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2. Cor, Cultura e Arquitectura

2.1.2 A percepção cromática

A cor é determinante para a percepção visual que, por sua vez, é a condição essencial para que haja uma interpretação da realidade; por isso mesmo, a percepção cromática deve ser lida de forma constante para que a realidade seja correctamente reconhecida e compreendida.

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A cor é sempre percepcionada num determinado ambiente ou espaço e cada espaço possui a sua própria configuração, expressão e relações. A percepção cromática de um espaço depende da relação entre ela e o observador. Sendo um dos elementos do espaço, a cor relaciona-se com os vários constituintes deste, dando lugar a um discurso visual que torna o espaço significante. Numa cidade a percepção cromática desenvolve-se e varia através da relação com a iluminação, com os materiais e com as pessoas.

Na percepção e leitura cromática deve ter-se em conta a escala de observação – associada à distancia de observação e dimensão da superfície –, a posição do observador, a velocidade de observação, o tipo de luz e a textura da superfície colorida, pois estes elementos irão alterar a aparência da realidade visual.

A percepção cromática constitui a construção da realidade através da organização perceptiva, gerando uma imagem que se estrutura no cérebro. Este analisa as imagens recebidas e apreende-as para compreender a realidade. Quando a informação sensorial não é suficiente, o cérebro reconstitui as ausências, completando a imagem visual. A percepção cromática empírica relaciona-se com a obtenção de conhecimentos através da experiência, por isso é que aquilo “que vemos depende daquilo que sabemos”4.

Embora a cor se expresse através dos pigmentos da matéria, a sua apreensão adquire significado através da percepção visual e interpretação cerebral. O olho e o cérebro percepcionam a cor através de processos de comparação e contraste.

No domínio da percepção cromática pode associar-se a cor à sinestesia. Há cores que se relacionam com determinados cheiros e sabores, que podem parecer mais pesadas ou leves, criar sensações tácteis, corresponder a determinados sons, conferir volume ou temperatura e criar uma noção temporal. A noção de quente e frio é uma das particularidades da percepção cromática, as matizes cromáticas podem organizar-se segundo questões de percepção de temperatura no seu estado mais saturado. A percepção de peso pode ser utilizada para descrever as modificações de valor através de maior ou menor luminosidade. Todas estas sensações provocadas pela cor são efectivas e desempenham um papel fundamental nos ambientes cromáticos naturais e construídos.

Em termos espaciais, podem atribuir-se às cores características perceptivas de afastamento e proximidade. Enquanto que as cores quentes e luminosas parecem aproximar-se – tendo um efeito centrípeto –, as cores frias parecem afastar-se tendo um efeito centrífugo.

A inerência e aparência de uma cor é também uma característica importante, sobretudo para que o fenómeno cromático seja claro. A cor inerente é a pertencente aos

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13 objectos. Para ela não há tempo nem mutações, existe estagnada no espaço. Com a incidência da luz a cor inerente torna-se aparente. Esta é efémera e mutável e, existindo no tempo, depende dele para que se realize. Em função da luz existente e do lugar onde está, a cor aparente varia, anunciando a passagem do tempo e determinando a imagem da realidade. Nesta dualidade entre cor inerente e cor aparente5 é impossível definir-se uma cor que tenha sempre igual percepção.

O facto de as cores (aparentes) variarem em função da luz e não serem imutáveis é o principal impulsionador da percepção da realidade (fig. 2.2), constituída por espaço e tempo. O facto de a luz variar faz alterar a aparência cromática da realidade e dos elementos que a constituem. A variação é uma das propriedades da aparência das cores e pode traduzir-se em relações harmoniosas (ou não) entre as superfícies iluminadas de um espaço que percepcionamos visualmente.

O metamerismo é outro fenómeno que se associa à percepção cromática. Este acontece quando duas amostras cromáticas diferentes se tornam idênticas sob determinadas condições – fonte de luz, observador, distância de observação, ângulo de visão, dimensão da superfície cromática. Neste contexto e em função da luz disponível as cores podem ser diferentemente percepcionadas, distinguindo-se as cores incondicionalmente iguais das condicionalmente iguais6. As primeiras são as que se mantêm iguais entre si independentemente da luz incidente, as segundas são as que se mantêm iguais entre si apenas em função de um determinado tipo de luz.

Apesar de a cor variar consoante o tipo de luz disponível, as particularidades da envolvente e outros factores, uma das características da percepção cromática é a constância de cor. No cérebro humano a constância de cor acontece quando a apreensão

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Veja-se PERNÃO, João – cit. 1, pp.101 - 104

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Veja-seAGUIAR, José – Cor e Cidade Histórica: estudos cromáticos e conservação do património, pp. 149 - 151.

Figura 2.2: Uma cor são muitas cores (fonte: João Pernão, A

interpretação da realidade como variação da cor pela luz no espaço e no tempo)

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da realidade se desenvolve através do nosso conhecimento e não em função daquilo que estamos a ver; se estivermos por exemplo perante um cubo amarelo, embora uma face seja vista como castanha por estar em sombra, nós apreendemos o objecto no seu todo com uma cor constante, o amarelo.

No domínio na percepção cromática destacam-se dois contrastes: o sucessivo e o simultâneo. O contraste sucessivo relaciona-se com o fenómeno pós-imagem e ocorre quando, após olharmos algum tempo para uma determinada cor (vermelho por exemplo), olhamos para uma superfície neutra (branca ou cinzenta) e vemos nela a cor complementar (verde, neste caso). Este fenómeno sucede quando o equilíbrio visual que os olhos necessitam não acontece naturalmente, daí que estes o criem. O contraste simultâneo ocorre porque raramente vemos uma cor isoladamente – as cores são normalmente apreendidas em simultâneo. Esta sensação é semelhante à do contraste sucessivo, dada a capacidade que os olhos têm em gerar as cores complementares daquelas que estão a ser vistas.

Também a textura das superfícies influencia a percepção das cores, até porque a apreensão da textura varia em função da distância do observador7. Se estivermos perante uma superfície cuja textura é muito subtil, o olho humano não a consegue percepcionar e consideramo-la uma textura lisa. Se estivermos perante uma superfície cuja textura é acentuada consideramo-la rugosa, no entanto o olho humano só consegue percepcionar essa rugosidade ao perto, porque ao longe os vários elementos fundem-se visualmente e deixa de ser possível identificar a textura; quanto mais perto da superfície rugosa estiver o observador mais escura esta lhe parecerá e vice-versa. No que diz respeito à percepção cromática, enquanto que uma textura lisa favorece a fiel percepção das cores, uma textura rugosa irá condicionar a percepção cromática, em função das sombras (provocadas pela rugosidade) que escurecem a superfície.

No processo de percepção da cor o homem não é um elemento estável. Como observador ele determina a variação da percepção através do movimento do seu corpo e das suas partes (cabeça, olhos, etc); esta variação é também influenciada pela diversidade cultural que existe e pela individualidade de cada um. Estando em constante alteração e sob a influência de diversos factores, a percepção cromática é um fenómeno que não se pode descrever estaticamente, é muito individual e subjectivo e varia extremamente de pessoa para pessoa.

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