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A Pergunta e a “pergunta didáctica”

CAPITULO IV Lendo contos na sala de aula

TOTAL DE SEQUÊNCIAS

2. A formulação de perguntas

2.1. A Pergunta e a “pergunta didáctica”

A pergunta, diz-nos Kerbrat-Orecchioni, surge, em diversas investigações de âmbito filosófico, como “um acto básico, original, presumivelmente universal” (Kerbrat-Orecchioni, 1991:5).

Universal ou não (a questão é controversa), facto é que é um acto recorrente em qualquer conversa do nosso quotidiano, de tal modo que, “de cada vez que as pessoas se falam, podem ser ouvidas perguntas e respostas” (ibidem: 7).

É sobre o conceito de pergunta que começaremos por indicar algumas precisões preliminares.

• Interrogação e pergunta

Frequentemente associados, os dois termos (interrogação e pergunta), não são coincidentes.

Sabemos que a frase interrogativa se caracteriza, na nossa língua, pela entoação ascendente, frequentemente ligada a outros traços como a presença de determinados marcadores morfossintácticos em posição inicial - quem, qual, como, onde, que, quando, etc. -, ou pela inversão do sujeito.

Sabemos, também, que existem na LP, estruturas específicas da frase interrogativa: interrogativas totais, interrogativas alternativas, interrogativas

parciais e interrogativas “tag”12.

As interrogativas totais, também designadas como proposicionais ou de resposta “sim/não”, destinam-se a obter do interlocutor “uma resposta afirmativa ou negativa acerca de um dado estado de coisas” (Mira Mateus, 1989:237), sendo portanto “convidado a validar (ou não validar) todo o enunciado anterior” (Rodrigues, 1998:36).

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Não constituem ainda, no entanto, em si mesmas, uma proposição, uma vez que só com a resposta ganharão o significado completo que lhe confere aquele estatuto.

São interrogativas totais quer as interrogativas dadas apenas por uma curva de entoação específica (1), quer as interrogativas ditas focalizadas (2), as interrogativas com expressões adverbiais (3) e as Interrogativas com

quantificadores (4).

Os enunciados abaixo indicados13, retirados das aulas que observámos, são exemplo de interrogativas totais:

1. Já leram todos?

2. S’tora / temos ensaio hoje?

3. Temos de passar isso no caderno?

4. Ainda demoraram muito tempo a acabar de passar?

Com as interrogativas alternativas (5), compostas por disjunção de proposições, “o locutor pede uma informação sobre qual das proposições é verdadeira numa situação particular” (Mira Mateus, 1989:238), constituindo uma dessas proposições, a resposta à pergunta formulada.

5- Pronto/ Querem fazer uma leitura expressiva /-/ ou fazemos no final? (H:185, 188)

São interrogativas parciais quer as interrogativas directas com movimento Q14, quer as interrogativas de instanciação, quer as interrogativas de “eco”.

No primeiro caso - 6) -, caracterizam-se pela presença de morfemas interrogativos: Que, Quem, Qual, Quanto, Onde, Quando, Porque ou Por Que, Como... (ibidem: 240-241).

6.1) E qual é o segredo? / É isso que eu quero que me digam.(E:666) 6.2) Ele então mostrou-lhes o quê?(C:181)

6.3) Como é caracterizado o espaço nos contos tradicionais? (F:114)

6.4.) Por que é que ela diz “pelo menos deixai-me colher aquela pedra que está ali esquecida”?(D:308)15

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Na indicação colocada entre parêntesis, a letra em maiúscula identifica o professor cuja aula se transcreveu; o número, colocado em seguida, é a indicação de um turno específico, ocorrido nessa aula. No caso dos professores G e H, dado terem sido transcritas duas aulas, leccionadas por cada um deles, identificam – se essas aulas através das iniciais dos títulos dos contos: “Caldo de Pedra” é, então, identificado com as letras CP, e “Tia Miséria”, com as letras TM.

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Quanto às interrogativas de instanciação, elas deixam-se caracterizar por aspectos semânticos, já que sempre lhe está associada uma pressuposição:

7.

