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Capítulo 2. Ensino de Ciências/Física na Educação de Jovens e Adultos

2.2 A pesquisa em ensino de Ciências/Física na EJA

Neste tópico realizamos uma revisão bibliográfica de pesquisas que abordam o ensino de Ciências, especialmente a Física, na EJA, com o objetivo de investigar o que vem sendo produzido sobre esta temática e encontrar subsídios que fundamentem nossas discussões ao longo deste trabalho.

Desta forma, foram selecionados artigos em oito importantes periódicos de ensino de Ciências e ensino de Física do país, são eles: Ciência & Educação, Investigações em Ensino de Ciências, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Revista Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências, Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Revista Brasileira de Ensino de Física, Ciência & Ensino e Experiências em Ensino de Ciências.

Não delimitamos um intervalo temporal na busca dos artigos, uma vez que o tema procurado já é bastante específico, além disso, atualmente grande parte das revistas científicas eletrônicas conta com ferramentas de busca por artigos8. Assim, foi realizado o levantamento nas revistas citadas através do sistema de busca por título e/ou palavras-chave dos artigos, sendo utilizadas as palavras EJA e adultos como norteadoras da procura. Foi encontrado um total de 13 trabalhos, sendo que as revistas Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Revista Brasileira de Ensino de Física e Ciência & Ensino não apresentaram nenhum artigo com a temática procurada.

Iniciamos a discussão com o artigo de Santos, Bispo e Omena (2005), trata-se de uma pesquisa realizada com 19 professores de Ciências Naturais da EJA Ensino Fundamental (EJA/EF) do município de Aracaju-SE que visou buscar as concepções dos docentes sobre cidadania e ensino, e as principais dificuldades na formação de alunos-cidadãos. De acordo com a análise das entrevistas realizadas, as autoras concluíram que a maior parte dos docentes possui uma concepção de cidadania restrita à ciência de direitos e deveres, sem mencionar a sua prática efetiva. E apesar dos professores terem manifestado a importância da formação de alunos-cidadãos, os mesmos parecem não reconhecer o seu efetivo papel na colaboração para a concretização do exercício da cidadania. Sobre as dificuldades manifestadas pelos docentes em relação as sua práticas, as autoras destacam: ausência de integração entre escola, professor e comunidade; desconhecimento da proposta da EJA no município; falta de um planejamento voltado às necessidades e peculiaridades dos alunos jovens e adultos; ausência de cursos de capacitação docente, principalmente, na área de educação de jovens e adultos; desmotivação

8 Dos periódicos consultados apenas a Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências não possui sistema de busca, tendo que ser examinado o sumário de cada número publicado.

por parte dos alunos e a desvalorização profissional. Assim como em nosso estudo, as autoras destacaram a formação de professores como ponto crucial para atender as especificidades das classes de EJA e promover um ensino de Ciências Naturais que contribua para o desenvolvimento pleno da cidadania desta clientela.

Os trabalhos de Muenchen e Auler (2007a, 2007b) buscaram identificar e discutir os posicionamentos e dificuldades encontradas por professores da EJA quanto à utilização de temas e problemas de relevância social em suas aulas. Apesar de a pesquisa ter sido realizada com professores de EJA, nota-se que as características específicas desta modalidade não são a principal preocupação dos autores que admitem direcionar suas pesquisas para a modalidade por esta permitir uma maior flexibilidade curricular, inclusive facultada pelos textos legais, diferentemente do que vem ocorrendo no ensino médio regular onde os programas curriculares estão excessivamente associados ao vestibular. Contudo, é importante destacar a seguinte observação realizada pelos autores: “mesmo que o PEIES9

não condicione explicitamente o fazer pedagógico do professor da EJA, influencia este professor, o qual tem a maior parte da sua experiência com o ensino regular, seguindo programações com as características deste programa de ingresso na universidade” (MUENCHEN; AULER, 2007a, p. 429). Questão que nos faz refletir sobre a importância e necessidade da formação específica para o professor que atua em classes de jovens e adultos.

A abordagem temática também foi proposta por Moreira e Ferreira (2011) para o ensino de Ciências e Biologia em classes de EJA. Justifica-se a utilização desta abordagem como forma de atender aos desafios próprios das classes de jovens e adultos. Os educandos envolvidos nesta proposta realizaram Seminários Interativos, a partir de diversos temas sugeridos e que buscavam articular os conceitos científicos com os contextos de vida dos estudantes. Com base nos depoimentos dos educandos, os autores concluíram que foi possível criar um ambiente de aprendizagem que respeitasse as especificidades da EJA, uma vez que os temas propostos foram problematizados, possibilitando o diálogo entre os conteúdos conceituais de Biologia e os contextos de vida dos educandos, assim como a valorização dos saberes prévios e das experiências que os estudantes trazem para a escola.

