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A pesquisa com crianças: percurso (a ser) ladrilhado de desafios

A tradição de estudos da educação, até então voltada para processos e métodos pedagógicos, como busca de orientações únicas e gerais para a educação das crianças, tratadas de forma abstrata e universal, revela seu esgotamento ante as expectativas sociais e políticas dos “novos tempos”, em especial em países marcados por uma extrema desigualdade social e pela pobreza. (ROCHA, 2011. p. viii).

O Comitê do Direito da Criança considera que a participação da criança é um princípio fundamental para assegurar o cumprimento dos direitos que as crianças possuem. Trata-se, portanto, de um direito civil e político, como um fim em si mesmo, básico a todas as crianças. Entretanto, o fato de haver essa determinação legal não garante que esse direito civil e político seja concedido às crianças nas pesquisas com crianças (SOARES, 2006).

Dessa maneira, como desenvolver a pesquisa com crianças? Como elaborar instrumentos que possibilitem a interlocução com esses sujeitos da pesquisa? Como partir das crianças para o estudo das realidades de infância das suas experiências com o aprender com as experiências de dificuldades de aprender os conteúdos escolares? Como planejar os primeiros encontros, as primeiras conversar com as crianças? Estas e outras tantas questões nortearam a preparação para a entrada em campo.

Não olhar somente o que se quer ver, cuidado que dever ser tomado pelo pesquisador durante todo o processo de pesquisa. Ou seja, é importante que o/a pesquisador/a não lance seu olhar sobre as crianças buscando ver apenas seus próprios preconceitos e representações. Delgado e Müller (2005) consideram que é necessário romper com estereótipos e preconceitos sobre as crianças e suas culturas, que ainda permanecem estranhas e exóticas. Segundo Sarmento e Pinto (1997), não existem olhares inocentes, bem como não há ciência que seja construída sem ser fundamentada em concepções pré-estruturadas, valores e ideologias. Sendo assim, o que se requer do/a pesquisador/a trata-se de uma atitude investigativa, de constante confronto do/a pesquisador/a consigo mesmo/a e com a radical alteridade do outro, as crianças. "A 'autonomia conceptual' supõe o descentramento do olhar do adulto como condição de percepção das crianças e de inteligibilidade da infância” (SARMENTO; PINTO, 1997, p. 7).

É necessário ter o cuidado de escolher metodologias de pesquisa, técnicas e instrumentos que possibilitem que as crianças participem como co-autoras da pesquisa. A participação das crianças nas pesquisas é questão de poder. Segundo Soares (2006),

As dificuldades na partilha deste poder, decorrem, em muito, do facto de a sociedade adulta considerar que participação infantil é sinónimo de diminuição do poder e tutela dos adultos sobre as crianças. Decorrem também do facto de essa mesma sociedade adulta continuar a defender uma perspectiva da criança, como dependente da protecção do adulto e incapaz de assumir responsabilidades. (SOARES, 2006, p. 28).

Decidir pela participação das crianças não é colocá-las em primeiro lugar, mas é contribuir para a participação em um processo de construção de uma sociedade inclusiva para os cidadãos mais novos. Ou seja, que considera as especificidades das crianças. Nessa perspectiva, decidir pela participação das crianças no processo de investigação representa a tomada de importante passo para a construção de um "espaço de cidadania da infância um espaço onde a criança está presente ou faz parte da mesma, mas para além do mais, um espaço onde a sua acção é tida em conta e é indispensável para o desenvolvimento da investigação” (SOARES, 2006, p. 28s).

Decidir pela participação das crianças implica mudança em relação aos métodos e temas de pesquisa, uma vez que segundo Alderson (2005),

Reconhecer as crianças como sujeitos em vez de objetos de pesquisa acarreta aceitar que elas podem “falar” em seu próprio direito e relatar visões e experiências válidas. […] Logo, envolve todas as crianças mais diretamente nas pesquisas pode resgatá-las do silêncio e da exclusão, e do fato de serem representadas, implicitamente, como objeto passivos, ao mesmo tempo em que o respeito por seu consentimento informado e voluntário ajuda a protegê- las de pesquisas encobertas, invasivas, exploradoras ou abusivas” (ALDERSON, 2005, p. 423).

