• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E A FORMAÇÃO DE

1.5 Freineit e o Jornal Escolar como proposta pedagógica 28

1.5.1 A herança de Freinet: algumas experiências com o Jornal Escolar no mundo 31

1.5.1.1 A produção de jornais escolares no Brasil 33

No que diz respeito à produção de jornais escolares no Brasil, até onde se pesquisou, são relativamente recentes os trabalhos dessa natureza. No Mato Grosso do Sul, o jornalista e educador Jorge Ijuim (2005), desenvolveu, a partir de 1987, alguns trabalhos com a produção de jornais em escolas públicas daquele Estado, tendo desenvolvido sua Tese de Doutorado no campo da “Educomunicação” – campo de interface entre Educação e

34

Comunicação – na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, sob a supervisão do Professor Ismar de Oliveira Soares, um dos principais teóricos desse campo de pesquisa no Brasil. Trabalhando, a princípio dentro de uma concepção jornalística, Ijuim foi, paulatinamente, mudando o foco de sua análise, passando a “compreender as possibilidades da produção de jornais como contribuição ao processo de humanização no meio escolar” (IJUIM, 2005, p. 11). Esse autor defende que o jornal deve ser um sistema aberto para atender não apenas aos conteúdos cognitivos, mas para ser veículo de canalização das reflexões, das aspirações, dos medos e das alegrias dos pequenos comunicadores (Ibid, p.45).

Ijuim argumenta que ampliar a capacidade cognitiva do aluno é da mais alta importância, entretanto não é esta a única função da Escola. Sendo assim, a sua proposta é no sentido de tomar o Jornal Escolar como instrumento complexo, a fim de que professores e alunos incorporem, mais do que técnicas jornalísticas, uma postura de aprender a aprender, aprender-fazendo, conhecer pela vivência, cultivar valores e atitudes para se viver melhor. Dessa forma, “educandos e educadores serão mais que sujeitos do/no processo de ensino e aprendizagem, isto é, serão agentes sociais, dispostos a intervir para as transformações e a re-visão do mundo, cultivando valores (atitudes) que promovam a virtude” (IJUIM, 2005, p. 50).

Outra pesquisa brasileira envolvendo o Jornal Escolar é a de Baltar (2003), que, durante os anos de 2000 e 2002, trabalhou com a produção de jornais em sala de aula em duas escolas públicas de Porto Alegre. Esse pesquisador, ao justificar o trabalho com a produção de jornais escolares, aponta a artificialidade do ensino da escrita centrado em “redações escolares”, que qualifica como “produção escrita estéril e monológica” (BALTAR, 2006) e, citando Pécora (1999), salienta a artificialidade desses textos, que representam uma verdadeira carga escolar capaz de fazer da escrita algo semelhante a percorrer uma via-crúcis gráfica.

Com a preocupação de trabalhar com uma grande diversidade de gêneros para o desenvolvimento da competência discursiva, sobretudo escrita, do aluno, e de tornar a escrita um ato significativo e contextualizado, ou seja, de promover o contato dos alunos com textos autênticos que circulam na sociedade, Baltar enxergou no processo de produção

35

do Jornal Escolar a oportunidade para um trabalho diferenciado, em que todas aquelas características estivessem presentes. Segundo Baltar (2006, p.05), ao se oferecer aos alunos a oportunidade de participar na produção de um jornal, ainda que seja apenas no âmbito da escola, concede-se a eles uma chance para que possam, de acordo com seus interesses de pauta, dialogar com seus leitores sobre o que julgam importante, “de forma autônoma, participativa e independente”, aliando-se a competência discursiva ao exercício da cidadania.

