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O sujeito cultural na civilização contemporânea

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 72-78)

CAPÍTULO 1. HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO

2.3. O sujeito cultural na civilização contemporânea

O sujeito é o resultado da produção histórica da cultura; o elemento sujeito originou-se nos séculos XIV e XV europeus (centro matricial considerado como elemento da cultura).

A concepção medieval de escola possui em sua essência uma construção de poder numa autoridade divina. A autoridade está por trás dessa reconfiguração cultural (isto é, da dominação dos povos), sendo que o rei deve escrever a lei. Em

vista disso, ele conquista o mundo, territórios, animais, enfim, faz uma conquista européia cujo “eu” perpassa a ordem religiosa, militar e política, e é muito específico: “ ‘Eu’ colonizo, conquisto e domino”. O rei impõe uma dominação cultural sem pedir permissão, e o mundo está arquitetado de forma matematicamente a ser por ele conquistado.

Existe uma individualidade do “eu” que apresenta uma expressividade manifesta na arte, na literatura. A arte sacra representa as idéias do divino, negando a humanização, paganizando a materialidade do mundo. A literatura encontra, nas vielas medievais, os grupos de menestréis fazendo cantiga de amor. O amor humano era descabido, os menestréis cantavam a mulher amada. A cantiga de amor era um sujeito “eu” radical (conforme se pode perceber na tragédia de Romeu e Julieta), contrapondo-se ao amor que deveria ser divino; assim, Romeu e Julieta são as rupturas da liberdade e da ordem social apresentadas na tragédia, pois não há solução.

Com Lutero, o homem repeliu a autoridade do papa e da Igreja, e todo crente teve de negociar com Deus: “Abra a Bíblia e coloque-se à disposição de Deus para que Ele o salve”. Calvino inverte essa lógica: “Se Deus já marcou seus eleitos, deve apontá-los”. Descartes sugere a lógica fundamentada do mundo com “Eu penso, logo existo” e, por fim, Freud afirma que o sujeito tem um pulsar de “Tânatos” e de “Eros”, cuja energia deve ser canalizada, trabalhada, dialogada na busca do equilíbrio existencial (FREUD, 1997b).

Quanto à cultura, esta também pode ser definida como todo conjunto etnográfico que, do ponto de vista da pesquisa, apresenta, em relação à outra, distância significativa (LÉVI-STRAUSS, 1996). Um sujeito psíquico é um sujeito cultural. Freud foi um pensador da cultura. A cultura de massas gerada pela mídia apresenta-se como uma matriz do sujeito diante da cultura. Já a imagem da escola fica como pano de fundo frente à cultura de massa.

Do mesmo modo, Jean-Claude Forquin define “cultura”, em Escola e cultura, como conjunto de conhecimento, capacidade de avaliação e poder de escapar do mero presente. Por isso, o homem torna-se humano por meio do convívio social. As

tradições da sociedade — com os costumes, a disciplina, os valores, as crenças, as normas, os objetos e o conhecimento — serão transmitidas no espaço escolar.

Segundo Olivier Reboul (apud FORQUIN, 1993, p.12), a educação é “[...] conjunto dos processos e dos procedimentos que permitem à criança humana chegar ao estado de cultura, a cultura sendo o que distingue o homem do animal”.

O movimento de ruptura tem início com a autonomia do real e do espírito humano. A autonomia constitui a libertação da pessoa para conhecer sua própria existência como ser humano. Com Adam Smith, a origem da riqueza é o trabalho. Karl Marx rebate dizendo que o trabalho está na produção do homem. Em A ética

protestante e o espírito do capitalismo, Max Weber (1967) estabelece a relação

entre o protestantismo e a origem do capitalismo.

Na razão humana, com a luz vai sendo construída a história. A razão se manifesta como controle e autocontrole. Augusto Comte estabelece o positivismo nas relações humanas. Hegel chega a afirmar a hipótese da razão da construção. Marx estabelece que o consciente humano não é um produto de si mesmo. Não é a consciência que produz o mundo; ao contrário, são as matérias e as economias sociais é que são travadas para sobrevivência. A razão se constrói na produção, na luta pela sobrevivência.