Quem faltou na última aula? (H-TM:03)

No enunciado 7) a pressuposição é a de que “alguns alunos faltaram na última aula”, pedindo-se informação acerca do valor da variável (a indicação dos alunos) sobre a qual se predica - «faltar na última aula».

Também as interrogativas de “eco” (exemplo 8) funcionam como um pedido de informação acerca do valor de uma variável:

8.

A – Posso fazer uma pergunta ao A?

P - Fazer uma pergunta a quem? (H – CP: 10-11)

Por último, a interrogativa «Tag» retoma normalmente o verbo da frase declarativa que a precede, assumindo uma forma (negativa ou positiva) inversa dessa mesma frase (Rodrigues, 1998:73-81; Mira Mateus, 1989:246)

9.

P – Vocês lembram-se/ não se lembram?

P – sim / e além disso é uma vergonha/ não é? (E:797)

Usamos, porém, estas estruturas interrogativas, em actos de fala diversos, utilizando-as como uma oferta (Será que posso ajudar?), sentindo-a como uma ordem (Quantas vezes já não te disse para estares quieto?) ou como uma ameaça (Tu queres que eu me zangue contigo?).

Também com frases interrogativas se formula um pedido (Emprestas-me o teu caderno?), ou um aviso (Já reparaste que são seis horas?), ou uma censura (Por que é que não fizeste o trabalho de casa?), ou J uma pergunta (Gostaste do conto?).

A pergunta é, portanto, um conceito pragmático que se distingue da forma gramatical interrogativa que acima analisámos e que, habitualmente, (mas não obrigatoriamente) a veicula.

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O uso da partícula “é que” - cf.6.1) e 6.4) - aparece de modo cada vez mais frequente na construção destas interrogativas, sem que isso signifique, segundo Mateus, uma ênfase particular sobre o morfema interrogativo (ibidem: 243)

Searle define “pergunta” como um acto ilocutório directivo pelo qual o locutor visa obter do seu interlocutor uma informação que não possui16.

Entre outras “condições de felicidade” para a pergunta, encontra-se a exigência de que o locutor pressuponha que o alocutário esteja de posse dessa informação e que esteja disposto a partilhá-la.

A pergunta solicita, sempre, portanto, uma resposta verbal que a complementa, constituindo-se esse par pergunta/resposta – o “par adjacente” - numa espécie de “enunciado único, construído a dois” (Kerbrat-Orecchioni, 1991:10).

Verificamos, assim, em todos os exemplos acima apontados17, à excepção do último (Gostaste do conto?), actos de fala indirectos, ou seja, “actos do discurso em que o valor primitivo, literal, que lhes está associado habitualmente, é desvalorizado em proveito de um valor derivado que toma a primazia” (in Rodrigues, 1998:20).

Não há, pois, “(...) uma perfeita coincidência entre a estrutura gramatical (interrogação) e o valor ilocutório de pergunta” (ibidem:15).

Estabelecida esta distinção prévia entre interrogação e pergunta, convém agora precisar a característica fundamental que separa a pergunta, tal como acima foi definida, da pergunta didáctica.

• A pergunta didáctica

Colocando como condição preliminar da pergunta, o desconhecimento da resposta por parte de quem a formula, Searle foi, no entanto, sensível à especificidade da pergunta em contexto escolar, comentando:

“Há dois tipos de perguntas: as perguntas propriamente ditas e as perguntas colocadas nos exames. Nas perguntas propriamente ditas, L quer conhecer ou encontrar a resposta; nas perguntas dos exames, L quer saber se A conhece a resposta ” (Searle, 1972:108-109).

16

“Questions are a subclass of directives, since they are attempts by S [speaker] to get H [hearer] to answer, i.e., to perform a speech act.” (Searle,1972:14)

17

Comunicação apresentada no IV Congresso da Associação Portuguesa de Terapeutas da Fala, a 30 de Setembro de 2005.

Na verdade, o uso deste tipo de perguntas, ditas de “verificação”, também designadas “falsas perguntas”18, estende-se muito para além da situação de “exame”, invocada pelo autor.