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Um dia na caserna

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 56-59)

CAPÍTULO 1. HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO

1.8. Atividades do aluno da APMBB

1.8.1. Um dia na caserna

O aluno da APMBB inicia sua atividade às cinco horas e trinta minutos aos sons da corneta e aos gritos do aluno na função de plantão de dia no corredor, abrindo a porta e gritando: “Alvorada”. Alguns alunos provavelmente já estão de pé prontos para realizar sua higiene pessoal matinal, e outros, ainda sonolentos, deixam-se ficar deitados na cama ou sentados nelas.

No entanto, quando aparecem os alunos de dia à companhia para verificar se todos estão de pé, caso surpreendam os alunos deitados ou sentados estes receberão uma anotação no caderno de conduta por não terem se levantado após o toque de corneta. Esse aluno de dia à companhia é o instrumento de fiscalização, de controle, sendo superior aos demais alunos dentro do princípio hierárquico. Segundo Foucault (1987, p. 126), “[...] as disciplinas, organizando as ‘celas’, os ‘lugares’ e as ‘fileiras’ criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos”.

Com a barba bem feita e sem bigodes, devidamente fardados, os alunos se dirigem ao pátio interno, chamado de Capitão Alberto Mendes Júnior, colocam-se um atrás do outro em coluna de três, formando, assim, um pelotão de trinta ou trinta e cinco alunos correspondentes a uma sala de aula em sua postura miliciana para serem examinados (depois do café) minuciosamente: o uniforme, o cabelo e o adestramento do comanda de ordem unida.

O chefe de turma (aluno responsável pela sala de aula) confere a presença de todos e comunica ao aluno de dia à companhia, ficando autorizado a deslocar o pelotão até o refeitório para tomar café matinal, pois recusar a alimentação constitui anotação em caderno de conduta disciplinar.

Após o café da manhã, os alunos vão aos alojamentos para arrumar as camas e alinhá-las, formando uma reta; limpar os armários; fazer as barbas; passar a farda

e engraxar os sapatos para ficarem impecáveis na revista matinal onde serão inspecionados pelos oficiais.

O aluno responsável pela limpeza do alojamento, naquela semana, faz a última limpeza no dormitório, pois se forem fiscalizados pelos oficiais comandantes de pelotão poderão ser anotados em caderno de conduta por alojamento sujo.

Os alunos dirigem-se ao pátio interno, posicionando-se na forma de pelotão, ficando o chefe de turma no comando para verificar se todos se encontram presentes, bem como o destino dos ausentes. O chefe de turma verifica a presença de todos e comanda: “Pelotão, sentido”, deslocando-se ao aluno na função de comandante de companhia, dizendo: “Aluno fulano de tal, chefe de turma do pelotão tal, com ou sem novidades”. O comandante de companhia responde ao chefe de turma: “Apresentado”.

Logo em seguida, os comandantes de companhia, unidade do batalhão, apresentam-se ao aluno na função do comandante de batalhão, passando as novidades, isto é, o número de alunos ausentes. Concluída toda a solenidade de conferência, o aluno na função de comandante de batalhão comanda a escola: “Escola, ao meu comando, sentido, descansar”. Segundo Foucault (1987, p. 138),

A unidade — regimento, batalhão, seção, mais tarde “divisão” — torna-se uma espécie de máquina de peças múltiplas que se deslocam em relação umas às outras para chegar a uma configuração e obter um resultado específico. As razões dessa mudança? Algumas são econômicas: tornar útil cada indivíduo e rentável a formação, a manutenção, o armamento das tropas; dar a cada soldado unidade preciosa, um máximo de eficiência.

Enquanto os alunos fazem a conferência dos demais, verificando o resultado do destino dos ausentes, os oficiais (tenentes e capitães) da Academia de Polícia Militar do Barro Branco fazem a vistoria dos uniformes, cabelos, barbas e sapatos, assim como verificam se os alunos estão se mexendo, conversando, brincando ou em posição de displicência para poder anotá-los em caderno de conduta.

