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manuais escolares e nas planificações dos professores

COMPETÊNCIA NUCLEAR LEITURA

4. A literatura popular nas planificações dos professores

4.2. Sobre os dados em análise

4.2.2. A reflexão sobre os planos de aula

4.2.2.3. Os conteúdos

Da prática social de contar / ouvir contos são raros os vestígios, nas planificações de aula. Em contexto de aula, que a planificação prevê, “fala-se sobre” o conto lido e “a propósito” dele se veiculam os conhecimentos considerados relevantes124.

Nos planos analisados, os “conteúdos” a trabalhar dizem respeito a aspectos quer do funcionamento da língua, quer a elementos específicos do “género” narrativo de tradição oral considerado. Nas tabelas abaixo indicadas, listam-se os conteúdos previstos, indicando-se a sua frequência.

Aspectos do Funcionamento da Língua referidos:

Planificações de aula sobre os

contos N %

“Caldo de

Pedra” “Tia Miséria”

Lexicologia

 Etimologia da palavra “caldo” 7ºPA-A 1 10%

 Campo lexical das palavras “tia”

e “miséria” 7ºPA-B

1 10%

Semântica

 Sinonímia125 7ºPA-A; 7ºPA-E

7ºPA-B; 8ºPA- D;

8ºPA-H,II

5 50%

 Antonímia 8ºPA-H,II 1 10%

 Campo semântico das palavras

“tia” e “miséria” 7ºPA-B

1 10%

 Valor dos sufixos diminutivos

7ºPA-C; 7ºPA- E; 8ºPA-F; 8º PA- G,I; 8ºPA-H,I 5 50%

 Valor dos tempos verbais: Pretérito Perfeito e Pretérito Imperfeito

8º PA- G,I;

1 10%

Morfologia

 Tempos verbais do Modo Indicativo: Pretérito Perfeito e Pretérito Imperfeito 8º PA- G,I; 1 10%  Processos de formação de palavras: derivação 8º PA- G,I; 8ºPA-H,I 2 20%

Sociolinguística  Variação diastrática: língua padrão/ nível popular

7ºPA-E; 8ºPA-F; 8º PA-G,I; 8ºPA-H,I 7ºPA-B; 5 50% Modo oral /

modo escrito  Marcas de oralidade no texto 7ºPA-A; 8ºPA-F

2 20%

Tabela 20 - Aspectos do Funcionamento da Língua considerados nas planificações de aula

124

Segundo anota Vieira de Castro, “ler passou a ser um dizer sobre que nos era em grande medida exterior” (Castro, 1998:44), facto que explica dizendo: “Comecemos por nos interrogar sobre o que se passa quando se lêem textos nas aulas: encontramos aqui um largo conjunto de leitores a interagir verbalmente sobre ou a propósito de um texto; observamos uma prática de interacção condicionada por outros textos que estabelecem, de forma mais ou menos precisa, os limites daquilo que pode ser dito e o modo como se pode dizer; temos uma situação de comunicação quase invariavelmente regulada por princípios de avaliação. As características desta situação contraditam violentamente outros modos, mais “naturais”, de relação com os livros, seja a leitura que se faz em casa, num banco de jardim ou na solidão de uma biblioteca” (Castro, 1998:47-48).

125

A sinonímia surge, nos planos, como resolução de dificuldades sobre o significado de vocábulos usados nos contos.

“A propósito” dos contos, os conhecimentos mais frequentemente convocados são relativos à variação linguística (a identificação de palavras ou expressões sentidas como populares está presente em 50% dos planos).

De certo modo sobreposto a este tipo de conhecimentos, é abordado, a nível semântico, o significado de palavras que, pelo seu cunho popular ou pelo seu carácter mais arcaizante, são obstáculos à compreensão dos textos lidos (referência feita em 50% dos planos). É a este exercício de sinonímia que, regra geral, se consagra o questionário inicial do professor, assim visando assegurar uma primeira compreensão do conto. E a indicação do significado de palavras ou de expressões populares é também, como vimos, um dos tópicos recorrentes nos questionários propostos nos manuais126.

O conto popular parece ser, portanto, um “lugar privilegiado” para a informação sobre este conteúdo e sua exemplificação.

Outros aspectos do funcionamento da língua aparecem de modo mais disperso nos planos em análise. Exceptuando a exploração do valor dos diminutivos, presentes no conto “Caldo de Pedra”, os outros conteúdos são provavelmente abordados de acordo com características do texto que, a cada professor, parecem mais relevantes. A presença destes conteúdos leccionados aos 7º e 8º anos, sem diferente aprofundamento detectável, parece indicar tratar- se de “revisões” apenas pontuais127.