Como o espírito humano se desenvolve? Hegel responde: pela disputa da sobrevivência. O indivíduo que não se desenvolve deve produzir. Marx traz a crítica da uniabilidade do ser. A história não se desenvolve aleatoriamente, mas por meio da intervenção da produção humana.

Em Darwin, reverte-se a presunção da razão sobre a hipótese da razão da construção. Deve-se tirar o Deus da razão, porque a idéia da razão foi produzida pela humanidade. Ele conclui que os seres constroem para sua produção. A razão, conjunto de potencialidade, não tem possibilidade de desabrochar. Marx, em sua hipótese, destrói a razão dos deuses. A solução da razão pode ser irracional. Quando a razão produz uma bomba para tirar a pedra, há solução, mas quando a

bomba tem sua racionalidade na destruição da humanidade, tem-se a irracionalidade.

Freud apresenta a razão como movida pela irracionalidade. O principal da energia humana não vem da luz, mas do inconsciente, vindo em forma de codificação. A civilização se apresenta como se fosse o produto da razoabilidade das forças que movem as pessoas.

A reconfiguração da razão conduzirá a história e o desenvolvimento do espírito. O espírito encontra-se consigo mesmo; retoma o mito helenista existindo a história humana; e é criação do novo. Em Hegel, a história projeta-se pela negatividade. Em Darwin, o homem é apresentado negativamente como um fruto mitológico, sendo imagem e semelhança dos primatas superiores.

O sonho da cultura freudiana é movido de ciência. A razão é endeusamento de uma outra coisa. As formigas, as abelhas e outros animais chegaram ao ponto de equilíbrio. O homem talvez tenha chegado a isso; no entanto, a psique veio a gerar o desequilíbrio social. Ele pensa a realidade psíquica, os egos e as tensões sexuais.

No caso desta pesquisa, o ego, em que se desenvolve a imagem idealizada do professor, do instrutor e do superior, constitui-se em agente crítico, visto todas as características de severidade e proibições que o cadete atribui aos instrutores. Dessa forma, se desenvolve a tensão, o motor principal do prazer (conforme estudo freudiano datado de 1920).

Freud diz não ser bem o princípio do prazer, no entanto; a energia que o move que é difusa e ele a denomina de libido, isto é, a energia humana. A libido é entendida pelo Tânatos e pelo Eros, sendo, portanto, o sentimento de morte e vida respectivamente. A lucidez cobra um preço muito alto por seus atos. O caminho da lucidez é muito difícil, tendo sido visto como o olhar da verdade.

A religião seria a neurose obsessiva da coletividade humana. Seria proveniente do Complexo de Édipo na relação com seu pai. Conforme essa teoria, é preciso supor que o abandono da religião se cumprirá com toda a inexorável

fatalidade de um processo de crescimento e, atualmente, já se encontra nessa fase de evolução. Como não se pode dispensar as medidas paliativas, essas medidas, derivativas poderosas e satisfatórias, são construções conquistadas por ilusão.

A religião leva ao oceano eterno. Ela recupera as pessoas dos cárceres, dos hospícios e das escolas. A vida é árdua. Seria necessário o ópio para suportar a existência profana. Dessa forma, Freud afirma (1997b, p. 23): “[...] a religião é capaz de resolver a questão do propósito da vida. Dificilmente incorreremos em erro ao concluirmos que a idéia de a vida possuir um propósito se forma e desmorona com o sistema religioso”.

O princípio do prazer não é fundamental, mas a felicidade conduz ao prazer. Seguindo as palavras de Freud (1997b, p. 24):

Não pode haver dúvida sobre sua eficácia, ainda que o seu programa se encontre em desacordo com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo quanto com o microcosmo. Não há possibilidade alguma de ele ser executado: todas as normas do universo são-lhe contrárias. Ficamos inclinados a dizer que a intenção de que o homem seja “feliz” não se acha incluída no plano da “Criação”. O que chamamos de felicidade no sentido mais restrito provém da satisfação (de preferência, repentina) de necessidades represadas em alto grau, sendo, por sua natureza, possível apenas como uma manifestação episódica. [...] princípio do prazer se prolonga, ela produz tão-somente um sentimento de contentamento muito tênue.

