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5.1 É PRECISO (SOBRE)VIVER PARA SER MAIS E ESTAR-

5.1.1 A perplexidade diante do inesperado: a família em um

internado na UTIN é um acontecimento inesperado e um impacto emocional no cotidiano familiar. Ao vivenciar o processo de internação do bebê, a família ingressa em um mundo novo, o mundo da UTIN, onde a organização, a dinâmica e a lógica são muito diferentes do seu cotidiano, e passa a viver a facticidade da doença do seu filho e a complexidade tecnológica ao qual é submetido (MOTTA, 1998).

Já no primeiro contato com o bebê na UTIN, um emaranhado de sentimentos é aflorado na família. Ela fica perplexa ao ver a criança cercada por fios e equipamentos complexos e, mesmo sabendo que estes são imprescindíveis para o seu bem-estar e a recuperação da sua saúde, demonstram sentir medo por conhecerem os riscos que ele está correndo. Ao ingressar neste mundo novo, a família fica desesperada, referindo sensações de estranheza e impotência frente às atuais exigências. De acordo com o pensamento de Santana, (2003) às vezes, as famílias se assustam ao ver seu bebê conectado a tubos e a aparelhos complexos, imersos na estranheza do mundo da UTIN. Borck (2007), Silva (2009), Braga e Morsch (2006), Guimarães (2006) e Costa (2005), em estudos anteriores, já haviam detectado que durante o primeiro contato que os familiares têm com o ambiente da UTIN, eles aparentam perplexidade, especialmente porque se decepcionam frente a uma realidade tão distante daquela idealizada inicialmente para o seu bebê. Além disso, a visão de um recém-nascido criticamente doente pode ser dolorosa para a família e isto, de acordo com Frota et al. (2007) certamente influenciará no contato inicial com o mesmo. “O nascimento de um bebê criticamente doente é geralmente um acontecimento inesperado e estressante para o qual as famílias não estão emocionalmente preparadas. Para completar a situação, a natureza precária das condições da criança gera uma atmosfera de apreensão e incerteza” (WHALEY; WONG, 1999, 211). Neste estudo, isto também ficou evidente durante o diálogo vivido com as famílias:

[...] e antes de chegar à sala de cuidados intermediários, ela imediatamente perguntou: “enfermeira... onde está o meu outro bebê?” Respondi: “seu outro bebê... a menina? Está na UTI...”, e antes mesmo de completar a frase, ela me olhou espantada e disse: “na UTI? Por

quê?” (DV* com Margarida – mãe do gemelar Azaléa – F1**).

________

LEGENDA:

* DV = Diálogo Vivido

“[...] ela está bem, mas está muito preocupada com o bebê. Ela está bastante nervosa. Quando cheguei de manhã ela estava chorando muito por causa do bebê e vim logo saber dele... ela o viu só ontem e está assustada” (DV com Gerânio, companheiro de Margarida, referindo-se

à preocupação da esposa por seu filho estar na UTIN).

Eu estava retornando do horário do café, quando percebi que havia uma senhora parada na entrada da Unidade Neonatal, olhando para dentro, e então, falei: “bom-dia! A senhora deseja alguma coisa?” Ela, simpaticamente, respondeu: “bom-dia! Eu sou parente da mãe do bebê

da Gérbera, que internou ontem à noite, e gostaria de saber como ele está?... a Gérbera ainda não conseguiu levantar por causa da cesariana e está muito nervosa e aflita porque o bebê veio para a UTI e eu vim ter alguma notícia dele” (DV com Hortência, tia de Gérbera, referindo-se à

preocupação da sobrinha sobre a internação do recém-nascido na UTIN – F4).

Estes relatos revelam o modo de ser e agir das famílias em relação ao impacto de verem seus bebês imersos no mundo desconhecido do ambiente da UTIN. Segundo Paterson e Zderad (1979, p.63, tradução nossa), “ao ingressar em uma instituição de saúde, a família percebe-se como um ser em um mundo estranho de objetos novos”. Contudo, ainda mais um fato se sobrepõe à situação, que é a necessidade de o recém-nascido ter que se submeter ao procedimento de inserção do cateter para infusão periférica. Observei que para todas as famílias, o momento da notícia é permeado por dois sentimentos mais proeminentes: o susto e a tristeza.

