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Avaliação crítica e proposta final de projecto

4. Caso de estudo: Análise e Intervenção Cromática no Terreiro do Paço

4.5 Estudo da cor no âmbito do Projecto de Adaptação dos Pisos Térreos e

4.5.6 Avaliação crítica e proposta final de projecto

a) A opção de uniformidade cromática para todos os edifícios do conjunto do Terreiro do Paço

A opção por uma proposta de cor uniforme para todo o conjunto do Terreiro do Paço deve-se a duas razões principais: (i) pelo facto de os edifícios, embora possuindo diferentes volumes arquitectónicos com várias formas e funções, constituírem um conjunto unitário; (ii) pelo facto de haver uma fundamentação histórica, que se baseia na intenção de Manuel da Maia (aquando da elaboração do Plano da Baixa) em tornar o conjunto edificado democrático e homogéneo, também através da cor – recorrendo a uma cor única que tornasse todo o conjunto igual.

Ao longo do tempo (e tal como já foi referido no presente trabalho) os edifícios do Terreiro do Paço possuíram diferentes cores nas suas fachadas, sendo que cada uma dessas opções surgiu sempre a par de determinadas mudanças políticas, sociais e económicas; cada cor aplicada (o amarelo-ocre, o verde-água, o rosa-velho) alterou claramente a imagem deste conjunto, o aspecto da própria Praça e até mesmo a envolvente urbana e natural (fortemente influenciada pela presença do Rio Tejo), alterando-se consequentemente a relação entre espaço, território e seus utilizadores.

Pelas análises históricas anteriormente abordadas (de carácter documental e iconográfico) percebe-se que o conjunto edificado em questão nunca possuiu uma total unidade cromática, registando-se algumas disparidades entre os edifícios voltados para a Praça e as Alas Nascente e Poente. Embora no original Plano da Baixa (do século XVIII), Manuel da Maia tenha expressado a intenção de unificar cromaticamente os edifícios do Terreiro do Paço, a cor nunca foi a mesma para todo o conjunto, tanto por razões económicas (dada a enorme extensão do mesmo) como por questões de diferenciação hierárquica do edificado (prevalecendo os voltados para a Praça face aos restantes). Na

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Veja-se HELLER, Eva – A psicologia das cores, p. 85.

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Veja-se ITTEN, Johannes – cit. 18, p. 132.

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distinção entre os edifícios da Praça face aos do restante conjunto destaca-se a autonomia cromática do edifício do Arsenal na Ala Poente. Julga-se que este conjunto edificado tenha possuído desde sempre uma cor diferente nas fachadas voltadas para o rio.

Tal como defendia o original Plano da Baixa, o Terreiro do Paço (ou Praça do Comércio) destaca-se pela sua monumentalidade e expressividade, domínio político, carácter ideológico e dimensão simbólica. Interpretando estas características fundamentais, no processo de intervenção proposto entendeu-se que o edificado em questão necessitava claramente de uma cor uniforme para todo o conjunto. Esta necessidade de uniformização cromática fundamentou-se através de:

(i) Questões históricas e estéticas, recuperando a intenção de unidade cromática do plano original;

(ii) Questões ideológicas, afirmando o poder agregador da unidade arquitectónica e favorecendo uma interpretação homogénea de todo o conjunto;

(iii) Questões de escala, enaltecendo a imagem uniforme do conjunto urbano e arquitectónico (desde o Largo do Corpo Santo ao Campo das Cebolas), favorecendo uma interpretação coesa da forma edificada e da respectiva cor, valorizando a monumentalidade do centro de Lisboa (através do evidente destaque deste conjunto face à restante cidade) e ampliando a dimensão imagética e significante do Terreiro do Paço;

(iv) Questões de articulação, relacionando esta proposta com novos projectos urbanos em desenvolvimento, como é o caso da renovação da Praça e da requalificação paisagística da frente urbana na zona do Arsenal.

b) Orientações para a escolha final da cor

Para escolher uma cor no âmbito de um projecto com esta dimensão, monumentalidade e valor patrimonial, é necessário argumentar a escolha através de pressupostos coerentes, por isso a opção cromática final deveria:

(i) fundamentar-se historicamente e restituir a imagem original, recuperando a linguagem arquitectónica clássica característica destes edifícios;

