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O tempo das tribos

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 83-88)

CAPÍTULO 1. HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO

2.6. O tempo das tribos

Michel Maffesoli (1987) destaca o neotribalismo como uma das características da pós-modernidade. Pretende-se, dessa forma, mostrar como Maffesoli introduz a nova concepção de sociabilidade das tribos, mas apoiada nos clássicos da Sociologia.

Foucault (2002) considera que as situações enfrentadas atualmente, como regimes de poder que se pretendem necessários e historicamente determinados,

não são resultados de um destino inevitável, mas de invenções humanas em contextos históricos específicos. Dessa forma, pode-se estar criando novas relações de poder que irão controlar a humanidade de maneira que ela será incapaz de prever. Existe também uma outra vertente, na qual se inclui Michel Maffesoli, que trata a pós-modernidade como um novo paradigma, tentando não sugerir rupturas nem radicalização, mas sim uma reorganização de valores, idéias, visões de mundo, que são provenientes da modernidade.

Dessa maneira, o currículo na formação dos agentes de defesa do cidadão constitui um instrumento fundamental para a qualificação dos padrões de atuação da Polícia Militar na pós-modernidade, devendo apresentar os eixos articuladores.

Os eixos articuladores devem orientar o conjunto da formulação, da implementação e da avaliação das atividades da formação e do ensino em Segurança Pública. Utiliza-se, nesta pesquisa, a expressão eixo de articuladores pelo caráter amplo, abrangente, interdisciplinar17 e complexo da discussão que

engendram, mesmo quando abordados em contextos específicos e de aprendizagem, que constituem a base para a elaboração de áreas temáticas, permeando as diferentes disciplinas, seus objetivos, conteúdos e orientações.

Esses eixos foram definidos por sua pertinência curricular — resultado da análise das entrevistas, da pesquisa de campo e da experiência do pesquisador. Eles ensejam uma concepção dinâmica do trabalho em segurança pública, a partir do questionamento das posições assumidas nos diferentes papéis que desempenham na sociedade, consciente de que esta se produz e reproduz, que articula a questão de defesa social, na forma de discursos e práticas diferenciadas.

Os eixos articuladores estão, portanto, relacionados a seguir: • o sujeito e as interações no contexto da defesa do cidadão; • sociedade, poder, Estado, espaço público e defesa social; • ética, cidadania, direitos humanos e defesa social;

17 A interdisciplinaridade consolida-se na ousadia da busca, de uma busca que é sempre pergunta, ou

melhor, pesquisa (FAZENDA, 1994, p. 9).

• diversidade, conflitos e defesa social.

Retoma-se aqui a concepção de modernidade de Michel Maffesoli (1987), que se refere aos tempos de tribos (isto é, da sociabilidade das tribos) e à importância desse conhecimento na atividade do profissional de segurança do cidadão.

Maffesoli (1987) defende a tese de que a humanidade está entrando em um novo paradigma cultural, deixando para trás os traços da chamada modernidade, em que se destacaram a estrutura mecânica, a organização econômica e política, os indivíduos e os grupos contratuais. Vive-se num contexto de mudanças vertiginosas, no qual se percebem que novas formas de sociabilidade estão emergindo. Nesse contexto, os agentes de defesa do cidadão são responsáveis por acompanhar essas inovações para proteger as pessoas com dignidade e respeito.

Esse autor (MAFFESOLI, 1987) indica que, neste novo paradigma, pontua-se o fim de uma lógica individualista típica da modernidade, de um “eu” fechado sobre si mesmo. Segundo ele, os seres humanos estariam caminhando em direção à

persona e à multiplicidade de papéis e máscaras, em que a pessoa só existe como

papel ou máscara usada em dado momento ou situação. Dessa forma, na pós- modernidade, assiste-se à substituição de um social racionalizado por uma sociedade com dominante empática.

Essa nova sociabilidade diz respeito ao tribalismo que está se tornando, nos grandes centros urbanos, um dos maiores expoentes dessas alterações nas relações sociais pelas quais a humanidade está passando. Tribos bastante diferenciadas — como punks, surfistas, skinheads, torcedores de time de futebol, sambistas, grupos de raps, darks ou vegetarianos — são exemplos desses grupos que se caracterizam pela pulsão de estarem juntos, que se reúnem de acordo com suas afinidades e seus interesses no momento e que não têm outra finalidade a não ser reunir-se.

