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Considerações sobre a análise cronológica da cor

4. Caso de estudo: Análise e Intervenção Cromática no Terreiro do Paço

4.3 Análise cronológica da cor no Terreiro do Paço

4.3.3 Considerações sobre a análise cronológica da cor

De acordo com a análise efectuada no estudo histórico e cronológico da Cor no conjunto monumental do Terreiro do Paço (anteriormente representada através de elementos escritos e iconográficos), destacam-se algumas considerações de carácter conclusivo.

Nos edifícios da Praça do Comércio podem identificar-se três tonalidades principais: amarelo, verde e rosa. O amarelo coloriu o conjunto monumental em três fases: o amarelo-

original de 1775 (tonalidade próxima do amarelo-ouro); o amarelo-ocre aplicado na década

de 1930; o amarelo-original recuperado aplicado em 1994. O verde foi aplicado na intervenção de 1950 segundo a tonalidade verde-água. O rosa na tonalidade de rosa-velho foi a cor de 1976, embora neste período tenha também existido um tom de rosa mais próximo do vermelho. Há ainda uma outra cor – um tom avermelhado –, que pode ter existido entre o amarelo-original e o amarelo-ocre mas, por ser apenas fundamentado através de um documento iconográfico (veja-se a figura 4.11, p.110), não se tem a certeza da sua presença nas fachadas do conjunto monumental; daí que nos pontos anteriormente apresentados não se tenha feito grande referência a essa tonalidade vermelha.

Figura 4.16: A Praça do Comércio vista do rio (fonte: Dias dos Reis, www.pbase.com/diasdosreis)

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As várias cores que ao longo da história coloriram as fachadas dos edifícios do Terreiro do Paço, associam-se a uma época específica e foram escolhidas por diferentes razões. O amarelo-original foi a primeira cor a revestir os edifícios do conjunto monumental, supõem-se que a sua escolha se deva ao facto de, por se aproximar da cor do ouro, representar simbolicamente poder, prosperidade e riqueza (características associadas ao monumental Plano de reconstrução de Lisboa). Por volta de 1930 o Estado defendeu uma cor unitária para Lisboa, escolhendo-se o amarelo-ocre como a cor de referência; esta opção foi contestada por muita gente e deu lugar a um Ciclo de Conferências em torno do tema “A Cor de Lisboa”93

. De acordo com esta iniciativa (apelidada de “febre amarela”), os edifícios do Terreiro do Paço foram repintados de amarelo-ocre. O verde-água foi aplicado na intervenção de 1950 e, sendo totalmente diferente do amarelo anterior (que não se tem a certeza que tenha sido o original), foi escolhido para que houvesse uma harmonia cromática por adjacência, tanto com a cor do rio como com a pátina da Estátua Real. O rosa-velho foi a cor que revestiu as fachadas do conjunto edificado em 1976. A ideia de substituir o verde anterior era comum mas, como não havia consenso entre a proposta da DGEMN (tom ocre ou tom rosa) e a da CML (tons claros e diluídos próximos da cor da pedra), houve uma votação em que a tonalidade de rosa-velho foi a cor escolhida; todavia, em 1976 distinguiu- se também um tom de rosa mais avermelhado (como se pode ver na figura 4.14 e 4.18, p.112 e 125 respectivamente), revelando uma clara ausência de unidade cromática. Na intervenção de 1994 desenvolveu-se um estudo histórico que argumentou a escolha de uma nova cor, tendo-se por isso optado pela recuperação do amarelo-original (identificado através de bibliografia e de iconografia, destacando-se o Painel de São Luís do Maranhão). Para a decisão final foram votadas sete diferentes tonalidades.

Sintetizando, a sequência cromática cronológica é a seguinte: amarelo-original em 1775; (tom avermelhado no final do século XIX); amarelo-ocre no final da década de 1930;

verde-água em 1950; rosa-velho (e rosa avermelhado) em 1976, amarelo-original recuperado em 1994.

Tendo em conta que, todo o conjunto edificado do Terreiro do Paço possui uma área substancial revestida a pedra, a cor natural do lioz é um elemento que sempre esteve presente ao longo do tempo e que condicionou claramente as opções cromáticas tomadas. Também o facto de os edifícios em causa estarem tão próximos do rio influenciou as escolhas de cor e condicionou totalmente a percepção das cores escolhidas (devido à luminosidade daquele local e aos reflexos naturais da água).

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115 Seguidamente, cada uma das cores é analisada face ao tipo de harmonia cromática e de acordo com a sua relação com a Arquitectura e com a Cidade.

