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CAPÍTULO 4 GÊNEROS E VOZES NO PROJETO DO JORNAL ESCOLAR 89

4.4 Produção e análise do Artigo de Opinião: a contra-argumentação em foco 118

Em sua obra “Competência Discursiva, Gêneros Textuais: uma experiência com o jornal de sala de aula”, Baltar (2006, p. 131) traz o seguinte conceito do gênero Artigo de Opinião:

ARTIGO – Gênero opinativo que difere do editorial, por trazer a opinião de um autor e não representar necessariamente a opinião do jornal. Sempre assinado, pode ser escrito na primeira pessoa. Geralmente é escrito por colaboradores do jornal, com notório saber sobre o tema que escreve. Predomina o discurso teórico da ordem do expor, com sequências explicativas e argumentativas ou esquematização.

Esse conceito e vários outros ligados ao domínio jornalístico foram reproduzidos em material distribuído aos alunos (V. Anexo H) nas primeiras aulas do projeto. Segundo Bräkling (2000, p. 226), nesse gênero, busca-se “convencer o outro de uma determinada ideia, influenciá-lo, transformar os seus valores por meio de um processo de argumentação a favor de uma determinada posição assumida pelo produtor e de refutação de possíveis opiniões divergentes”. O processo de convencimento deve apresentar dados consistentes para sustentar as afirmações realizadas. Essa autora ressalta ainda que se trata de um gênero no qual a “dialogicidade e a alteridade se evidenciam no processo de produção, já que, para escrever um artigo de opinião, é preciso se colocar no lugar do outro, para antecipar suas posições”, a fim de poder refutá-las, ou seja, menciona-se aqui o que estamos nos referindo como “contra-argumentação”. Conforme esclarece Souza (2005, p. 78):

A contra-argumentação reflete não apenas a posição do locutor, pesando os prós e os contras, mas também do interlocutor, incluindo-se a discutibilidade do tema. Sendo discutível, o tema aglutina várias crenças e posições aceitas socialmente, além daquelas oriundas do interlocutor, modalidade que tanto demonstra uma forma mais elaborada da argumentação, como evidencia seu caráter polifônico.

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A escrita da primeira versão do artigo de opinião versou sobre o mesmo tema do debate – a proibição do boné - e foi solicitada logo após o debate como atividade extraclasse, a fim de funcionar como uma “produção inicial” (DOLZ, NOVERRAZ E SCHNEUWLY, 2004), para que pudéssemos verificar as habilidades e capacidades já apresentadas pelos alunos em relação ao domínio desse gênero.

Como já mencionado anteriormente, nessa primeira versão, todos os 17 textos produzidos, além de defenderem um determinado ponto de vista, também mencionaram o ponto de vista e os argumentos contrários ao que sustentavam. Entretanto, desses 17 textos, apenas um único apresentou uma situação de contra-argumentação, ou seja, apresentou contra-argumentos para rebater os argumentos elencados pela posição contrária à sua. Esse texto foi o do aluno Almir, reproduzido a seguir:

Primeira versão do Artigo de Opinião, analisado na Aula de 18.10.2006 Autor: Almir, 2º ano A

O USO DO BONÉ NA ESCOLA75

O uso do boné é proibido nesta e em muitas escolas. Existem regras que proíbem os alunos de frequentar escolas com esse acessório.

Na minha escola essa regra foi feita sem a minha opinião e a de todos os alunos; simplesmente a direção acha que não devemos usá-lo, e essa regra é imposta.

A direção diz que é essencial impor essa regra para que o aluno se prepare para o futuro; existem muitos lugares que não é permitido seu uso. Nesses lugares, é falta de respeito usá-lo.

Na escola, o boné é só mais um acessório; não acho que seja falta de respeito, e a direção sabe que não é. Nós sabemos muito bem onde não se pode usar esse acessório. A direção cita que seu uso não é permitido porque os alunos podem esconder objetos no boné, pode causar briga e também fala que é falta de higiene.

Eu discordo da direção porque se eu quisesse esconder objetos, nunca ia esconder no boné; qualquer coisa pode causar briga (uma mochila, um estojo etc) e se eles acham falta de higiene, problema é deles, porque não é não.

Vivemos num país democrata e se existem regras a cumprir, devemos estar dispostos a cumpri-las e de acordo com elas.

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Por essa peculiaridade, esse texto, muito embora contivesse uma carga argumentativa incipiente - o que foi devidamente ressalvado e, inclusive, utilizado para exemplificar suas fragilidades - foi utilizado como modelo de análise, para ilustrar uma situação de contra-argumentação76. Para tanto, o texto foi digitado e, depois de retirada a autoria e solicitada autorização do autor, foi feita uma transparência e projetado na parede. A partir daí, analisamos a estrutura do texto produzido, procurando evidenciar as características do gênero Artigo de Opinião, fazendo também um paralelo com o outro artigo de opinião analisado (sobre o uso do piercing).

Na análise, procuramos enfatizar a estrutura do texto argumentativo e os “movimentos da argumentação” (DOLZ, s/d) que se fizeram presentes. Para isso,

identificamos os seguintes aspectos: a posição do aluno em relação à regra do boné – que, no caso específico, foi tanto contra a regra estabelecida, quanto contra a forma não “democrática” como isso ocorreu; a justificativa da posição defendida, por meio da identificação dos argumentos favoráveis apresentados: a regra foi implementada sem se consultar os alunos; o boné é um acessório como outro qualquer; a refutação, em que identificamos os argumentos contrários ao do autor: a escola visa preparar os alunos para o futuro (ao estabelecer regras de etiqueta e comportamento social); o uso do boné é falta de higiene; pode-se esconder objetos dentro do boné; o boné pode causar brigas; e a contra- argumentação do autor, ou seja, a parte em que o aluno refuta os argumentos do outro lado (da direção da escola): o uso do boné não constitui falta de respeito, pois o aluno sabe onde se pode ou não usá-lo; há muitos outros e melhores lugares para se esconder objetos; qualquer outro objeto – como estojo, mochila – pode provocar briga; o uso do boné não é falta de higiene.

Para enfatizar a noção de contra-argumentação, destacamos alguns exemplos de expressões utilizadas para introduzir o discurso contrário, em relação ao qual se irá contra- argumentar, tais como “Alguns pensam”, “Muita gente acha”, Há quem considere, Fulano e

76 A escolha do texto desse aluno (Almir) causou surpresa aos demais por se tratar de um aluno estigmatizado

como preguiçoso, por estar sempre “dormindo” em sala de aula. Embora a escolha do texto tenha se pautado unicamente pela presença de uma característica linguística que apenas esse texto apresentou (a contra- argumentação), há de se frisar aqui um princípio que norteou nosso trabalho, qual seja, o de evidenciar o lado positivo de qualquer produção, ressaltando o que tem de melhor e o que o aluno já sabe ou aprendeu, para, apenas em seguida, apontar suas deficiências e apresentar soluções para seu aprimoramento.

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Cicrano defendem... etc., conforme sugerido por Barbosa, na Seção “As várias vozes que circulam num artigo de opinião” (BARBOSA, S/D, p. 26).

4.5 Da competência discursiva para a competência linguística: mais uma nova