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Está além dos objetivos deste trabalho mapear as linhas de pesquisas da História, não claramente demarcadas e objeto de

71 HONÓRIO FILHO, Wolney. No ar: amores amáveis. Um estudo sobre a produção do amor na música brasileira 1951-1958. Tese (Doutorado em História) – Ponti ícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1998, p.7 e 24.

72 OLIVEIRA. Fátima Amaral Dias de. Trilha sonora: topogra ia semiótica das canções independentes das décadas de setenta e oitenta. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filoso ia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1990. p.3.

diferentes interpretações mesmo para especialistas no assunto. Podemos pensar, de um modo genérico, dentro do universo de pesquisas do nosso tema, as seguintes linhas principais: História Social, História Cultural e História Política. Essas linhas de pesquisas estão presentes, por vezes com outras denominações, nos programas de pós-graduação em História nos locais onde encontramos pesquisas sobre música popular. A essas linhas, podemos acrescentar, no caso do nosso objeto, trabalhos de corte biográ ico que articulam estudos sobre a vida e a obra de determinados personagens com análises dos eventos sócio- político-culturais contemporâneos. Essas linhas de pesquisa são por vezes englobadas na denominação genérica de “história social”.

A expressão “história social” comporta múltiplas interpre- tações. Num sentido amplo, a expressão é frequentemente utilizada para designar uma postura historiográ ica que se constituiu em contraposição à historiogra ia política tradicional, centrada nos acontecimentos e na atuação dos grandes homens, que teve um marco no movimento dos Annales. Conforme Hebe Castro,

A revista e o movimento fundados por Bloch e Febvre, na França, em 1929, tornaram-se a manifestação mais efetiva e duradoura contra uma historiografia factualista, centrada nas ideias e decisões de grandes homens, em batalhas e em estratégias diplomáticas. Contra ela, propunham uma história-problema, viabilizada pela abertura da disciplina às temáticas e métodos das demais ciências humanas, num constante processo de alargamento de objetos e aperfeiçoamento metodológico. A interdisciplinaridade serviria, desde então, como base para a formulação de novos problemas, métodos e abordagens da pesquisa histórica, que estaria inscrita na vaguidão oportuna da palavra “social”.73

A ixação da expressão neste sentido amplo teria também a função de rea irmação do princípio de que, em história, “todos os níveis de abordagem estão inscritos no social e se interligam”.74

Ainda que, com o quase desaparecimento das abordagens tradicionais e a ocupação do campo historiográ ico pelas novas posturas, essa concepção ampla de história social tenha perdido em grande parte sua razão de ser, ela ainda é frequentemente empregada como forma de demarcação do espaço frente às abordagens da história política tradicional. Essa utilização, por exemplo, encontra-se na apresentação do programa de pós- graduação em História Social da Universidade de São Paulo:

O programa continua expressando, na sua denominação, a iliação à “História Social” porque é ela que articula as várias particularidades internas do Programa, é ela que lhe confere identidade e é por meio dela que se expressam as preocupações com a compreensão dos fenômenos históricos. Assim sendo, entendemos que mesmo quando nos debruçamos prioritariamente sobre aspectos políticos, institucionais ou culturais do processo histórico, o fundo comum de nossas preocupações é sempre a história social − seja a de caráter mais sociológico; seja a história social renovada, nos moldes da historiogra ia inglesa da segunda metade do século XX. Sob essa ótica, articulam-se nossas diferentes linhas de pesquisa, no interior das quais os pesquisadores podem, então, dedicar-se às especi icidades e especialidades.75

74 CASTRO, 1997, p.77.

75 FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS. Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em História Social. Apresentação do programa. Disponível em: <historia.f lch.usp.br/posgraduacao/ hs>. Acesso em: 26 abr. 2014. O Departamento de História da USP tem dois programas de pós-graduação: História Econômica e História Social. Também a Universidade Federal do Rio de Janeiro tem dois programas, um deles com a denominação de História Social como área de concentração (o outro é História Comparada) e estrutura-se em três linhas de pesquisa: sociedade e cultura, sociedade e política e sociedade e economia.

Nessa concepção ampla de história social, toda a historiogra ia da música popular realizada nos programas de pós-graduação em História, e mesmo em outras áreas, pode ser entendida como história social da música. Arnaldo Contier, na introdução de Brasil Novo: música, nação e modernidade, apresenta alguns parâmetros para uma história social da música, entendida nesta acepção genérica:

A História Social da Música visa a questionar possíveis elos que se poderia estabelecer entre a música e as estruturas econômicas, políticas e culturais de uma formação social, num momento histórico cronologicamente determinado. Tais estudos históricos devem privilegiar as conexões entre a produção artística e a sua decodi icação por um público especí ico. Além disso, devem discutir os possíveis obstáculos para a concretização de um determinado projeto estético [...]. Em síntese, a História Social da Música deve ter em mira não somente o estudo da criação artística em relação à sociedade, mas, também da vida de um grupo social e da relação deste com a arte.76

Mas existe também uma acepção mais restrita para história social, enquanto um campo ou área temática inserida na disciplina histórica, surgida como abordagem que buscava formular problemas históricos especí icos quanto ao comportamento e às relações entre os diversos grupos sociais.77 Em Domínios da