O sofrimento é o lugar em que se coloca o mal-estar. A dor é encontrada pelas pessoas por conta de trocarem sua liberdade pela segurança na vida civilizada. Assim sendo, tem-se o corpo estabelecido com a ansiedade do envelhecer e a espera de chegar à morte.

Com os mundos externos, opondo-se ao sentimento oceânico, construíram-se os amargos da vida pela falta de conforto e tranqüilidade dentro da atmosfera natural. O relacionamento com os outros homens sugere o desejo de morte, de ofensa e de vileza contra o humano. Por sua vez, deve-se negociar o princípio do prazer para alcançar a felicidade. Segundo Sigmund Freud (1997b, p. 25), “[...] significa colocar o gozo antes da cautela, acarretando logo o seu próprio castigo”.

Continuando a tratar o princípio do prazer, Freud (1997b, p. 26) diz que “[...] a felicidade passível de ser conseguida através desse método é, como vemos, a felicidade da quietude”. A cultura contemporânea conta com a promessa da felicidade. O sujeito investe na sua cultura, a fim de receber a felicidade.

A cultura não tem como satisfazer isso, ao passo que ela negocia para entregar uma ilusão, isto é, o adiamento do bem-estar. Os sujeitos investem no jogo, mas este, em construção, é falso. O propósito das pessoas é ser feliz no corpo, na natureza e com os outros. A lucidez do indivíduo, segundo Freud, constitui-se em salvar-se à sua própria maneira de ser feliz:

A felicidade, no reduzido sentido em que a reconhecemos como possível, constitui um problema da economia da libido do indivíduo. Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo (FREUD, 1997b, p. 33).

O ser humano está em uma cultura abalada porque os sujeitos se apresentam como projeto. A existência precede a essência. A essência desequilibrada é que descontrola tudo. Como fazer para ingressar na diversidade da cultura? O ser humano, em sua essência, constitui como inimigos da felicidade o mundo externo da sua existência do corpo e o da alteridade. Desse modo, como formar oficiais na diversidade da cultura contemporânea?

A ambivalência está amarrada em toda a cultura contemporânea. Os seres humanos são animais sociais; assim precisariam e trairiam uma ruptura dos desejos humanos. O desejo leva um indivíduo a ir contra o outro e este quer levar aquele indivíduo a um conflito existencial. O desejo não tem felicidade. Se por um lado a humanidade está condenada a ser livre; por outro, ela tem desejo e este a leva onde não pode ter desejo.

O ser de desejo é livre, mas, não alcançando o seu destino, cria-se o mal- estar pela impotência humana. Assim sendo, não se pode viver a não ser na civilização com os seguintes princípios: ordem kantiana; limpeza e beleza.

Se o ser humano quiser viver em uma civilização, deve ser neurótico, possuindo a libido humana. Esta, segundo Sigmund Freud, constitui a energia vital

contendo o Tânatos e o Eros. Tânatos é a energia da morte, da desagregação, da desordem, da sujeira, da feiúra, enfim tudo contra o equilíbrio da existência humana. Eros é a energia do amor, da felicidade, da harmonia, da ordem, da pureza, da limpeza, da agregação, da fusão, enfim do equilíbrio da convivência humana.

A mente humana não parte diretamente pelo abstrato, pois passa pelo concreto para ser representada. Assim, tem-se o diabo, diábolos (que significa a fragmentação da remessa para qualquer lado), bem como os rituais Tânatos e Eros na escola. Os professores cultivam isso no espaço educacional. Entretanto, na Escola de Oficiais, o currículo forma a energia da violência, do ódio, enfim, o Tânatos.

A idéia da polis na cultura da civilização é representada pelo Eros. O reino do Eros está em crise, pois há o aumento da agressividade das culturas da descontinuidade. A ambivalência está presente em todas as suas civilizações. Assim, Freud construiu sua tese central na qual a segurança dá ao indivíduo a cultura crescente, dando a Eros e a Tânatos o desequilíbrio.

A existência humana do histórico cria os homens e as mulheres para viverem em uma sociedade em conflito, complexa, diversificada e em busca da felicidade. Os desejos pela felicidade levam a humanidade aos alcances de onde não pode chegar. E é por onde passa o agente de defesa do cidadão nessa sociedade.

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 72-78)