O susto é um sentimento que causa espanto diante de algo inesperado. É um reflexo muitas vezes involuntário que aparece ao se deparar com alguma situação que causa medo. Para as famílias, vivenciar todo o processo com o recém-nascido internado na UTIN é algo desgastante, elas sofrem por ver a criança naquelas condições. Ainda, neste caso, ao se deparar com a notícia de que a criança precisará se submeter a mais uma intervenção, a família fica assustada e como reação imediata faz questionamentos do por que submeter a criança a mais um sofrimento, pois afinal ela já está com um cateter. O susto ficou evidenciado nos diálogos a seguir:

Aproveitando o assunto, mostrei para Rosa o cateter umbilical que estava no bebê e falei: “a senhora está vendo esse cateter aqui no

completei: “esse cateter foi passado logo depois que ele nasceu para

receber todas as medicações necessárias, os soros, a nutrição, e agora teremos que trocá-lo por outro cateter, que será puncionado em um dos braços”. Ela me olhou e perguntou: “não dá para ficar com esse mesmo?” [...] à medida que explicava sobre os passos do procedimento

do CCIP, Rosa me olhava atentamente, demonstrando preocupação, franzia a testa e, em alguns momentos, seus olhos se enchiam de lágrimas (DV com Rosa – F2).

Aproveitei o momento e mostrei para Violeta que o cateter que estava no umbigo do bebê precisava ser retirado... e antes de eu continuar falando, ela perguntou: “não dá para ficar com esse aí?” (apontando para o cateter umbilical). [...] enquanto eu falava sobre o CCIP e como era o procedimento, Violeta ficou séria, seus olhos arregalaram e com um semblante de aflição, questionou novamente: “mas tem que passar

esse cateter, mesmo”? (DV com Violeta – F3).

Aproveitei o momento e falei que estávamos programando o procedimento do CCIP em seu bebê, para continuar a receber medicamentos e soros. Quando comecei a falar do que se tratava o CCIP, Gérbera arregalou os olhos e, num tom de voz demonstrando preocupação, perguntou: “mas por que precisa passar outro cateter?” Então falei à Gérbera que o cateter umbilical poderia ficar no máximo cinco dias inserido na criança, pois a região do umbigo era um local úmido e com grande probabilidade de contaminação. Gérbera parecia assustada e nervosa com a notícia. Sua testa estava franzida, mordia os lábios e seus olhos continuavam fixados no bebê (DV com Gérbera – F4).

A pediatra disse que seu quadro clínico era instável e que estava num período crítico, mas que todos os cuidados estavam sendo realizados para sua recuperação. Comentou também sobre a necessidade de retirar o cateter umbilical e realizar o CCIP, para que o bebê pudesse continuar recebendo os medicamentos e soros. Margarida mexia nos dedos, suspirava e mantinha os olhos fixos na criança. Parecia muito assustada com a notícia. [...] percebi que Margarida ficou triste com tudo que estava sendo exposto. Sem demora e, em silêncio, começou a chorar. Magnólia segurava as lágrimas para não chorar também. Ela abraçou a filha e as duas ficaram mais alguns minutos ao lado da incubadora. Permaneci ali, também em silêncio, respeitando o momento de fragilidade e angústia da família. A pediatra, gentilmente, colocou sua

mão sobre os ombros de Margarida e afastou-se (DV com Margarida e sua mãe, Magnólia – F1).

Imediatamente, após a notícia inesperada de que o neonato necessitaria ser submetido ao procedimento de instalação do CCIP, percebi que as famílias tiveram uma reação de choque, desespero, angústia e profunda tristeza. O medo de perder a criança era imenso por tudo que estava acontecendo, e agora, ainda mais, frente à notícia de que precisaria sofrer mais uma intervenção física. As famílias ficaram apavoradas e a primeira impressão que tiveram era de que a criança não ficaria bem e que poderia vir a morrer. Afinal, o ambiente da UTIN, por si próprio, já carrega o estigma de um lugar que representa sinônimo de gravidade, de proximidade da morte. Somado a isto, ainda, saber que a criança teria que passar por mais um procedimento, as famílias se inquietaram bastante nos primeiros momentos. Mesmo que todos da equipe tivessem a preocupação em utilizar termos conhecidos, como “cateter na veia” ou “pegar mais uma veia para mantê-lo hidratado”, as famílias ficaram temerosas de que “o pior” viesse a acontecer, independente das explicações que acompanhavam a notícia. Pai, mãe, tia, avó, ou quem estivesse recebendo a notícia de que o recém-nascido se submeteria ao CCIP, adotava expressão de profunda tristeza, logo após se recuperar do susto ante a comunicação da decisão.