O/a pesquisador/a, por meio de suas escolhas metodológicas, visa a desenvolver um trabalho de desocultação das vozes das crianças, que os métodos tradicionais de investigação mantiveram ocultas, por meio de argumentos adultocêntricos de proteção das crianças de sua própria irracionalidade e incompetência. Assim,

o desafio que as metodologias participativas colocam aos sociólogos da infância é duplo: é por um lado, um desafio à imaginação metodológica, à sua criatividade, para a definição de ferramentas metodológicas polifónicas e cromáticas; por outro lado, é também um desafio à redefinição da sua identidade enquanto investigadores, que têm de se descentrar do tradicional papel de gestor de todo o processo, para encarnar o papel de parceiro que fará a gestão da sua intervenção com a consideração da voz e acção dos outros intervenientes – as crianças. (SOARES, 2006, p. 30).

Nesse sentido, Soares (2006) ressalta que ao se considerar as crianças como parceiras no processo de investigação, novos aspectos éticos se apresentam, colocando o/a pesquisador/a diante de novas responsabilidades, bem como diante de novos desafios éticos. Alguns desafios dizem respeito ao de desenvolver pesquisas que resultem em benefícios às crianças, bem como o de garantir que a identidade das crianças seja preservada, de que seja assegurado que a participação das crianças não acarretará nenhum prejuízo a elas. Garantir, também que as crianças poderão deixar de participar da pesquisa em qualquer momento se assim o desejarem.

Cabe ao/à investigador/a fornecer todas as informações relacionadas ao projeto de pesquisa, bem como apresentar para a criança e seus responsáveis, o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) constando todas as informações do projeto, do pesquisador/a e da instituição à qual é vinculado/a.

Dessa forma o/a investigador/a deverá atentar para que "o design da investigação, as estratégias e ferramentas metodológicas e as possíveis consequências que estas poderão ter, nomeadamente em termos de tempo, de medo, de coerção ou ansiedade" (SOARES, 2006, p. 33). O que exige do/a investigador/a olhar atento e sensível às reações das crianças durante o processo investigativo.

De acordo com Soares, Sarmento e Tomás,

O desafio que as metodologias participativas colocam aos sociólogos da infância é duplo: por um lado, um desafio à imaginação metodológica, à sua criatividade, para a definição de ferramentas metodológicas adequadas e pertinentes; por outro lado, um desafio à redefinição da sua identidade enquanto investigadores, descentrando-se do tradicional papel de gestores de todo o processo, para conceber a co-gestão do trabalho investigativo com as crianças. (SOARES; SARMENTO; TOMÁS, 2004, p. 7).

Nessa mesma perspectiva, Delgado e Müller consideram que como pesquisador/a "Nosso maior desafio é construir uma dinâmica de estranhamento e proximidade com as crianças, com nossas investigações, com as análises e tipos de escrita que priorizamos” (DELAGADO; MÜLLER, 2005, p. 116).

Foi esse o sentimento que perpassou todo o processo de construção da pesquisa de campo realizada nesse trabalho.

2 INFÂNCIAS, DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM, FRACASSO ESCOLAR E A PESQUISA COM AS CRIANÇAS

Este capítulo tem como objetivo apresentar os trabalhos sobre dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar realizados nos programas de Pós-Graduação no Brasil. Essa busca se justifica pelo fato de que essas pesquisas evidenciam quais orientações teórico-metodológicas foram escolhidas para nortearem as reflexões sobre essas temáticas, bem como permite conhecer quais as concepções fundamentam essas pesquisas. Para tanto, foi realizada busca no Banco de teses e dissertações da Capes, por essa instituição receber dos Programas de Pós- Graduação de todo o Brasil os trabalhos desenvolvidos nesse nível de ensino.

Com o intuito de alcançar o objetivo deste capítulo, quatro trabalhos balizaram a leitura e a elaboração das análises dos trabalhos selecionados, quais sejam A produção do fracasso escolar: histórias de rebeldia e submissão, de Maria Helena Souza Patto9; O estado da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar (1991 – 2002):

um estudo introdutório, de Angelucci et al10 (pesquisa coordenada por Maria Helena

Souza Patto); O fracasso escolar no pensamento educacional brasileiro, de Elianda Figueiredo Arantes Tiballi11 e o Os ciclos do fracasso escolar: concepções e

proposições, de Gina Glaydes Guimarães de Faria12. Essa escolha justifica-se pelo

fato desses trabalhos serem de grande relevância no estudo do fracasso escolar por o considerarem como uma produção histórico-psico-social, que é a abordagem teórica que orienta essa pesquisa.

2.1 As pesquisas sobre as dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar: