos cognitivos e das estratégias de aprendizado, no modelo ou na distribuição de programas de treinamento. Tomada de decisão e resolução de problemas são dois domínios de habilidades que são fundamentais para a maioria dos tipos de tarefas militares.

Muitas dessas tarefas — por envolverem a operação de equipamento, as habilidades sensoriais-motoras e de troubleshooting (localização de defeitos) — são também importantes. Além disso, uma grande parte do conhecimento tático depende de fatos e, por causa disso, habilidades de memória como lembrança, reconhecimento, retenção são fundamentais.

A pedagogia militar enfatiza o aprendizado de domínio das habilidades motoras dos alunos, dando destaque às aulas de tiro policial, educação física militar e equitação, assim como a abordagem de instrução funcional no domínio das habilidades básicas para o desempenho na atividade profissional.

Como já foi dito anteriormente, a Academia de Polícia Militar do Barro Branco é a instituição de ensino superior da Polícia Militar do Estado de São Paulo, responsável pela formação do oficial, que o capacita no desenvolvimento físico, mental e espiritual, prepara-o para participar ativamente da vida social da população. Esse modo de ensinar pode ser identificado na teoria educacional da reprodução, apesar de seus integrantes formadores desconhecerem-na. A “reprodução” consiste em simplesmente reproduzir sem discussão por parte do cadete, impedindo-o de manifestar-se.

A teoria educacional da reprodução que essa escola policial militar vem adotando referem-se às idéias de Ludwig, em sua obra Democracia e ensino militar (1998, p. 25):

[...] a escola enquanto instituição social tem por finalidade preparar a mente e o modo de proceder das pessoas para que elas atendam às exigências do modo de produção capitalista. Isto significa que os alunos dela oriundos devem servir aos interesses dos detentores dos meios de produção, ou seja, devem atender às expectativas das classes dominantes da sociedade.

A Escola de Oficiais tem como objetivo o processo de desenvolvimento interatividade: escola—professor e/ou instrutor—aluno—comunidade, tendo em vista a orientação da atividade das pessoas na relação com o meio social em que irão atuar os futuros oficiais, num determinado contexto de relações sociais, construindo na personalidade do cadete um espírito que converge nos traços das tradições militares e nas diretrizes do direito. Ao adquirir os conhecimentos transmitidos na Escola de Oficiais, o cadete obtém um determinado produto, que é o resultado da ação educacional conforme pressupostos estabelecidos pela instituição, sociedade e política governamental num dado momento.

As tradições enraizadas na Polícia Militar centralizam-se no poder delegado do estado democrático de direito (isto é, poder de preservação da ordem pública, da autoridade policial militar), bem como na sustentabilidade do meio social, dos costumes, leis, preconceitos, crenças, paixões coletivas e tudo o que contribui para determinar a ordem social.

O poder, portanto, não constitui uma propriedade, algo que se possui ou não. A fim de esclarecer sobre a complexa natureza do poder, torna-se necessário recorrer a Foucault (1979), o qual introduz a polêmica idéia de que o poder não existe, rigorosamente falando; o que existem são práticas ou relações de poder, sendo este algo que se exerce, que se efetua, que funciona. Esse autor acrescenta ainda que não se pode explicar inteiramente o poder apenas caracterizando-o por sua função repressiva.

Se poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não, você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente porque ele não pesa como uma força que diz não, mas que de fato permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discursos. Deve- se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir (FOUCAULT, 1979, p. 8).

Voltando para a discussão sobre a teoria educacional da reprodução na Polícia Militar, a educação e a escola da Polícia Militar têm um importante papel na reprodução de conhecimentos quanto à convivência entre os seres humanos, ao trabalho, às instituições, aos movimentos sociais e culturais, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa no exercício da cidadania, juntamente com a Polícia Civil (esta tem a atribuição da persecução penal, isto é, a busca do cidadão que tenha cometido um crime).

A Academia de Polícia Militar do Barro Branco, ao realizar trabalho intelectual, forma a elite dos policiais militares, aquela que instrumentaliza as ações governamentais. Assim, a educação não deveria ser apenas uma reprodução, mas, principalmente, uma produção e adaptação dos conhecimentos e culturas, conhecidos ou adquiridos na Escola de Oficiais e ainda interagidos com as universidades. O conhecimento constitui o marco divisor do poder. Como mostra Foucault, o conhecimento produz principalmente poder e dominação. Porém, a concepção problematizadora da educação, ao contrário, baseia-se em uma outra compreensão da consciência, isto é, no cidadão, respeitando as pessoas, o meio ambiente e a vida.

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 47-52)