Mais frequentes são, contudo, os itens textuais, referentes à abordagem destas narrativas, como nos revelam os dados apresentados na tabela seguinte:

126

Este tópico é abordado em 45,7% dos questionários sobre contos populares, propostos nos manuais de 3º ciclo consultados.

127O recurso ao texto para revisão de aspectos gramaticais aparece com maior incidência do caso dos

professores “experientes” (G e H). Destes conteúdos, apenas a referência à etimologia da palavra “caldo” parece não ter carácter de revisão.

Características do conto popular Planificações de aula sobre os contos Totais

7ºano 8º ano N %

 Transmissão oral, de geração em

geração 7ºPA-A,7ºC 8ºF 3 30%

 Origem colectiva, anónima, popular 7º A, 7ºC, 8ºD 3 30%

 Narrativa breve 7ºA, 7ºC, 8ºD, 8ºG1 4 40%

 Relevância dos Acontecimentos 7º B 8ºD,8ºG1,8ºG2, 4 40%

 Estrutura (partes / sequências) 7º-A, 7º B, 7ºC 8ºD,8ºF,8ºG1,8ºG2 7 70%

 Reduzido nº de personagens 7ºA 8ºD,8ºG1 3 30%

 Anonimato das Personagens 7º A, 7ºC --- 2 20%

 Caracterização das personagens 7º-A, 7º B, 7ºC, 7ºE

8ºD, 8ºF,8ºG1, 8ºG2,

8ºH1,8ºH2 10 100%

 Tempo indefinido 7º-A, 7ºC 7ºE 8ºD8ºF,8ºG1,8ºH1,8ºH2 8 80%

 Espaço indefinido 7º-A, 7ºC 7ºE 8ºD8ºF,8ºG1,8ºH1,8ºH2 8 80%

 Moralidade

7º-A, 7ºB 7ºC 8ºD,8F, 8ºG1, 8ºG1, 8ºG2,

8ºH1, 10 100%

 Função 7º-A 7º E 8ºD 8ºF 8ºG2 5 50%

 Narrador --- 8º G1, 8ºH1,8ºH2 3 30%

 Modos de representação: narração

e diálogo ---- 8ºH1 1 10%

Tabela 21 - As características do conto popular nas planificações de aula

Independentemente do tema do conto sob leitura, independentemente do nível de escolaridade em que essa leitura ocorre e, aparentemente, das características dos professores aqui considerados, parece haver tópicos de referência sistemática, a propósito deste género da literatura popular: enquanto “narrativa” focam-se as personagens, o modo como a acção se estrutura, o espaço e o tempo que a localizam e, por vezes, o seu narrador.

Enquanto “narrativa popular”, revelam-se “ausências” distintivas - ausência de indicações precisas quanto a essa localização espácio-temporal, a ausência (mais raramente assinalada) do nome das personagens -, mas também a presença de um dos seus traços mais relevantes: a “moralidade”- na qual se fixa, finda a história, o seu ensinamento.

Os itens mais frequentes nos planos analisados - caracterização de personagens (100% de ocorrências), a moralidade do conto, (100% de ocorrências) a localização espácio-temporal da acção (80%) e a sua estrutura (70%) têm relevância similar nos questionários dos manuais sobre a leitura de contos populares que foram já apresentados: a caracterização de personagens

ocorre em 62,85% desses questionários, a estrutura do conto em 48,5%, e a identificação da moralidade traduzida, ou não, por provérbios em 48,57%.

Longe dos processos de operacionalização preconizados no Programa - “Recolher, reproduzir ou recriar produções do património literário oral”, a planificação de aulas segue de perto o que surge proposto no manual didáctico, mais próximo de procedimentos de há muito consolidados como práticas de leitura em sala de aula.

4.3. Em síntese

Poderemos sumariar, em breves notas, um percurso observado até ao momento.

Proposta, nos programas, no domínio da oralidade, é em versões escritas e no domínio da leitura, que vemos surgir a Literatura popular de tradição Oral, quer em documentos oficiais (A Língua Materna na Educação Básica. Competências Nucleares e Níveis de Desempenho), quer nos manuais escolares, quer ainda, nas planificações de aulas analisadas.

Nesta mudança do seu modo de transmissão estão outras mudanças inseridas

O conto popular é mais um texto a analisar em aula, acrescido apenas de uma finalidade específica: cumpre-lhe exemplificar algumas características do que foi popular.

E a hesitante partilha do “espaço” destes contos com outros textos não literários e literários, a aparente simplicidade que os transforma em etapa preliminar do estudo do conto “literário”, a progressão apresentada para as suas temáticas, indicam, de novo, um caminho de “infantilização” de há muito traçado.

CAPITULO IV