História, obra coletiva organizada por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas, o campo historiográ ico é apresentado na parte 1 (Territórios do historiador: áreas, fronteiras, dilemas) em 5 capítulos assim distribuídos: 1. História econômica; 2. História social; 3. História e poder; 4. História das ideias; 5. História das

76 CONTIER, 1988a, p.XV-XVI. 77 CASTRO, 1997.

mentalidades e história cultural.78 Analisando a historiogra ia

brasileira recente, desde uma perspectiva crítica que visava observar o lugar da história das ideias nessa historiogra ia, Francisco Falcom observou que as “áreas temáticas” são geralmente de inidas “em termos de história econômica, política, social, regional e cultural”.79 Com algumas variações e especi icidades,

são essas linhas que podemos encontrar nos programas de pós-graduação em História. Naturalmente, a produção sobre música popular desenvolvida sob essas “etiquetas” não tem necessariamente um caráter harmônico e homogêneo do ponto de vista teórico-metodológico, uma vez que em geral são articuladas diversas tendências e referências, incluindo instrumentais teóricos de outras áreas, como a Sociologia, a Antropologia, a Linguística, a Semiótica e, mais raramente, a Musicologia. Além disso, em alguns trabalhos é possível encontrar certo ecletismo teórico do ponto de vista da iliação às correntes historiográ icas mais delineadas. Um enfoque possível é observar a música da perspectiva de uma história da cultura brasileira. Teríamos, assim, uma abordagem dentro da linha denominada História Cultural, que vem ocupando internacionalmente espaço relevante na historiogra ia a partir de inúmeros trabalhos seminais realizados a partir da década de 1970. Ou, numa abordagem mais híbrida, entendendo a história da cultura como uma linha da história social no seu sentido restrito, teríamos uma história social da cultura. Por outro lado, a música popular urbana no Brasil também oferece muitos elementos para ser analisada do ponto de vista de uma história política, em geral entendida dentro dos programas de pós-graduação em História como uma linha da História Social.

78 CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. 79 FALCON, Francisco. História e poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p.180.

Ainda que naturalmente existam cruzamentos nessas linhas de pesquisa, para exempli icar, correndo o risco de certo arbítrio, poderíamos agrupar alguns trabalhos da seguinte maneira:

História política: Samba da Legitimidade, de Antonio Pedro;

Brasil novo: música, nação e modernidade. Os anos 20 e 30, de Arnaldo Daraya Contier; Uma estratégia de controle: a relação do

poder do estado com as escolas de samba do Rio de Janeiro no período de 1930 a 1985, de José Luiz de Oliveira; Sinal fechado: a música

popular brasileira sob censura (1935-45 / 1969-1978), de Alberto Moby; Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural

na trajetória da música popular brasileira, de Marcos Napolitano. História cultural: As sonoridades paulistanas: a música

popular na cidade de São Paulo e Metrópole em sinfonia: história,

cultura e música popular na São Paulo dos anos 30, de José Geraldo Vinci de Moraes; Cantores do rádio: a trajetória de Nora Ney e Jorge

Goulart e o meio artístico do seu tempo, de Alcir Lenharo; Nas tramas

da fama: as estrelas do rádio na sua época áurea. Brasil, anos 40 e 50, de Maria Marta Picarelli Avancini; Jovens tardes de guitarras,

sonhos e emoções: fragmentos do movimento musical-cultural Jovem Guarda, de Ana Barbara Aparecida Pederiva; Bossa nova é sal, é sol,

é sul: música e experiências urbanas (Rio de Janeiro, 1954-1964), de Simone Luci Pereira; Brutalidade e jardim: as imagens da nação da

tropicália, de José Edson Schümann Lima.

História social: Capoeiras e malandros: pedaços de uma

sonora tradição popular (1890-1950), Maria Angela Borges Salvadori; Lenço no pescoço: o malandro no teatro de revista e na

música popular. “Nacional”, “popular” e cultura de massas nos anos 1920, de Tiago de Melo Gomes; Eu não sou cachorro, não: música

popular cafona e ditadura militar, de Paulo Cesar de Araújo.

Estudos biográ icos: como observado anteriormente, alguns trabalhos enveredam por uma investigação mais biográ ica, que, a partir do estudo de personagens da música popular, procuram articular em torno dos eventos sociais, políticos e culturais de sua

época uma leitura sócio-histórica de sua produção, ou mesmo, a partir das relações de sua produção com seu momento histórico, tentam entender o contexto no qual ela foi realizada. Naturalmente isso é bem diferente dos trabalhos em torno de autores e obras tão presentes na antiga historiogra ia da música. Podemos citar nessa linha Custódio Mesquita, um compositor romântico: o entretenimento,

a canção sentimental e a política no tempo de Vargas (1930-1945), de Orlando de Barros; Chiquinha Gonzaga no Rio de Janeiro da “Belle

Époque”: um ensaio de memória, de Cleusa Souza Millan; A dama da

boêmia: imagens de Chiquinha Gonzaga, de Lícia Gomes Mascarenhas;

Luiz Gonzaga: o migrante nordestino na música popular brasileira, de Antonio Gomes da Silva. E também Cantores do rádio, de Alcir Lenharo, já relacionado como História cultural.