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Algumas pesquisas têm seu objeto construído em torno da obra de compositores ou intérpretes, adquirindo, assim, certo aspecto biográ ico. De um modo geral, estes trabalhos de corte biográ ico procuram articular em torno da vida de personagens marcantes da música popular leituras histórico-sociológicas do período de sua atuação ou questões culturais e comportamentais a ela relacionadas. No período que vai de 1971 a 1999, além do trabalho sobre Raul Seixas mencionado no item anterior, foram foco de pesquisas de pós-graduação na área de História em São Paulo e no Rio de Janeiro, Luiz Gonzaga, Chico Buarque, Custódio Mesquita e Chiquinha Gonzaga, com dois trabalhos.

Na tese de doutorado Luiz Gonzaga: o migrante nordestino na

música popular brasileira,53 Antonio Gomes da Silva procura explicar

como Luiz Gonzaga, com a colaboração de Humberto Teixeira, conseguiu, por volta da metade da década de 1940, fazer com que o baião ocupasse espaço no mercado musical da época. O autor considera que Luiz Gonzaga constituiu-se no primeiro fenômeno musical que estaria diretamente relacionado com a indústria fonográfica no Brasil e procura desvendar como isso teria ocorrido. Discute também como na metade da década de 1950 ele já não ocupava mais o mesmo espaço, ausentando-se do cenário nacional, e

53 SILVA, Antonio Gomes da. Luiz Gonzaga: o migrante nordestino na

música popular brasileira. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filoso ia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986.

como se deu sua volta aos grandes palcos, ao rádio e à mídia em geral na década de 1970. O trabalho segue como metodologia a história de vida e tem o materialismo histórico como visão da história e uma concepção da sociedade e da arte apoiada numa leitura do marxismo aproximada daquela comumente chamada de “marxismo clássico” ou “ortodoxo”. Considerando a música como um reflexo da sociedade, o autor trabalha com uma ideia de “povo” ou “massas populares” como as classes e grupos sociais que, num dado contexto histórico, resolvem as tarefas de desenvolvimento progressista da sociedade. O trabalho apresenta um tom apologético sobre Luiz Gonzaga e o autor desenvolve um raciocínio no sentido de colocá-lo como representante das classes populares.

Orlando de Barros, em Custódio Mesquita, um compositor

romântico: o entretenimento, a canção sentimental e a política no tempo de Vargas (1930-1945), toma como personagem central o compositor popular e artista atuante em distintas atividades, especialmente no rádio e no teatro, Custódio Mesquita, cuja carreira artística apresenta uma completa coincidência cronológica com o primeiro governo de Getúlio Vargas. Esse trabalho, embora articulado em torno da igura de Custódio Mesquita, é também um estudo de história política e discute o contexto sociocultural da época. Muito reconhecido em seu tempo, quando era tão popular quanto Noel Rosa e Ari Barroso, o nome de Custódio não ocupa lugar destacado na historiogra ia da música popular, sendo esse esmaecimento de sua memória uma das questões que o autor se propõe a enfrentar. Por meio da análise da trajetória de Custódio Mesquita, Orlando de Barros faz um estudo de diversos aspectos da cultura massiva durante a Era Vargas, abordando o estabelecimento do entretenimento público no Brasil e enfatizando particularmente a canção popular urbana. “Época de mudanças, de desenvolvimento industrial e crescimento urbano”, o período caracteriza-se, segundo o ator, “também por um notável incremento dos meios de comunicação

social” – cinema, teatro, imprensa e, especialmente, o rádio. Barros destaca a utilização por parte do governo Vargas desses meios “para promover a integração de um país ainda formado por regiões mal integradas”, observando também como esses meios se aproveitaram das circunstâncias e “desenvolveram-se a partir de um sistema de entretenimento que havia lorescido sobretudo no Rio de Janeiro”, estabelecendo “fortes laços com o sistema econômico em geral, espelhando aspectos importantes do capitalismo emergente”. O autor demonstra como o rádio reuniu “experiências do teatro, da literatura popular, do registro fonográ ico, do jornal ou revista, e principalmente, da canção” popular, criando uma “base de entretenimento popular capaz de prender a atenção do ouvinte”, condição necessária para a locução publicitária e para sua utilização política por meio da “presença do governo nos programas obrigatórios”. Ao longo do texto, o autor vai dissertar sobre diversos aspectos do meio artístico e da vida cultural da época, alinhavados em torno da igura de Custódio Mesquita, com destaque para a canção popular. 54

Dimensões da vida urbana sob o olhar de Chico Buarque, de Míriam Porto Noronha, tem como objetivo explorar as experiências sociais urbanas e seus significados, utilizando-se das canções de Chico Buarque de Hollanda, numa análise focada no discurso literário. A autora entende que nessas canções se encontram “construções de dimensões da realidade”, o que possibilita sua utilização como documento histórico. Ao longo do trabalho, a autora procurou “recuperar os cenários em que as personagens criadas por Chico vivenciaram suas experiências”, identificar “quais as personagens marcantes em sua obra musical, qual o significado do feminino em suas canções e as