(ii) favorecer algum contraste com o Lioz predominante em todas as fachadas, devendo por isso (em termos de luminosidade) ser ligeiramente mais escura do que a cor natural da pedra;

(iii) equivaler ao carácter áulico e nobre de todo o conjunto edificado, devendo por isso ser uma cor luminosa mas não muito vibrante;

145 (iv) adequar-se com a envolvente mais próxima (no domínio da vizinhança e complementaridade) e com um contexto mais alargado (no âmbito da escala territorial, urbana e paisagística).

c) Especificação final da cor proposta

Partindo da investigação histórica desenvolvida em 1994 (e agora reavaliada) e dos dados actualmente disponíveis, a cor proposta para o revestimento das fachadas do Terreiro do Paço (no âmbito do Projecto de Reabilitação Arquitectónica do Atelier 15) assentou na restituição da cor actual, identificada através de notação NCS.

Deste modo, aceitando os termos do Grupo de Análise e Intervenção Cromática (integrado na equipa de projecto) propôs-se o amarelo-ocre envelhecido como cor de referência, sendo esta cor bastante adequada à percepção dos elementos pétreos envolventes.

Segundo o sistema NCS a cor escolhida define-se segundo a notação NCS S 2040-

Y10R, correspondendo a um amarelo com 10% de vermelho, 20% de preto e 40% de

cromaticidade; esta cor garante um certo dinamismo cromático no domínio da luminosidade e uma cromaticidade média.

A opção cromática em repor (pela segunda vez) o amarelo-ocre que se julga próximo do original é justificada historicamente, tal como se analisou anteriormente no ponto 4.3 deste capítulo (através da análise cronológica da cor no Terreiro do Paço e respectivos estudos histórico e iconográfico), podendo por isso fundamentar-se a sua autenticidade.

Sabendo que no âmbito da arquitectura a percepção das cores é condicionada pelo contexto (tanto o mais próximo como o mais abrangente) a cor aplicada deve ser previamente afinada, nesta sequência o Grupo de Análise e Intervenção Cromática defendeu que outras notações cromáticas próximas devessem ser aferidas e fundamentadas (com base em informações rigorosas identificadas neste estudo e em anteriores semelhantes), tais como NCS S 2050-Y10R e NCS S 1030-Y20R. Deste modo propôs-se que, para além do desenvolvimento de testes prévios para escolha da cor (realizados através da manipulação digital de imagens), é também necessária a realização de ensaios em obra, tanto para os ajustes como para a decisão final, devendo estes adequar-se às características específicas das condições técnicas deste projecto.

Para além do amarelo proposto para as fachadas sugeriu-se ainda o recurso a uma tonalidade de branco semelhante à cor natural da pedra, devendo esta ser aplicada nos tectos das abóbadas das arcadas, garantindo-se desta forma uma harmonia cromática por

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adjacência com a tonalidade do Lioz. Esta tonalidade de branco deve aproximar-se dos pigmentos pétreos naturais, sendo a sua notação de referência o NCS S 1005-Y40R.

As três hipóteses de amarelo (a actualmente identificada e as outras duas próximas da primeira) sugeridas pelo Grupo de Análise e Intervenção Cromática e aceites no Projecto Final devem ser validadas através da criação de uma Comissão Avaliadora, para a qual se sugeriu a participação das entidades envolvidas (CML, IGESPAR, Secretaria Regional da Cultura) e dos principais responsáveis pelo Projecto em causa (Frente Tejo, Parque Expo,

Atelier 15, equipa de apoio da FA-UTL). Esta Comissão deverá ser responsável pela

validação da cor final a aplicar nas fachadas dos edifícios do conjunto monumental.

O amarelo proposto (identificado nas fachadas) pode identificar-se no sistema NCS segundo uma determinada posição e associado a uma área cromática envolvente (fig. 4.43), na qual se poderão realizar testes.

No âmbito da matiz os ensaios e afinações que serão realizados identificam-se no espaço cromático entre a notação Y10R e a Y20R (fig. 4.44); no âmbito da luminosidade e da cromaticidade as cores a testar distinguem-se entre a gradação 1030 e a 2050.

