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CAPÍTULO 1 O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E A FORMAÇÃO DE

1.3 A perspectiva do Grupo de Genebra: as Sequências Didáticas 16

Uma das mais influentes perspectivas sobre ensino de gêneros nas escolas brasileiras vem certamente do que se tem convencionado chamar de Grupo de Genebra, liderado pelos psicólogos suíços Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, que desenvolveram um enfoque sobre o ensino de gêneros orais e escritos por meio de Sequências Didáticas (Ibid., 2004).

De acordo com Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 97), “uma sequência didática é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”, mais recomendada para se trabalhar com “gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira insuficiente; sobre aqueles dificilmente acessíveis, espontaneamente, pela maioria dos alunos; e sobre gêneros públicos e não privados”.

O primeiro passo de uma sequência didática é a apresentação da situação, que “visa expor aos alunos um projeto de comunicação que será realizado ‘verdadeiramente’ na produção final”, e por meio do qual “a turma constrói uma representação da situação de comunicação e da atividade de linguagem a ser executada” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 99). Os autores ilustram a estrutura de uma Sequência Didática com o seguinte diagrama (Ibid., p. 98):

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Quadro 1 – Diagrama de uma Sequência Didática

Os autores enfatizam que, nesse primeiro passo, a tarefa de expressão oral ou escrita que os estudantes deverão realizar deve ser descrita detalhadamente a fim de prepará-los para o próximo passo: a produção inicial. O objetivo da primeira produção é tornar possível ao professor avaliar quais as habilidades e capacidades que os alunos já dispõem em relação ao domínio do gênero pretendido, de tal forma que possa, a partir de então, fazer ajustes nas atividades e exercícios previstos para a sequência. Este texto inicial oral ou escrito tornará real para os alunos os elementos dados na apresentação da situação, ajudando-os a iniciar a apropriação dos “instrumentos de linguagem próprios ao gênero” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 102) e deixando visível para o professor o tipo de problema a ser trabalhado ao longo dos Módulos.

Os Módulos são destinados a trabalhar os problemas que emergem na primeira produção e a dar aos alunos os instrumentos necessários para superá-los. É quando a atividade de produzir um texto será “decomposta, para abordar, um a um e separadamente, seus diversos elementos” (Ibid., p.103). Esses problemas podem ter origem em diferentes níveis que funcionam simultaneamente na mente do aluno, desde a compreensão da situação de comunicação, relacionada, por exemplo, à compreensão do objetivo comunicacional (convencer, divertir, informar etc), do gênero-alvo, da audiência pretendida

Apresentação da

Situação Produção Inicial Módulo n Produção Final Módulo

2

Módulo

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(pais, comunidade, colegas), até o conteúdo do gênero e sua estrutura composicional (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 104).

Como consequência desse processo, os estudantes constroem progressivamente o conhecimento sobre gêneros a fim de materializar todas aquelas noções aprendidas na produção final, que é o último estágio das sequências didáticas.

Para organizar a progressão escolar, Dolz e Schneuwly (2004) sustentam que deve ser dada prioridade às habilidades comunicativas do aluno. Para isso, eles devem ser preparados para dominar a língua em situações diversificadas e, portanto, a eles devem ser dados os instrumentos, ou seja, o domínio de gêneros diversificados. Ao mesmo tempo, os alunos devem ser auxiliados para que sejam capazes de construir a representação das atividades orais e escritas dentro de situações complexas (Ibid., p. 49).

É notório que o enfoque do Grupo de Genebra toma como embasamento o conceito de gêneros de Bakhtin (2000). Entretanto, a forma com que alguns conceitos desse grupo são desenvolvidos para a esfera educacional e, ainda, como são interpretados pelos autores brasileiros de livros e outros materiais didáticos e colocados em prática na sala de aula revela-se, no mínimo, reducionista, quase sempre considerando mais, quando não apenas, os aspectos formais do gênero. Ou seja, o gênero se torna o ponto de partida, a unidade de ensino da língua na escola, mas a forma textual é ainda o principal aspecto a ser trabalhado, resultando, como alerta Kleiman (2006a, p. 33), em descrições metatextuais “para falar do gênero, mas não para usá-lo”.

Ao analisar os Cadernos do Professor, material distribuído pela Secretaria de Educação de São Paulo com base na proposta das sequências didáticas, Martins (2008, p. 07) critica a compartimentação do trabalho com gêneros consubstanciado nesse material, e posiciona-se contra essa perspectiva, enfatizando que:

a proposta das sequências didáticas não se coaduna com o trabalho genuíno com os gêneros do discurso, uma vez que, quando buscamos de fato inserir esse trabalho na dimensão sócio-histórica mais ampla que lhe diz respeito por natureza, é impossível optar por um gênero, ou postular que primeiro se deve trabalhar com certa modalidade e depois com outra.

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Assim como Bakhtin (2000, p. 282) afirma que ignorar a natureza dos enunciados e as particularidades do gênero leva ao formalismo e à abstração, tomar os gêneros como ponto de partida para o ensino de língua na escola sem considerar seus usos e suas realizações dentro das situações nas quais eles estão inseridos pode levar ao mesmo resultado. Como bem adverte Bazerman (2006, p. 10), o “gênero dá forma a nossas ações e intenções” e, como meio de agência, “não pode ser ensinado divorciado da ação e das situações dentro das quais aquelas ações são significativas e motivadoras”.

Em consonância com esses últimos preceitos, defendo, quanto ao ensino de língua(gem), um quadro teórico baseado, sobretudo, no ensino por meio de projetos, focalizando especialmente a noção de projeto de letramento (KLEIMAN, 2000), como uma alternativa pedagógica contextualizada, situada e condizente com a noção de gêneros de discurso tal como concebida por Bakhtin (2000). Ainda, dentro da perspectiva do Núcleo de Pesquisa Letramento do Professor9, na qual este trabalho se insere, sustento o potencial dos projetos de letramento para atuar no desenvolvimento da formação continuada do professor, na medida em que possibilitam a sua inserção em práticas de leitura e produção da escrita das diversas instituições de prestígio. Contribuem ainda para a formação de uma nova identidade profissional, resultado de um reposicionamento social que fará com que esse professor assuma, antes de tudo, o papel de agente de letramento (KLEIMAN, 2002; 2006b), ou seja, “alguém que articula os interesses dos alunos e decide sobre como melhor ensinar a escrita, em função do interesse coletivo” (KLEIMAN e MARTINS, 2007, p. 724).

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Grupo coordenado pela Dra. Angela Kleiman, professora do Departamento de Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do qual participam pesquisadores (professores, graduandos e pós-graduandos) de diversas Universidades e entidades em todo o país, e cujo foco de trabalho é a formação inicial e continuada de professores (www.cnpq.lattes). Na apresentação do site do grupo, disponível em http://www.letramento.iel.unicamp.br/portal, acesso em 25.04.2010), lê-se: “O Núcleo de Pesquisa Letramento do Professor, criado em 1991, envolve grupos de pesquisadores que estudam as práticas de leitura e escrita de alfabetizadores, professores de língua portuguesa e outros agentes de letramento com a finalidade de subsidiar os programas de formação de professores e contribuir para a compreensão da identidade profissional dos que ensinam a ler e escrever numa sociedade cada vez mais escrita”.

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