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Cidadania e dignidade humana

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 102-106)

CAPÍTULO 3. O LIMITE DA FORÇA E A FORÇA DO LIMITE

3.3. Cidadania e dignidade humana

Cidadania significa a construção livre e voluntária de uma organização social que combina a unidade da lei com a diversidade dos interesses e o respeito pelos direitos fundamentais (TOURAINE, 1996, p. 101).

O conceito de cidadania dá destaque ao caráter não-hierárquico da democracia, em que o poder não é outorgado, mas renovado por livre escolha: a cidadania se faz nas relações sociais estabelecidas por atores sociais, por meio da cooperação e do conflito. Por isso, ao lado do respeito pela lei, que garante a igualdade de direitos, não convém esquecer de enfatizar o valor fundamental da diversidade de interesses, que reconhece o pluralismo das culturas e a expressão dos sujeitos livres. Dessa forma, evitam-se os excessos das revoluções que buscam a democracia à custa da homogeneização do comportamento e das idéias.

Cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos do atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel dos homens no universo (COVRE, 1991, p. 11).

Para que exista a cidadania, o indivíduo deve viver os seus direitos civis, políticos e sociais de forma interligada. Desse modo, a cidadania é a participação do indivíduo na sociedade; não como ente passivo, esperando que o Estado paternalista proveja tudo, mas, sim, como ente ativo, que fiscaliza e cobra do poder público a contrapartida dos seus impostos.

As pessoas são levadas a imaginar que a cidadania está nos direitos a serem usufruídos, relevando os deveres que lhes cobram, omitindo-se de ser participantes do governo. Pensa-se que a cidadania é originária do conceito de “ser cidadão”, por estar em condições de praticar o voto e deixar de lado a interação com seu meio social em busca de soluções aos problemas. A cidadania está relacionada com dignidade humana, participação ativa, conforme afirma Montoro (1993, p. 15-16):

[...] e com base no texto da Declaração Universal de 1948, podemos fixar as linhas de um novo direito social em formação, representado pelo direito que tem cada homem de participar ativamente no processo de desenvolvimento de sua comunidade. Não se trata apenas de receber os benefícios do progresso, mas de ”tomar parte” nas decisões e no esforço para a sua realização. Em lugar de ser tratado como “objeto” das atenções paternalistas dos detentores do poder, o homem passa a ser reconhecido como ”sujeito” e ”agente” no processo do desenvolvimento [...]. A substituição do “paternalismo” pela “participação” é um imperativo da moderna política social. Na medida em que se queira respeitar a dignidade da pessoa humana, é preciso assegurar-lhe o direito de participar ativamente na solução dos problemas que lhe dizem respeito.

Sobre a participação do homem, gerador de cidadania, a Declaração Universal de 1948, nos seus artigos 21 e 27, conceitua:

Art. 21 — Todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. A vontade do povo será a base da autoridade do governo.

Art. 27 — Todo homem tem direito de participar da vida cultural da comunidade (ANISTIA INTERNACIONAL, 1997).

Sobre o assunto, o Manual de Cidadania da Polícia Militar do Estado de São

Paulo (1998, p. 16) preceitua:

Nos Estados democráticos, como o brasileiro, a cidadania vai além do direito de escolha dos governantes ou do poder de ser escolhido governante. A plenitude da cidadania implica uma situação em que cada pessoa possa viver com decência e dignidade, através de direitos e deveres estabelecidos pelas necessidades e responsabilidades do Estado e das pessoas.

Alguns conceitos de cidadania, consoante os dispositivos constitucionais do Estado brasileiro, figuram em sentido muito mais amplo do que aquele em que o indivíduo é apenas o titular de direitos políticos, como estabelece, por exemplo, o Guia de Cidadania e Comunidade (CENTRO DE INTEGRAÇÃO DA CIDADANIA, 1997, p. 18):

A cidadania na dimensão civil, que é o poder que as pessoas

possuem em manifestarem-se para firmar compromissos de natureza privada, como negociar, contratar, fazer testamento, a

cidadania na dimensão política que é o poder pessoal de manifestarem-se para a condução dos negócios públicos, como votar e ser votado, e agora como sendo mais recente e moderno na dimensão social, a qual dá a possibilidade de que as pessoas tenham suas necessidades básicas atendidas e o poder de exigirem que isso aconteça (grifo no original).

O direito à cidadania fica cada vez mais forte perante o conviver com a democracia, em que cada indivíduo procura ocupar seu espaço fazendo valer seus direitos, e também contribuindo com os deveres para a construção de uma sociedade melhor.

Como aparece o termo cidadania no artigo 1º, inciso II da Constituição Federal, também no próprio artigo em seu inciso III, o legislador inseriu a “dignidade da pessoa humana”. A palavra dignidade leva ao entendimento de respeitabilidade, decência, brio e pudor direcionados ao ser humano. O ser humano, com toda a evolução da sua própria história, mais do que nunca chega a esta conclusão: para a sua própria preservação necessita da dignidade. Enquanto os direitos humanos cuidam dos direitos da pessoa (individualmente), a dignidade humana cuida da

espécie no seu todo. O indivíduo pode ter seu direito humano violado, mas nunca a sua dignidade humana.

O artigo 5º, caput, da própria Constituição Federal, define: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. O Estado, por meio da ação de seus servidores policiais militares, não deve descuidar-se da defesa da dignidade humana; as pessoas têm de ser tratadas com respeito, não violando a honra, a intimidade e a vida privada de quem quer que seja, pois, assim, se estará promovendo o artigo 5º da Constituição Federal.

O respeito aos direitos de cada pessoa e à preservação da dignidade humana por parte do Estado devem estar expressos em todos os atos do policial militar — o qual colaborará para a concretização da cidadania, fator primeiro da existência de uma sociedade livre, digna, solidária.

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 102-106)