Diante do surgimento desse tribalismo, cabe à Polícia Militar, responsável pela preservação da ordem pública, identificar os grupos e conhecê-los, porque a

convivência no espaço público é fundamental no estado democrático de direito e nas formas de sociabilidade.

Na modernidade, prevaleceu uma lógica racional binária de separação, em que há o determinismo absoluto, em que se vê tudo compartimentado: alma ou corpo, razão ou magia, bem ou mal, vida ou morte, ordem ou desordem, polícia ou bandido. Por sua vez, as idéias de progresso, racionalismo e vitória do homem sobre a natureza exerceram todo o seu encanto sobre a mentalidade do século XX. Assim, poderiam ser encontrados remédios para a vida social, tendo como diferentes instâncias da vida social e seu papel na organização social: a educação, a família e a religião.

Nesse novo paradigma da pós-modernidade, verifica-se, porém, uma crescente saturação desse modelo racional. A lógica irracional e complexa da pós- modernidade está estruturada na verdade relativa e está fundada no “e”: religião e ciência, corpo e mente, polícia e sociedade, policial e cidadão, professor e aluno, dignidade humana e cidadania, escola e sociedade, aluno e cidadão. Em outras palavras, na pós-modernidade, a lógica racional não se reduz mais a uma binaridade, mas a uma conjuração que introduz a humanidade numa espiral sem fim. Portanto, os seres humanos estarão aptos a unir, contextualizar, globalizar, mas ao mesmo tempo a reconhecer o singular, o simples, bem como, o cidadão, o policial, o instrutor, o aluno, o cadete.

Os agentes de defesa social do cidadão, portanto, devem compreender as intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam certas situações sociais. A abordagem de subjetividade da pessoa tem reconhecimento nas ações singulares e individuais, cabendo ao Estado perceber e procurar as causas para desvendá-las. O tipo ideal não é um modelo a ser alcançado nem um acontecimento observacional, mas é uma construção do pensamento, uma lupa que auxilia na pesquisa, devendo ter profundidade e largura na análise.

Para Maffesoli (1987), a sociedade contemporânea é constituída de diversos tribalismos: religiosos, esportivos, hedonistas, musicais, tecnológicos, policiais, etc. Ele utiliza o termo tribalismo pós-moderno, definindo esse neotribalismo como uma

“comunidade emocional” ou “nebulosa afetiva” em oposição ao modelo de organização racional típica da sociedade moderna.

Nas tribos, o ethos comunitário é designado pelo conjunto de expressões que remete a uma subjetividade comum, a uma paixão partilhada. A adesão a esses grupamentos é sempre fugaz, não há um objetivo concreto para esses encontros que possa assegurar a sua continuidade. Trata-se apenas de redes de amizade pontuais que se reúnem ritualisticamente com a função exclusiva de reafirmar o sentimento que um dado grupo tem de si mesmo.

Maffesoli (1987) aponta que a comunidade aberta e a emoção partilhada é que suscitam a multiplicidade de grupos que chegam a constituir uma forma de laço social bem sólido. Esse autor ainda afirma que o neotribalismo é uma constatação empírica, ou seja, as pessoas estão se reagrupando em microtribos e buscando novas formas de solidariedade, que não são encontradas necessariamente nas grandes instituições sociais habituais.

O tribalismo refere-se, conseqüentemente, a uma vontade de “estar junto”, e o que importa é o compartilhamento de emoções em comum. Isso vai compor uma “cultura do sentimento”, formada por relações tácteis, por formas coletivas de empatia, sendo que essa cultura do sentimento tem como única preocupação o presente vivido coletivamente.

O neotribalismo exprime a sociedade fundante da atualidade, na qual ocorre um vaivém constante entre a massificação crescente e o desenvolvimento de microgrupos com idéias comunitárias, que se acreditava terem sido ultrapassados. Dessa forma, no período de desencantamento do mundo, a humanidade estaria vivendo um reencantamento do mundo, cujo cimento principal da sociedade é uma emoção ou sensibilidade vivida em comum, os neotribalistas (MAFFESOLI, 1987).

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 83-88)