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3.7 Aprender e o não aprender para as crianças

3.7.2 O não aprender

Pesquisadora: E o que é não aprender?

Fernanda: Não estudar, não aprender nada e nem as mães ensinarem a

aprender.

Pesquisadora: Toda pessoa que estuda consegue aprender?

Giovana: Não, tem aluno que consegue aprender, tem aluno que não

consegue aprender, como eu e o Bruno.

Pesquisadora: Por que você acha que você não aprende?

Giovana: Eu aprendo, só que eu aprendo pouco por pouco. Eu queria

aprender tudo de uma vez. Mas num tem jeito.

Pesquisadora: Você aprende pouco por pouco? Como assim?

Giovana: Sim, eu aprendo um pouco de matemática, conta de mais eu já sei

de cor35. A de mais e de vezes eu já sei de cor. De menos eu ainda tô

aprendendo a fazer de cor.

Pesquisadora: E tem gente que aprende tudo de uma vez?

Giovana: An hãm! Meu irmão, meu irmão mais velho aprendeu tudo de uma

vez!

Pesquisadora: O jeito dele é diferente?

Giovana: É.

Pesquisadora: E o jeito do Bruno?

Bruno: Ãn? Eu quero aprender pra fazer as tarefa tudo certinha e parar de

andar na sala.

Coordenadora: E por que você acha que você não consegue fazer o que

você tem vontade?

Bruno: Porque eu tem ductilidade (dificuldade) eu e Giovana. Pesquisadora: O que é isso?

Giovana: Eu sei!!! É ser especial.

Coordenadora: Não… todo mundo é especial

Giovana: Mas a Maria [fonoaudióloga] falou que eu sou especial. Meu pai tem o mesmo problema que eu…

Quando a criança não consegue aprender, o/a professor/a repete a explicação. O que permite considerar que o/a professor/a não se percebe no processo de aprendizagem da criança. Para ela o problema está localizado na criança. Dessa forma, cabe à criança que enfrenta dificuldades de aprendizagem se adequar ao comportamento necessário para aprender.

Em pesquisa realizada em escola pública com crianças indicadas pela escola

como aqueles que apresentam baixo rendimento escolar, Bueno (2010) afirma que

não se pode negar que os alunos com baixo rendimento escolar podem carregar, especialmente nas situações de aprendizagem acadêmica, uma conotação negativa que é definida por Goffman (1988) como estigma. Ele se refere ao surgimento do termo na Grécia, quando servia para caracterizar sinais corporais que marcavam o sujeito como sendo possuidor de algo “extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava” (GOFMANN,1988, p.11). Na atualidade, o termo é mais utilizado para evidenciar a própria desgraça de seu possuidor do que com referência ao seu corpo. (BUENO, 2010, p. 125).

Giovana carrega essa marca. Nas atividades realizadas com as crianças sujeitos dessa pesquisa, Giovana é a que mais se destaca, fala bem, ordena com coerência suas ideias e no recreio exerce posição de liderança, sendo muito procurada pelas outras crianças nas brincadeiras. Entretanto, na sala de aula, o mesmo não ocorre; Giovana não é procurada pelas outras crianças (talvez por não ser capaz de corresponder às expectativas exigidas pelas atividades em sala de aula). As crianças identificadas com dificuldades de aprendizagem não têm problemas na socialização com os colegas fora da sala de aula, ou em atividades recreativas dentro da sala de aula, mas nas atividades educativas é necessário que o/a professor/a intervenham na formação dos grupos.

Coordenadora: Fernanda é muito insegura! Pesquisadora: Fernanda?!?!

Coordenadora: É, basta um “tonzinho” de dúvida que ela muda de opinião. Pesquisadora: Né nada, né Fernanda? (Mudei de assunto para não falar

sobre as fragilidades das crianças na frente delas.).

Qual sentimento deve perpassar a relação do professor com as crianças? Colocar em dúvida o argumento de uma criança que é considerada pela professora como insegura irá contribuir para que a Fernanda seja capaz de superar esse sentimento de insegurança? Possivelmente, a escolar reforça a insegurança dessa criança ao agir com ironia. Segundo Gualtieri e Lugli (2012), ao discutir sobre a constituição do fracasso escolar, afirma que

Não podemos esquecer também aquela situação em que crianças e jovens têm abaladas sua autoestima, em função de vivências escolares que as levam a acreditar em sua suposta incompetência e contra a qual julgam que pouco há para fazer.(GUALTIERI; LUGLI, 2012, p. 11).

A escola recorre ao trabalho de profissionais da saúde para explicar as dificuldades de aprendizagem que as crianças enfrentam. Nessa escola, há o trabalho de uma fonoaudióloga com as crianças que a escola identifica como aquelas que não estão conseguindo acompanhar a aprendizagem dos conteúdos escolares. As sessões com as crianças acontecem uma vez ao mês, por um período de 10 minutos com cada criança.

Na relação com o/a professor/a, as crianças afirmam que recorrem à sua ajuda na resolução das tarefas quando não estão conseguindo responder. O que permite afirmar que as aulas constituem em apresentar o conteúdo e em seguida aplicar tarefas para que as crianças respondam como no modelo mostrado pelo/a professor/a.

Gabriele: Tia, eu sei o que é dificuldade de aprendizagem. Quando a gente

num tá aprendendo a respondê, aí tem que pedi a tia pra podê ajudá.

Pesquisadora: Como é a sua professora? Valéria e Fernanda: Boa, boa, boa.

Fernanda: Todas as professora nessa escola é boa, menos a tia Mara. Valéria: Nossa, a mais boa??? (Muito admirada)

Giovana: As professora daqui é tudo boa!

professora do filme: Uma professora muito maluquinha.).

Giovana percebe que está com dificuldades de aprendizagem quando não é capaz de responder as tarefas. Quando não consegue descobrir o que deve ser colocado como resposta às questões que o/a professor/a propõe. Giovana, entretanto durante as conversas entre a pesquisadora e as crianças, demonstrou ser muito inteligente, competente ao falar sobre os mais variados assuntos, bastante criativa ao elaborar suas respostas.