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Alguns aspectos históricos da origem da polícia no Brasil

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 30-35)

CAPÍTULO 1. HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO

1.1. Alguns aspectos históricos da origem da polícia no Brasil

Com a vinda da família real para o Brasil, tornou-se necessária uma organização militar para a proteção do território e da nobreza, instituindo-se, assim, o primeiro grupo militar do Brasil-Colônia: o Exército real formado por oficiais portugueses e praças brasileiros.

Por ordem do regente Padre Feijó, em 1831, determinou-se a criação de uma Força Policial organizada para conter as revoluções instauradas nessa época. O governador da Província de São Paulo, o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, diante do expediente do regente, criou, em 15 de dezembro de 1831, o Corpo Policial Permanente, composto por cem homens da infantaria e trinta homens da cavalaria (que, mais tarde, seria a Polícia Militar). Apesar de não terem qualquer instrução, esses homens tinham sido escolhidos para dar conta das guerras internas no Brasil; eram pessoas pobres da população que buscavam a sobrevivência, esperando receber somente um cavalo, uma sela, armas e uma porção de sal. Com as conquistas nas revoltas do Período Regencial, levavam o que podiam quando retornavam a São Paulo.

No período de 1831 a 1889, o Corpo Policial Permanente era utilizado somente para conter as guerras civis e para capturar escravos. Os latifundiários eram os comandantes das comunidades — isto é, os coronéis que pagavam seus soldados com uma porção de sal. Desse modo, o Corpo Policial fora criado somente para a classe dominante, sendo um aparelho de repressão do Estado.

Jorge Tibiriçá, presidente do Estado de São Paulo eleito em 1904, após ter estudado na França, determinou um treinamento para a Força Policial por meio da melhor escola daquela época. Em 21 de março de 1906, o governo contratou profissionais da École Spéciale Militaire de Saint-Cyr, ou seja, um tenente e um sargento dessa escola especial militar francesa, cuja função era reorganizar e treinar a Força Policial.

O ano de 1906 foi marcado por grandes transformações tanto no que diz respeito ao ensino como ao material bélico ou às tradições. A farda de gala utilizada pelos cadetes da Academia de Polícia Militar do Barro Branco é, até hoje, idêntica ao do militar francês e o quartel do primeiro batalhão de choque, localizado na Avenida Tiradentes, é uma réplica do quartel francês localizado no Norte da África.

Os franceses eram os militares que se encarregavam de toda a segurança, interna e externa, sem nenhuma divisão de função. Apenas eram conhecidos como "marechais" os militares encarregados pelo rei de patrulhar e defender a população contra salteadores de estrada, comuns na época. A força comandada pelos "marechais" era chamada de "marechausée", que poderia ser traduzida por "marechaleza" ou “atividade de marechal”. Até o Iluminismo do século XVIII, foi esse o quadro da segurança interna francesa.

Dessa forma, conclui-se que a herança da doutrina escolar em São Paulo origina-se da milícia francesa; pois, o treinamento transmitido pelos franceses transformou a milícia em um verdadeiro Exército paulista. A Força Policial, em 15 de dezembro de 1906, demonstrou evoluções de esgrima baioneta, ordem unida e o bailado militar francês Jevi lepon, criado por Napoleão para que sua tropa esquentasse nos territórios gelados dos campos de batalha.

O treinamento da Força Policial de São Paulo, com a utilização dos métodos adotados pelos Exércitos mais bem adestrados da época, tornou-se assunto nacional. O preparo militar, que incluía a guarda urbana e o corpo de bombeiros, levou a imprensa a indagar sobre quais eram as intenções do governo em adestrar a Força Pública.

O nome Força Pública foi utilizado até 1969, quando a instituição se fundiu com a Guarda Civil. Sua denominação decorrera da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a qual atribuiu à Força Pública a garantia dos direitos do cidadão, conforme artigo 12.