Acompanhei-a até a incubadora do bebê e quando estávamos nos aproximando, ela comentou, com tom de voz emocionado: “meu Deus,

por que foi acontecer isso com você?... tão pequeno e já sofrendo desse jeito...” Ela parecia inconformada com a situação do bebê. (DV com

Rosa – F2).

Enquanto a funcionária administrava o leite pela sonda de Girassol, Tulipa ficava olhando para o bebê e com um tom de voz de preocupação, falou: “coitadinho do meu bebê... será que precisava

passar por tudo isso?” Tulipa parecia um pouco apreensiva ao ver seu

bebê naquela situação (DV com Tulipa – F5).

De acordo com o pensamento de Bowlby (1998), a tristeza é definida como uma reação normal a qualquer infortúnio, sendo em grande parte provocada por uma sensação de medo, aflição ou mesmo de perda. Ela, por si só, leva o ser humano a um estado de melancolia, apatia, desesperança, parecendo que tudo está perdido. Além disso, pode

levar a família a assumir um estado de total perplexidade diante da comunicação feita pelos profissionais, como se aquilo não estivesse acontecendo. Os integrantes da família ficam perdidos, confusos, com os pensamentos distantes e, algumas vezes, permanecem em silêncio ou choram.

A família sofre com a gravidade do quadro clínico da criança que se encontra em um ambiente que requer cuidados intensivos e a morte é uma presença constante que faz emergir o sentimento de perda. Morais e Costa (2009) referem que os sucessivos procedimentos invasivos que são necessários para monitorar, diagnosticar e tratar a criança vulnerabilizada pela situação vivida impõem às famílias atitudes de passividade, apenas presenciando silenciosamente a evolução clínica do bebê.

Ao se defrontarem com a notícia, as famílias do estudo tentavam buscar respostas que, em suas compreensões, justificassem o sofrimento que a criança estava passando. Diante disso, algumas vezes, percebi sinais de culpabilização, seja consigo próprios, ou ainda, transferindo a culpa para alguém. A culpa é outro sentimento experienciado quando se vivencia um momento de crise. Os trechos dos diálogos a seguir mostram claramente o sentimento de culpa ou de culpabilização expressa pelas famílias, enquanto fenômeno vivido:

Gérbera franzia a testa e mordia os lábios enquanto os olhos continuavam fixados no bebê. Então indaguei: “está tudo bem,

Gérbera?... você está compreendendo o que estou falando?” Ela

respondeu: “[...] dá uma peninha em ver ele assim... eu deveria ter me

cuidado mais para ele não nascer antes do tempo.” (DV com Gérbera –

F4. Gérbera, enquanto falava, tinha os olhos cheios de lágrimas).

[...] a pediatra ouviu o que Tulipa falava e explicou que o parto prolongado poderia ser um dos fatores para o bebê ter nascido asfixiado. Tulipa ficou ouvindo-a atentamente e comentou: “eu acho se a médica

tivesse feito cesárea, meu bebê não estaria aqui... meu marido está inconformado com tudo que aconteceu” (DV com Tulipa – F5).

Percebi que, enquanto falava, Alecrim ficava me olhando com expectativa. Arregalava os olhos demonstrando preocupação. Colocava as mãos na face e fazia um gesto negativo com a cabeça. Disse: “acho

que nada disso precisava ter acontecido se tivesse feito a cesárea na Tulipa... ela ficou um tempão em trabalho de parto, sofrendo de dor e, ainda, quando ela foi levada para mesa, só faltaram subir em cima dela

para o bebê nascer...” (DV com Alecrim, esposo de Tulipa – F5.

Alecrim relatava o que havia acontecido no Centro Obstétrico no dia do parto. Ele parecia muito irritado e, em alguns momentos, aumentava o tom de voz, parecendo estar vivenciando novamente o que havia ocorrido).