54 BARROS, Orlando de. Custódio Mesquita, um compositor romântico: o entretenimento, a canção sentimental e a política no tempo de Vargas (1930-1945). Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filoso ia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Pulo, São Paulo, 1995, p.317-318.

possíveis razões da forte identificação do público com a música de Chico Buarque”.55

Chiquinha Gonzaga foi objeto de duas dissertações de mestrado no período, ambas realizadas no Rio de Janeiro, contrastando com sua presença por vezes minimizada em algumas narrativas da história da música no Brasil. A primeira delas, Chiquinha Gonzaga no Rio de Janeiro da “Belle Époque”: um

ensaio de memória, de Cleusa de Souza Millan, traça a trajetória da compositora, desde o Segundo Reinado até as três primeiras décadas da República, com ênfase no Rio de Janeiro da “Belle Époque”. A autora situa sua importância na história da música popular do país “por representar a fase de transição, em que se iniciou a ixação de uma temática brasileira na nossa música em meio ao predomínio de uma cultura ‘europeizante’”. Considera que, “apesar da ressonância de sua obra”, a memória social da compositora situa-se “num aparente dualismo”: conhecida pela elite cultural, é desconhecida do povo. A partir de uma percepção intuitiva dessa dicotomia, a autora se propõe equacionar e analisar as causas desse desconhecimento e consequente esquecimento por parte do “povo brasileiro”. Millan formula um conjunto de hipóteses e conclui que nenhuma delas, isoladamente, pode explicar esse fato. Como conclusão, a irmando a necessidade de “situar adequadamente a memória da compositora na memória coletiva do povo brasileiro”, apresenta um conjunto de possíveis iniciativas nesse sentido.56

A dama da boêmia: imagens de Chiquinha Gonzaga, de Lícia Gomes Mascarenhas, Universidade Federal Fluminense, 1998, “aborda as diversas imagens da compositora Chiquinha Gonzaga

55 NORONHA, Miriam Porto. Dimensões da vida urbana sob o olhar de Chico Buarque. Dissertação (Mestrado em História) – Ponti ícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1994, p. s/n, resumo.

56 MILLAN, Cleuza de Souza. Chiquinha Gonzaga no Rio de Janeiro da “Belle Époque”: um ensaio de memória. Dissertação (Mestrado em Memória Social e Documento) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996, p.6.

construídas em dois momentos: ao longo de sua carreira e após a sua morte”. Por meio da análise de artigos de jornal, publicados nos dois períodos, e três biogra ias da musicista, a autora observa “dois eixos principais em torno dos quais estas imagens foram produzidas: a transgressão dos limites impostos à condição feminina e a criação de uma música tipicamente brasileira”.57

Outro exemplo de pesquisa articulada em torno de trajetória individual é O “it” verde e amarelo de Carmen Miranda (1930- 1946), tese de Tânia da Costa Garcia, fora da periodização deste estudo. Nesse trabalho, a autora analisa a trajetória artística da cantora e atriz Carmen Miranda, situando “a intérprete da canção popular na discussão que se estabelecia na década de 1930 sobre música e identidade nacional”. Procura ainda “desvendar de que maneira a baiana estilizada criada por Carmen dentro da atmosfera nacionalista desse período, ao imigrar para os Estados Unidos, tornou-se em Hollywood um símbolo da identidade nacional e latino-americana”.58

A tese de livre docência de Alcir Lenharo, No ϔim da estrada:

a trajetória artística de Nora Ney e Jorge Goulart no tempo dos cantores do rádio,59 poderia ser incluída neste subitem dedicado

à historiogra ia organizada em torno de estudos biográ icos, na medida em que, por meio da trajetória de Jorge Goulart e Nora Ney, Lenharo estuda a música e o contexto cultural dos anos 1950, o

57 MASCARENHAS, Lícia Gomes. A dama da boêmia: imagens de Chiquinha Gonzaga. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1999.

58 GARCIA, Tânia da Costa. O “it” verde amarelo de Carmem Miranda. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filoso ia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. Publicada com título homônimo pela Annablume/FAPESP, 2004, p.13.

59 LENHARO, Alcir. No ϔim da estrada: a trajetória artística de Nora Ney e Jorge Goulart no tempo dos cantores do rádio. Tese (Livre docência) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1992. Publicada como: LENHARO, Alcir. Cantores do rádio: a trajetória de Nora Ney e Jorge Goulart e o meio artístico do seu tempo. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.

rádio, seus artistas e as transformações nos circuitos de produção e consumo que levaram ao esquecimento dos cantores do rádio. Mas vamos incluí-la no subitem seguinte para colocá-la junto a outros trabalhos dedicados à chamada Era do Rádio.