A garantia dos Direitos do Homem e do Cidadão necessita de uma força pública; por conseguinte, esta força fica instituída para o benefício de todos, e não para a utilidade particular daqueles a quem ela for confiada (DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789, 2005).

O presidente do Estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá — que determinaria a violenta repressão de 1905 — desde logo manifestou o desejo de reorganizar a Polícia Militar, modernizando-a em todos os sentidos e procurando dar-lhe características de um verdadeiro Exército. Filho de um paulista e uma francesa, tendo ele próprio estudado na França, na Suíça e na Alemanha, achou que o melhor caminho para atingir aquele objetivo seria a contratação de uma missão militar européia que orientasse o reaparelhamento da Força Pública, conforme foi apresentado anteriormente.

Dando conta do treinamento da Força Pública com base nas origens dos ensinamentos franceses, a instituição iniciou sua aprendizagem na máxima da disciplina castrense6 na defesa do Estado. Ela se expressava na imposição legítima

e dissimulada, com a interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações sociais: o dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe como vítima desse processo; ao contrário, o oprimido considera a situação natural e inevitável (BOURDIEU; PASSERON, 1992).

A Missão Francesa — que fora contratada, inicialmente, para um período de dois anos — acabou permanecendo em São Paulo de 21 de março de 1906 até 4 de agosto de 1914, quando, com a eclosão da guerra entre a França e a Alemanha, teve de regressar ao seu país para participar da luta.

O ano de 1906 foi marcado por grandes transformações tanto no que diz respeito ao ensino como ao material bélico ou às tradições. A farda de gala utilizada pelos cadetes da Academia de Polícia Militar do Barro Branco é, até hoje, idêntica ao do militar francês e o quartel do primeiro batalhão de choque, localizado na Avenida Tiradentes, é uma réplica do quartel francês localizado no Norte da África.

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Os franceses eram os militares que se encarregavam de toda a segurança, interna e externa, sem nenhuma divisão de função. Apenas eram conhecidos como "marechais" os militares encarregados pelo rei de patrulhar e defender a população contra salteadores de estrada, comuns na época. A força comandada pelos "marechais" era chamada de "marechausée", que poderia ser traduzida por "marechaleza" ou “atividade de marechal”. Até o Iluminismo do século XVIII, foi esse o quadro da segurança interna francesa. Do exposto, conclui-se que a herança da doutrina escolar em São Paulo origina-se da milícia francesa.

Após todos esses anos de treinamento, a Força Policial de São Paulo já ostentava um alto padrão de organização e disciplina, constituindo-se em poderoso instrumento de defesa e de repressão, em que os governos se apoiariam legalmente, embora nem sempre com a preocupação primordial de defesa do interesse público.

Para manter esses profissionais em um estado de controle tolerável, no entanto, surgiram os regulamentos disciplinares permanentes e os cadernos de condutas dos alunos, que seriam comentados na legislação da Escola de Oficiais. Os rigores disciplinares passaram a abranger toda a gama do comportamento do soldado, em combate e também em sua vida de guarnição. As punições disciplinares eram similares às da maioria dos Exércitos europeus, sendo as mais comuns: o enforcamento, o fuzilamento7, a chibata, a prisão8, o cavalo9 e o corredor

polonês10.

Caio Prado Júnior, na obra História econômica do Brasil, relata que a Força Pública agiu para desencorajar a utilização de grupos armados particulares. Em face da repercussão negativa de maus-tratos sofridos pelos imigrantes estrangeiros nas fazendas paulistas, no fim do século XIX — que obtinham inclusive o apoio das

7 Fuzilamento: a pena de morte, proibida no Brasil, era aplicada aos militares em tempo de guerra

declarada, conforme o código de processo penal militar.

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Prisão: o punido ficava preso durante quinze dias, sendo que nos três primeiros e nos três últimos ficava sem pão e água.