Camélia, que estava sentada ao lado do leito, me olhou e com uma expressão de indignação, falou: “vamos orar para que o bebê saia bem,

senão muita gente vai ter que se explicar...eu não sei quem, mas alguém é culpado por isso” (DV com Camélia, pastora da igreja que Alecrim e

Tulipa frequentavam – F5).

Ao vivenciar estes diálogos percebi que as famílias estavam sofrendo muito com tudo que estava acontecendo com o bebê. Naquele momento, “múltiplas eram as dores” das famílias, fato que ficou evidenciado em um dos diálogos com a família 5. O sentimento de indignação era associado com as intercorrências que ocorreram durante o parto, que culminou na internação do recém-nascido na UTIN e, ainda mais, pela notícia de que a criança precisaria ser submetida a mais uma intervenção dolorosa. Inconformados com a situação, tinham dificuldades de compreender as razões clínicas para a indicação do procedimento. Encontrar a quem acusar parecia a forma de enfrentar a notícia, já que era quase impossível não sofrer diante da imponderabilidade do “ter-que-fazer”. As famílias sofrem assistindo ao sofrimento, sofrem junto com o recém-nascido e sofrem pelo fato de vê- lo sofrendo, sem que elas possam fazer alguma coisa para evitar ou minimizar a sua dor, em especial nas situações em que ele é submetido aos procedimentos terapêuticos dolorosos. A família também vivencia a dor de sentir-se impotente, de ser incapaz de livrar o seu bebê daquele sofrimento (OLIVEIRA; ÂNGELO, 2000).

Com esta família observei também, durante o diálogo vivido, que um de seus membros procurava confortar e ajudar o outro, como maneira de minimizar a sensação de padecimento. Ao mesmo tempo em que proporcionava apoio emocional para seu companheiro, a esposa tentava também desviar o foco do diálogo para o que estava por acontecer dali em diante com o seu bebê.

Tulipa a interrompeu e como forma de acalmá-lo, falou: “tenho certeza

que o Girassol vai ficar bem... não vamos mais falar do que passou... agora o que importa é que nosso bebê melhore logo para a gente ir

embora” (DV com Tulipa e seu companheiro Alecrim, referindo-se

desta forma para tentar superar a experiência que tiveram durante o parto – F5).

Tulipa o interrompeu e novamente falou: “Alecrim esquece o parto.... a

enfermeira veio aqui para falar do Girassol e do procedimento que vai ser feito nele” (DV com Tulipa e seu companheiro Alecrim – F5).

Gaíva e Ferriani (2001) refletem que durante todo o ciclo de vida das famílias, muitas são as dificuldades e conflitos que terão que enfrentar, porém, nem sempre estão preparadas para as chamadas crises situacionais ou inesperadas, e então, sofrem muito. Dichtchekenian (1988) enfatiza, também, que a todo o momento somos afetados por experiências que assinalam o caráter contingente de nós mesmos. Os acontecimentos que nos afetam acidentalmente determinam o caráter de nossa existência, de estarmos à mercê de uma situação imprevisível ou mesmo circunstancial. Muitas vezes, a irracionalidade nos deixa sem resposta sobre por que precisávamos passar por tudo isso? Por que o meu bebê está sofrendo tanto? Por que eu não posso transferir para mim a dor que ele sentirá?

Os significados atribuídos às situações vivenciadas estão relacionados ao modo de existir do ser que as experiencia (VALLE, 1997). Assim, é relevante considerar, no que se refere à experiência da família, que não há definições prévias que consigam expressá-la, pois o ser humano se coloca no mundo sempre vivenciando diferentes situações, atribuindo significados, a partir de sua subjetividade. Paterson e Zderad (1979) trazem a concepção de que é por meio da expressividade do ser humano e de suas vivências únicas, que se desvela o modo de existir de cada um. É diante de uma mesma situação que cada EU experiencia sentimentos e percepções que lhes são próprios.