Na relação entre as opções cromáticas tomadas e a Arquitectura do conjunto, deve ter-se em conta os revestimentos do edificado: os elementos de pedra (lioz), o material de revestimento das fachadas e respectiva textura. O amarelo-original, por ser bastante saturado e luminoso, realçava-se perante os elementos de pedra ao nível da sua luminosidade, embora com estes a harmonia estabelecida fosse de adjacência cromática (de matiz). O verde-água, por ser pouco saturado e pouco luminoso, dissimulava-se no valor de claro-escuro perante os revestimentos pétreos, ainda que estabelecesse com estes um evidente contraste cromático. O rosa-velho era uma cor com mais peso visual do que as anteriores e, embora não fosse extremamente saturada nem luminosa, o seu impacto visual fazia com que se realçasse face aos elementos de pedra, estabelecendo com estes uma harmonia por contraste no valor de claro-escuro. O amarelo-original recuperado, por se aproximar do primeiro, estabelece as mesmas relações que este com os elementos pétreos.

A textura das superfícies arquitectónicas na qual a tinta foi aplicada constitui uma questão fundamental na análise das diferentes cores dos edifícios do Terreiro do Paço. Enquanto que a textura lisa das argamassas de cal é muito fiel à percepção cromática, a textura rugosa das argamassas cimentícias – por ter pequenos relevos e criar algumas sombras –, condiciona e compromete bastante a percepção das cores. Em função das citações anteriormente referidas no estudo histórico, é possível resumir agora as diferentes texturas identificadas ao longo do tempo. Na fase do amarelo-original as superfícies eram rebocadas com barramentos a pasta de cal, com uma textura lisa semelhante à do estuque. Aquando da mudança para o verde-água a tinta foi aplicada sobre um reboco de cal aérea que era revestido com uma massa fina de areia. Em 1960, a par de uma intervenção de restauro que manteve a cor verde, optou-se por uma argamassa de cimento que não necessitava de um revestimento a cal, não se tendo por isso alterado a textura. Na intervenção do rosa-velho removeram-se totalmente as argamassas anteriores e os barramentos de cal, substituindo-os por novos rebocos de cimento e areia, bastante mais rugosos. Na recuperação do amarelo-original em 1994, como os rebocos da intervenção anterior ainda se encontravam em boas condições, estes foram preservados e renovou-se apenas a pintura.

No que diz respeito às opções cromáticas face à cidade, deve referir-se a relação da cor com a imagem (cromática e não só) de Lisboa e com a envolvente natural (neste caso representada pelo rio). Em função do aspecto e da cor da cidade, as várias cores do conjunto monumental definiram-se por destaque ou dissimulação; perante a cor natural do

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Tejo as cores do Terreiro do Paço estabeleceram relações harmoniosas por contraste ou adjacência. O amarelo-original foi uma cor que realçou o conjunto edificado face à imagem da cidade, sendo evidente a harmonia estabelecida por contraste com a cor do rio. O verde-

água dissimulou o conjunto monumental no contexto da cidade e estabeleceu uma harmonia

por adjacência com o rio (e até com o céu, como se pode ver na figura 4.13, p.111). O rosa-

velho, por ter mais peso visual do que as outras cores, destacou-se fortemente perante a

cidade, sendo por contraste a harmonia estabelecida com o rio. O amarelo-original

recuperado, por tentar reproduzir o primeiro, manteve as mesmas relações com a cidade e

com a envolvente natural.

Por fim é importante referir que, apesar de uma das intenções de Manuel da Maia para o conjunto edificado da Praça do Comércio tenha sido unificar todo o conjunto (também) através da cor, de acordo com os documentos históricos pesquisados esta homogeneidade nunca se verificou.

Através do Memorando elaborado por Raul Lino, Elísio Sumavielle e Henrique de Barros, pode perceber-se que o conjunto monumental não foi todo pintado de verde-água na intervenção de 1950: “(…) Limitou-se a cor verde às edificações que constituem o caixilho

arquitectónico, rigorosamente simétrico, do Terreiro do Paço (…)”.

A falta de homogeneidade cromática aquando da intervenção de 1976 é também perceptível, tanto no Parecer da Junta Nacional de Educação como nas conclusões do Grupo de Trabalho destinado a reflectir sobre as tonalidades a fixar para as fachadas das zonas adjacentes à Praça do Comércio. O primeiro refere “(…) o problema da cromia das

áreas adjacentes da Praça do Comércio (…) [como uma questão que deveria ser] objecto de

atenta análise, até à luz da experiência de cor a utilizar na mesma Praça(…)” e no segundo

pode ler-se que “(…) Nas futuras obras de renovação pictórica das restantes fachadas dos

corpos que envolvem a Praça do Comércio (…) sugere-se a adopção de cor semelhante à

actualmente existente na própria Praça (…)”. A figura 4.14 (p.112), anteriormente analisada,

confirma igualmente essa falta de homogeneidade cromática.

Através da figura 4.16 (p.113) previamente comentada, que representa a imagem actual do conjunto monumental do Terreiro do Paço, é clara a ausência de unidade cromática na intervenção de 1994, visto que na mesma fotografia se podem identificar duas cores diferentes na pintura das fachadas.

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