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Conservação do património arquitectónico: conceitos

3. Cor e Conservação

3.1 Conservação do património arquitectónico: conceitos

O conceito de Património Arquitectónico é longínquo, desenvolveu-se e alargou-se enormemente ao longo do tempo, sendo apenas limitado culturalmente. Deixou de ser aplicado somente a alguns edifícios e actualmente engloba troços de cidades, paisagens humanizadas e extensos territórios.

As noções de irreversibilidade temporal e de distância cultural face ao passado amplificaram-se no século XIX, aumentando a preocupação para com as questões patrimoniais e complexificando os conceitos associados. A par da evolução do conceito de Património a forma de intervir nas cidades desenvolveu-se, dando lugar ao conceito de Reabilitação Urbana, conciliando a protecção patrimonial com o planeamento urbano de forma socialmente integrada.

Inicialmente, a forma de intervir na conservação de património assumiu duas vertentes, se por um lado Violet Le Duc defendia um restauro que assentava na recuperação arquitectónica através da reconstrução hipotética fundamentada em analogias históricas de elementos em falta, por outro lado John Ruskin defendia uma conservação com intervenção mínima, de modo a preservar a memória “autêntica” do passado e a sua história. Partindo desta dicotomia entre restaurar e conservar, surgiram no final do século XIX, formas de intervenção que pretendiam conciliar as duas abordagens, dando lugar à Carta de Atenas do Restauro de 1931 (redigida no âmbito do IV Congresso Internacional de Arquitectura Moderna). Este foi o primeiro documento internacional com orientações no domínio do Património.

A Carta de Atenas do Restauro de 1931 defendia a consideração pela história do edifício – sem que as características dos diferentes períodos fossem eliminadas ou destacadas –, a renovação programática – como garantia de continuidade –, a valorização da envolvente e o desenvolvimento de uma pesquisa sobre o edifício, capaz de diagnosticar as anomalias e fundamentar as opções projectuais.

Mais tarde surgiu a Teoria do Restauro Crítico de Cesare Brandi, que considerava impossível fixar critérios de intervenção permanentes dadas as particularidades de cada objecto arquitectónico, defendendo por isso a história e a estética de cada edifício como fundamentos verídicos de uma intervenção formalmente coesa, baseada numa cuidadosa abordagem crítica.

Após a segunda Grande Guerra, para além da extrema necessidade de reconstrução urbana, estabeleceu-se uma nova postura face à importância do património histórico por

47 esta destruído; deste modo, as teorias sobre urbanismo, arquitectura e património, passaram a ser aplicadas no domínio da prática.

Desde o período do pós-guerra até por volta de 1965, as questões da conservação e reabilitação urbana (definidas no CIAM pela Carta de Atenas do Urbanismo de 1933) foram muito difundidas e aplicadas. Segundo esta Carta os edifícios patrimoniais eram abordados como peças museológicas e o processo de reabilitação dos núcleos históricos era complexo devido às exigências modernas de higiene e salubridade. Por isso mesmo, os princípios urbanos modernos sobrepuseram-se à cidade tradicional por serem incompatíveis com esta. O rápido e exagerado desenvolvimento urbano gerou uma substituição total das estruturas tradicionais. Preocupados com a situação, os urbanistas e arquitectos dos anos 60 (do século XX) revalorizaram as características da cidade tradicional, estudando a sua morfologia, sociologia, cultura, arquitectura e urbanismo, como forma de resolver os problemas da urbe moderna; a cidade tradicional reassumiu a sua importância e tornou-se um exemplo urbanístico indispensável. Mais tarde, na fase pós-moderna, tentou-se encontrar uma solução intermédia entre o modelo moderno e o tradicional, o novo urbanismo assumiu um equilíbrio entre ambos, redefinindo-se e integrando a noção de património urbano.

Devido a todas estas questões – e muito impulsionado pela destruição dos centros históricos na segunda Guerra Mundial – o conceito de património evoluiu bastante, bem como as formas de intervenção e salvaguarda patrimoniais.

Em Portugal, se durante a década de 1960 a conservação patrimonial se afirmou sobretudo através de casos selectivos que constituíram exemplos de referência – como Óbidos e Monsaraz –, mais tarde a crítica metodológica feita a estes modelos foi acompanhada pela necessidade internacional de definir regras para a salvaguarda patrimonial, estabelecidas segundo métodos de intervenção ponderados, fundados na multidisciplinaridade da ressalva do património.

Foi nesse âmbito que, em 1964, se publicou a Carta Internacional sobre a Conservação e o Restauro dos Monumentos e Sítios, conhecida como Carta de Veneza. Com esta Carta surgiram novas particularidades que passaram a integrar a doutrina da Conservação: a regra da intervenção mínima; a consideração pelas pré-existências e o valor dos seus materiais e história; a recusa do mimetismo; a aplicação do termo monumento histórico a tecidos urbanos, zonas rurais e edifícios culturais simples; o recurso a técnicas e materiais tradicionais; a capacidade reversível das intervenções; a valorização do espaço envolvente ao elemento patrimonial.