5.1.2 Tendo de aceitar o procedimento

Para algumas famílias é difícil aceitar ver que seu bebê tão frágil e pequeno possa sofrer tanto com tão poucos dias de vida (SANTANA, 2003). Porém, apesar disso, após o período do susto e da tristeza inexorável diante da notícia, o desespero parece, aos poucos, e no tempo particular de cada família, ceder lugar para certa conformidade com relação ao assunto.

procedimento, demonstrando temor de algo dar errado durante a execução da técnica, mostrando aflição diante do desconhecido, fazendo associações fortuitas, fantasiando acerca do modo de inserção do cateter, as famílias, aos poucos pareciam alcançar certa resignação, que pode ser resumida à expressão “ter-que-aceitar” o CCIP. Este “ter-que aceitar” vinha acompanhado pela disposição do “é preciso ter fé”, ou seja, todas as famílias, para enfrentar a situação inexorável, apoiaram-se na espiritualidade. Esta predisposição parecia servir de consolo diante do imponderável. Estes sentimentos também são referidos por outros estudos que buscam compreender os conflitos que as pessoas enfrentam diante de situações terrivelmente complexas como essa. Tais estudos mostram que, muitas vezes, em momentos de fragilidade, tristeza e angústia geradas pela necessidade de submeter-se a procedimentos dolorosos ou mesmo invasivos, há busca pelo poder divino, com o intuito de manter viva a esperança (FROTA et al., 2007). Autores como Lamy, Gomes e Carvalho (1997) afirmam ainda que as famílias de recém-nascidos internados em UTIN buscam a religiosidade como fonte de consolo.

Tulipa voltou-se para o bebê e, colocando sua mão novamente na sua cabeça, disse: “se Deus quiser você vai ficar bem, meu filho... Deus é

Pai e está cuidando de você” (DV com Tulipa – F5).

“[...] ele vai ficar bom. Vamos ter fé que Deus vai ajudar ele a sair

dessa!” (DV com Gérbera – F4).

“Se Deus quiser vai dar certo, meu lindo... as titias aqui vão conseguir

passar o cateter e você vai ficar bom logo e vamos para casa...” (DV

com Rosa – F2).

“O Alecrim é um pouco nervoso, mas já pedi calma para ele... agora

vamos só pensar no Girassol, ele está vivo e Deus vai nos ajudar a superar tudo isso” (DV com Tulipa – F5).

Neste momento é perceptível que a família se sustenta na fé e na esperança, como um lenitivo diante de tanto sofrimento. A religiosidade sustenta a crença de que o procedimento dará certo; terá sucesso. Para as famílias, crer em Deus também significa ter possibilidades, acreditar num vir-a-ser do bebê e com-o-bebê, transformando medos em esperanças.

A fé em Deus é um sentimento arraigado na nossa cultura e, como se evidencia nos depoimentos das famílias, é tão necessária quanto outras estratégias de enfrentamento. A necessidade de obter forças externas, como o apego à religiosidade, para superar a situação de angústia e sofrimento, permite às famílias sentirem-se acolhidas pela proteção de um ser superior que as acompanham e as auxiliam no enfrentamento de mais este obstáculo (MARQUES; FERRAZ, 2004). Os relatos são reveladores que as famílias não se rendem, ao contrário, lutam com determinação. Apoiadas na fé, na profunda ligação que estabelecem com Deus, encaram as dificuldades. Tomadas de esperança, não se permitem desanimar; vão em frente, colocando o destino nas mãos de Deus.

Em um dos diálogos vividos ficou evidente, principalmente na família 4, que o procedimento do CCIP era uma necessidade emergente para o neonato, devido, principalmente, às inúmeras tentativas de venopunções que o mesmo já sofrera para continuar a terapêutica proposta. Esta família presenciou a maioria das vezes que seu bebê perdeu os acessos venosos periféricos e seus sentimentos em relação ao bebê eram de piedade, compaixão por vê-lo sofrer tanto.

“Ele está ruim de veia?... essas picadas aí no braço foram para pegar a

veia dele?” Respondi que sim e percebi que Gérbera estava um pouco

tensa, mexendo as mãos constantemente. “Coitadinho do meu anjinho.

Fé em Deus querido! Vai dar tudo certo!” (DV com Gérbera – F4)

Durante os encontros especiais com cada família, onde explicava detalhadamente no que consistia o procedimento do CCIP a ser realizado nos recém-nascidos, muitos questionamentos surgiram. Por se tratar de um procedimento invasivo e complexo, muitas perguntas foram feitas para tentarem ter uma melhor compreensão do que era o procedimento e quais os benefícios e riscos que a criança estava correndo.

À medida que explicava sobre os passos do procedimento do CCIP, Rosa me olhava atentamente, demonstrando preocupação, franzia a testa, arregalava os olhos e em alguns momentos seus olhos se enchiam