9 Cavalo: consistia em manter o punido sentado sobre um cavalo de madeira, cujo dorso era formado

por duas pranchas de madeira em ângulo agudo. A punição durava mais que um dia, acorrentando-se aos pés do infrator mosquetes ou outros pesos, para aumentar seu desconforto.

10 Corredor polonês: formavam-se duas fileiras e os soldados, um de frente para o outro, seguravam

um objeto (como, por exemplo, cinto) para que, quando o punido passasse, pudessem bater-lhe nas costas.

milícias —, os governos federal e estadual adotaram uma série de providências para protegê-los, conformando-se os fazendeiros, embora de má vontade, com a exigência de tratamento melhor (PRADO JÚNIOR, 1949, p. 223-224).

Em 1932, a Força Pública, pequeno Exército paulista, foi derrotada pelas tropas do governo federal e ficou sem as principais conquistas, isto é, a Escola de Aviação, o Posto de General, o Campo de Marte e o Quartel do Parque Dom Pedro. E para o comando da Força Pública foi indicado um coronel do Exército brasileiro.

O movimento armado levantou o Estado de São Paulo pela reconstitucionalização do país, que permanecera no regime de exceção desde outubro de 1930; pois havia insatisfações com as pesadas tributações e discriminações políticas que lhe eram impostas pelo governo federal central. São Paulo, portanto, em 9 de julho de 1932, rompeu os laços com o presidente da República, instaurando a revolução para a formação de uma nova Constituição.

Apesar de conturbar a vida interna da nação até 1o de outubro, o movimento

teve a seu crédito a instalação da Assembléia Constituinte em 1933 e a promulgação da Constituição no ano seguinte.

O governo interventor, no entanto, revogou punições que haviam sido impostas aos componentes da Força Pública por haverem participado do movimento de 1932, além de rever o regulamento da corporação, eliminando dispositivos que previam punições excessivamente severas.

A Polícia Militar do Estado de São Paulo, ainda nos dias atuais, preserva a tradição de comemorar o 9 de julho. A cavalaria de São Paulo tem o seu nome: Regimento de Cavalaria 9 de Julho. Na Praça do Obelisco, símbolo da espada enfiada no coração da cidade pela morte de seus entes, comemora-se com um desfile e com o uniforme da Força Pública da época de 1932.

Em 2 de julho de 1969, a Força Pública e a Guarda Civil foram extintas e os efetivos passaram a denominar-se Polícia Militar do Estado de São Paulo, aumentando o contingente em 70%. Ficou estabelecido, por meio do Decreto-lei no

667 do governo federal, o controle e a coordenação do Ministério do Exército, sendo o comando exercido por um oficial superior do serviço ativo do Exército. O Governo da Junta Militar reorganizou as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros, estabelecendo que ambas fossem auxiliares e reserva do Exército, o que determinou a forma de sua organização militar.

A Polícia Militar, portanto, estava se preparando para o conflito que viria a acontecer durante vinte anos e que deixaria marcas pelo resto de sua história. Nesse período, os integrantes da Polícia Militar estudavam guerrilha e contra- guerrilha, guerra na selva e tática de guerrilha urbana.

Houve um fato que, até hoje, é lembrado na Polícia Militar: o tenente Alberto Mendes Júnior, que foi morto de forma brutal por um ex-integrante do Exército brasileiro. Esse jovem oficial foi convocado para deslocar sua tropa do primeiro batalhão de choque até o Vale do Ribeira onde estava o capitão do Exército, Lamarca. Após tomar a tropa de assalto numa estrada, Lamarca determinou a apresentação do comandante da tropa e um sargento se apresentou, mas Alberto Mendes Júnior assumiu a condição de refém no lugar do sargento. Dias depois, o jovem tenente foi morto pelo bando do guerrilheiro Lamarca. Este, no entanto, foi executado tempos depois pelas tropas do Exército no Nordeste.

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 30-35)