No que diz respeito à relação entre a cor, a matéria e a textura, a proposta cromática deve ser ponderada de modo a controlar a imagem das superfícies arquitectónicas e a qualidade da cor. A sua permanência sobre as fachadas deverá ser garantida através de outros recursos, não se devendo limitar ao sistema NCS. Assim, nas condições técnicas deste projecto, as características específicas do processo de pintura foram descriminadas, garantindo-se os critérios de interdependência entre cor, matéria e textura e a forma como estes condicionam a aparência das superfícies.

Figura 4.43: Identificação das tonalidades amarelas no circulo cromático do sistema NCS

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Antes da aplicação da pintura final deve-se assegurar que as superfícies arquitectónicas possuam um acabamento mate, de textura lisa e contínua, mantendo-se desta forma a relação entre os elementos pétreos e os barramentos lisos (semelhantes ao estuque), utilizados no passado.

Actualmente o que se verifica nas fachadas são acabamentos onde o reboco e a tinta aplicada possuem uma textura excessiva, contrariando-se desta forma a original e harmoniosa relação entre cor, matéria e textura, alterando-se ainda, como consequência, o modo como a luz reflecte sobre as superfícies. Deste modo, com uma textura lisa nas fachadas (tal como era a original), para além da percepção cromática se tornar mais fiel, a textura natural dos revestimentos em pedra tornar-se-á mais evidente.

d) Fases de intervenção

Por razões económicas e operativas, as fases de intervenção propostas baseiam-se na divisão do conjunto edificado em dois troços distintos: as fachadas voltadas para a Praça do Comércio e as restantes fachadas das Alas Nascente e Poente.

Partindo desta divisão, apesar de se propor a aplicação da mesma cor em todo o conjunto, pretende-se que a diferenciação seja alcançada através do tipo de revestimento. Assim, enquanto que nas fachadas voltadas para a Praça se defende a recuperação do acabamento original (de textura lisa concordante com os materiais pétreos), nas restantes fachadas das Alas defende-se apenas uma repintura sobre o acabamento actualmente existente. A subtil diferenciação de acabamentos entre os edifícios, por estar associada a diferentes texturas (lisa nos edifícios da Praça e rugosa nos edifícios das Alas), originará uma distinta percepção cromática da mesma cor em função do acabamento em causa.

Figura 4.44: Identificação das tonalidades amarelas nos triângulos cromáticos do sistema NCS (fonte: NCS-System, Estudo e Projecto de Cor)

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Julga-se que esta variação, ainda que não seja imediatamente perceptível (sobretudo com alguma distância de observação), será identificada numa situação de proximidade ou caso seja observada por alguém atento às qualidades expressivas da arquitectura. Desta forma garante-se simultaneamente a unidade do conjunto edificado e a distinção hierárquica dos edifícios.

No âmbito de uma intervenção de reabilitação delicada como esta pretende ser, julga-se que a estratégia cromática referida seja a mais adequada e sensível às características linguísticas e expressivas do projecto original; além disso, esta é uma opção económica dada a extensão de todo o conjunto.

Além da proposta cromática agora avançada para os edifícios do Terreiro do Paço, devem ter-se em devida conta as cores dos elementos arquitectónicos e urbanos envolventes, pois estes condicionam a percepção visual do conjunto monumental. Desses elementos destacam-se: as coberturas; os edifícios da envolvente; os revestimentos de espaços públicos e de arruamentos. No caso das coberturas há que ter em conta que a falta de homogeneidade cromática e morfológica das mesmas condiciona bastante a uniformidade perceptiva do conjunto (sobretudo nas coberturas dos edifícios do conjunto monumental). No que diz respeito aos edifícios envolventes sugeriu-se que estes sejam submetidos a uma regulamentação cromática específica (por parte da CML e do IGESPAR), destacando-se a importância das fachadas dos edifícios contíguos à Ala Norte e dos edifícios da Rua da Alfândega, da Rua do Arsenal e da Praça do Município. Por fim, alguns espaços públicos e arruamentos podem condicionar a percepção do conjunto monumental, como é o caso da Rua do Arsenal e da Rua da Alfândega; defendeu-se por isso a substituição do pavimento em alcatrão por um material pétreo (calçada grossa), estabelecendo-se uma continuidade entre a rodovia e o passeio pedonal.

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