O coronel da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, o tenente-coronel e o tenente-coronel comandante da Escola de Oficiais aparecem e os alunos ficam em posição de sentido para prestar continência. O aluno na função de comandante de batalhão desloca-se ao coronel, prestando sinais de respeitos militares, como também dizendo: “Aluno oficial tal apresento à vossa senhoria a Escola de Oficiais com tantos alunos ausentes”. O coronel responde à continência e autoriza o prosseguimento da apresentação.

A cerimônia de desfile matinal constitui, assim, o coroamento do exame da disciplina do cadete. Foucault (1987, p. 156) explica:

[...] trazia consigo qualquer coisa da consagração do coroamento, do retorno da vitória; até mesmo os faustos funerários se desenrolavam no brilho do poderio exibido. Já a disciplina tem seu próprio tipo de cerimônia. Não é o triunfo, é a revista, é a “parada”, forma faustosa do exame.

Dessa forma, os alunos tornam-se disciplinados “súditos” e “corpos dóceis” na revista matinal para apresentar ao comandante da APMBB os cadetes bem adestrados. Ao centro, o coronel fiscaliza os alunos oficiais e na observação de um poder que se manifesta no olhar. Foucault (1987, p. 158) conclui:

[...] os súditos são aí oferecidos como “objetos” à observação de um poder que só se manifesta pelo olhar. Não recebem diretamente a imagem do poderio soberano; apenas mostram seus efeitos — e por assim dizer um baixo relevo — sobre seus corpos tornados exatamente legíveis e dóceis.

O aluno oficial retorna ao centro do pátio, determina à escola para descansar. O comandante da APMBB profere algumas palavras aos alunos sobre acontecimentos policiais militares, políticos e sociais de interesse geral.

O aluno na função de comandante de batalhão determina, após a contagem de três canções militares, relacionadas anteriormente e publicadas em celotex, para

serem executadas pelos cadetes. Logo após a canção, o comandante de batalhão pede autorização ao coronel para deslocar a tropa e dar início ao desfile. Segundo Foucault (1987, p. 140) diz: “[...] os alunos mais velhos têm as tarefas de simples fiscalização, depois de controle do trabalho, em seguida, de ensino; e então no fim das contas, todo o tempo o aluno estava ocupado seja ensinando seja aprendendo”.

Os alunos passam em colunas de três, um atrás do outro, em um andar marcial, e levantando o pé o máximo que puder, olhando para o coronel num giro de cabeça rápido e com energia. Nesse momento, os oficiais da APMBB observam os melhores pelotões, aqueles que desfilam de forma marcial, e os alunos displicentes, que destoam dos demais em sua formação — são momentos demonstrativos de marcialidade, disciplina, organização, comando, firmeza e espírito de liderança dos alunos à frente dos pelotões. Ao término do desfile matinal, deslocam-se para as suas respectivas salas de aula.

A essa fiscalização realizada pelos oficiais da APMBB, pode-se fazer uso das palavras de Foucault (1987, p. 157), que se refere à vigilância.

O exame que coloca os indivíduos num campo de vigilância situa-os igualmente numa rede de anotações escritas; compromete-os em toda uma quantidade de documentos que os captam e os fixam. Os procedimentos de exame são acompanhados imediatamente de um sistema de registro intenso e de acumulação documentária. Um “poder de escrito” é constituído como uma peça essencial nas engrenagens da disciplina.

Dessa forma conclui:

[...] era esse o problema do exército, onde urgia encontrar os desertores, evitar as convocações repetidas, corrigir as listas fictícias apresentadas pelos oficiais, conhecer os serviços e o valor de cada um, estabelecer com segurança o balanço dos desaparecidos e mortos (grifo nosso) (FOUCAULT, 1987, p.157)

No documento HOMERO DE GIORGE CERQUEIRA (páginas 56-59)