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Sucedendo as campanhas de renovação urbana, perto de 1970 surgiram as políticas iniciais de requalificação de núcleos históricos, combatendo a “gentrification” (o abandono pelos moradores das suas antigas casas para no lugar destes se estabelecerem pessoas de faixas sociais mais elevadas, adequadas à nova especulação). Deste modo, as intervenções nos núcleos históricos adquiriram uma forte componente social, económica e cultural; surgiu a designação “Reabilitação Urbana” na qual se integraram as ideias de Conservação

Integrada e Salvaguarda Activa, expressas na Carta Europeia do Património Arquitectónico

de 1975, que defendia que a manutenção e ressalva patrimonial deviam integrar-se no contexto das cidades e dos planos de ordenamento urbano.

Em 1987 foi elaborada pelo ICOMOS a Carta Internacional para a Salvaguarda das

Cidades Históricas, onde se apresentaram as regras e técnicas de intervenção para a

conservação de núcleos históricos, valorizando-se bastante a imagem e linguagem dos mesmos. Dado o êxito que teve, o conceito de Conservação e Reabilitação Integrada expandiu-se por toda a Europa através de um impacto crescente e positivo; como consequência, a noção de Património Urbano deixou de ser tão limitada, podendo alargar-se a toda uma cidade.

No fundo, um elemento patrimonial (quer seja um edifício ou núcleo histórico) define- se como a materialização inconstante das progressivas memórias colectivas. Assim, conservar o património implica permitir a sua evolução de forma controlada, sem fixar a sua imagem nem imobilizar o seu equilíbrio.

3.1.1 O sentido da cor na Conservação patrimonial

Todos os elementos que caracterizam uma cidade, lhe conferem identidade própria e vivência, são dotados de cor. Por isso mesmo, a intervenção cromática constitui uma forma de inclusão, estabilidade e sequência urbana, tanto no domínio das intervenções arquitectónicas actuais como no domínio da conservação patrimonial.

A percepção de uma cidade e suas particularidades cromáticas é definida pela imagem e linguagem dos edifícios, pela forma e dimensão da malha urbana, pelos volumes e espaços exteriores, pela escala do espaço, pela constituição dos pavimentos, pela existência de elementos naturais e pelo tipo de luz disponível.

A relação entre cor e arquitectura tem-se constituído ao longo da história segundo diferentes modos e com diferentes conteúdos; a escolha de uma cor no âmbito arquitectónico relaciona-se com a coerência cultural de cada cidade. A cor e a arquitectura

49 associam-se de duas formas essenciais: por um lado, através da componente construtiva que a cor (das tintas e dos materiais) assume enquanto revestimento que protege o edifício, conferindo-lhe um determinado aspecto; por outro, através das componentes significantes que a cor possui no âmbito da história, da política, da sociedade, da cultura e da imagem. De uma forma ou de outra, a cor é sempre percepcionada, identificada e interpretada diferentemente de pessoa para pessoa, de cultura para cultura e de um período temporal para outro.

Tendo em conta todas as questões relacionadas com a conservação patrimonial, podem considerar-se os seguintes critérios como os mais indicados na tomada de decisões: a defesa da autenticidade do elemento em causa e a consideração de intervenções com impacto mínimo. Em vez de constituírem uma decisão particular, as opções cromáticas no âmbito da conservação devem compor a gama de matizes existentes na realidade, de modo que a intervenção respeite as cores da envolvente e se harmonize com esta.

Na conservação do património a determinação da imagem percepcionada é fundamental, sendo que a relação cromática entre o edifício e a sua história, a sua envolvente e os seus vários componentes estilísticos, contribuem para a formulação desta imagem. Escolher uma cor é uma questão simultaneamente ideológica, conceptual, técnica e material, variando o resultado proposto consoante o critério utilizado. Conhecer a história cromática de um edifício é uma forma de fundamentar a escolha da cor a aplicar no processo de conservação, embora este método não seja tão linear e directo. Optar por uma determinada cor permite recuperar a memória do passado através de uma marca no presente, enquadrada no respectivo contexto urbano.

A capacidade de restaurar a autenticidade cromática de núcleos históricos implica o estudo de todos os edifícios integrantes desse lugar, para que assim se possa definir uma imagem cromática homogénea e coesa, garantindo a conservação identitária de todo o conjunto. Quando o processo de conservação incide sobre um importante edifício monumental, classificado como “Monumento Nacional” ou presente na “Lista do Património Mundial”, o respectivo estudo de cor desenvolve-se autonomamente; a sua cor não deve ser condicionada (antes deve condicionar) pelas cores dos outros edifícios nem da paisagem urbana à sua volta, pois será a sua própria cor que irá definir as regras e orientações cromáticas da envolvente, tanto natural como construída.

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