Um programa relevante, que tem na produção do Jornal Escolar o seu foco de atuação, é o promovido pela Organização Não-Governamental “Comunicação e Cultura”, fundada em 1988, com sede em Fortaleza/CE e que, a partir de 1994, passou a priorizar o trabalho no contexto escolar, apoiando, primeiramente, a publicação de jornais estudantis no ensino médio. Mais tarde, em 1998, o programa foi ampliado para viabilizar a publicação de jornais escolares também dos alunos do ensino fundamental. O objetivo do programa é “atuar em escolas, principalmente públicas, visando promover a formação cidadã de crianças e adolescentes, democratizar a comunicação e contribuir para a melhoria da qualidade do ensino”. Segundo informações contidas no site da instituição, participam desse programa, atualmente, 589 escolas de 25 Secretarias Municipais de Educação do Ceará, incluindo Fortaleza, e também algumas escolas nos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Paraíba e Piauí (PORTAL DO JORNAL ESCOLAR, 2010).

Para Faria e Zancheta (2005, p. 141), mais do que o conhecimento da imprensa escrita, o Jornal Escolar se presta a formar uma atitude crítica a seu respeito. Esses autores destacam também a capacidade de o Jornal Escolar promover a interdisciplinaridade na escola, tendo em vista a possibilidade de abordar uma infinidade de assuntos e de apresentar uma grande diversidade de textos, e para estimular o trabalho coletivo, que pode envolver não apenas alunos e professores, como também funcionários da escola, pais e a própria comunidade. Para os autores portugueses Santos e Pinto (1992, apud, FARIA e ZANCHETA, 2005, p. 141), “o Jornal Escolar não é um fim em si mesmo, mas um dos meios possíveis para o desenvolvimento de uma dinâmica na escola”, que possa se “assentar numa atitude de ruptura com práticas pedagógicas rotineiras”.

36

Conforme se observa, muitos dos aspectos positivos citados por Freinet para justificar o trabalho com o Jornal Escolar são também relacionados por pesquisadores que têm desenvolvido pesquisas a partir da produção do Jornal Escolar nos nossos dias. Tudo isso evidencia a atualidade e a consistência das ideias que esse educador desenvolveu há tantas décadas e que, mundo afora, têm inspirado o desenvolvimento de projetos com a produção do Jornal Escolar como recurso didático para se trabalhar os mais diversos aspectos, com acentuada atenção para os aspectos linguísticos. Todos esses fatores parecem demonstrar a importância e o reconhecimento que o Jornal Escolar tem obtido enquanto recurso pedagógico em alguns países.

Em relação aos trabalhos de Baltar (2003) e Ijuim, pode-se dizer que nosso estudo será, por um lado, mais amplo, e, por outro, mais específico do que o realizado por ambos. Mais amplo, na medida em que a questão da competência discursiva, objeto da pesquisa de Baltar (2003) e representada pelo processo de ensino-aprendizagem de uma diversidade de gêneros discursivos na produção de um Jornal Escolar, e a do aprender- fazendo dentro de um processo em que valores e atitudes são trabalhados no meio escolar, tal como abordado por Ijuim (2005), também irão figurar, de alguma forma, na análise que farei. Mais específico, primeiro, na medida em que minha análise se dará à luz de um quadro teórico um pouco distinto, partindo, sobretudo, do enfoque dos Projetos de Letramento (KLEIMAN, 2000; TINOCO, 2008) aliado à abordagem da Teoria dos Sistemas de Atividade (RUSSEL, 1997). E segundo, porque o cerne da investigação se concentrará, precipuamente, nos efeitos que o processo da produção de um Jornal Escolar irá desencadear na formação continuada da professora e na (re)configuração da aula de língua portuguesa relativamente: às atividades que nela (e fora dela) serão desenvolvidas; ao seu formato espacial, temporal e metodológico; aos recursos pedagógicos e instrumentos nela utilizados; à relação da professora com o currículo e os conteúdos programáticos e, por último, aos papéis desempenhados e às representações construídas, tanto pela professora quanto pelos alunos participantes, ao longo desse percurso.

37

CAPÍTULO 2 - A PRODUÇÃO DO JORNAL ESCOLAR: A PESQUISA