Espíndola e Moreira (2006) apresentaram uma proposta semelhante ao utilizarem a estratégia de “projetos didáticos” como alternativa para o desenvolvimento de conceitos da disciplina de Física com alunos da EJA de uma escola em Porto Alegre-RS. De acordo com os autores, “as principais características do trabalho por projetos são a problematização de um

9 Programa de Ingresso ao Ensino Superior, modelo de vestibular implementado pela Universidade Federal de Santa Maria.

tema e a produção de um objeto ou de uma ação por parte dos alunos” (ESPÍNDOLA; MOREIRA, 2006, p.59), a pedagogia de Paulo Freire também é referência nesta pesquisa. A abordagem utilizada foi apontada como uma possibilidade de adequar o ensino de Física às características dos alunos, principalmente porque ela permite um maior relacionamento entre os conhecimentos prévios dos alunos com os conhecimentos científicos como principal ponto de articulação entre a proposta de projetos didáticos na EJA.

A consideração do cotidiano e a valorização do conhecimento que os alunos jovens e adultos possuem também é a principal preocupação de Merazzi e Oaigen (2008) ao desenvolverem atividades práticas de Ciências com alunos da EJA/EF. Temática que também está presente no artigo de Leite, Silva e Vaz (2005), que relata acerca da aceitação e das impressões dos alunos sobre o desenvolvimento de aulas práticas na disciplina de Ciências. Após a realização das atividades, ambos os artigos trazem conclusões positivas desta abordagem, tanto para facilitar o desenvolvimento cognitivo, como para motivar os educandos.

O artigo de Vilanova e Martins (2008) trouxe importantes contribuições para esta pesquisa. As autoras buscaram compreender as articulações existentes entre a Educação em Ciências (EC) e a Educação de Jovens e Adultos, através da análise da “Proposta curricular para a educação de jovens e adultos: segundo segmento do Ensino Fundamental”, publicada pela Secretaria de Ensino Fundamental do MEC em 2002. Para isto, foi utilizada a Analise Crítica do Discurso, que se caracteriza uma vertente da Análise do Discurso, visando relacionar os textos e enunciações referentes à EJA e à EC com suas condições sociais e históricas de produção. Esta característica também está presente em nosso trabalho, uma vez que buscamos analisar os discursos dos licenciandos sobre a EJA sob a ótica de suas condições de produção.

As autoras concluíram que apesar do documento analisado demonstrar preocupação quanto à promoção da saúde pública, a educação para o trabalho e para a cidadania, as duas últimas vertentes – essenciais para a concepção de educação científica plena e garantida pela legislação referente à EJA, são mencionadas de maneira bastante inespecífica, indicando a necessidade de um maior diálogo entre a EJA e a EC (VILANOVA; MARTINS, 2008).

A pesquisa de Lambach e Marques (2009) teve como objetivo investigar elementos caracterizadores de Estilos de Pensamento – EP, de professores de Química que atuam na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Estado do Paraná. De acordo com os autores, o EP pode ser entendido como categoria analítica, formulada por Ludwik Fleck, utilizada “como

auxiliar na identificação de como se estrutura o conhecimento em determinado campo de estudo, neste caso, o Ensino de Química na EJA” (LAMBACH; MARQUES, 2009, p.219). A partir do pensamento fleckiano pode-se entender que os EPs são estruturados de acordo com as experiências sociais, históricas e culturais vivenciadas pelos sujeitos ao longo da vida. A pesquisa visou ainda investigar de que forma esses EPs são influenciados pela formação inicial e continuada dos docentes, e também verificar a existência da formação de Coletivos de Pensamento – CP, que são características comuns de pensamentos de um coletivo que possuem um EP específico. Tais características podem ser desde um vocabulário comum até uma mesma de forma de compreender certos fatos (LAMBACH; MARQUES, 2009).

A investigação ocorreu em dois momentos: o primeiro com a aplicação de um questionário, que visou situar o perfil profissional dos docentes participantes. A partir da análise dos 47 questionários respondidos e utilizando a Análise Textual Discursiva, os autores revelaram algumas considerações referentes à atuação dos professores de Química na EJA, das quais destacamos as seguintes:

b. Reconhecem a necessidade de uma metodologia de ensino de Química específica para a EJA.

c. Indicam a necessidade de observar o cotidiano dos alunos. (...)

e. Selecionam os conteúdos destinados ao ensino de Química para a EJA em relação ao Ensino Regular, sem apresentar os critérios ou então se justificando por uma tendência de aligeirar a escolarização.

f. Utilizam uma linguagem específica da Química, apoiando-se em processos de memorização de fórmulas e nomes de substâncias Químicas, além da resolução de problemas de Química, matematizando os fenômenos ao invés de tratá-los qualitativamente. (LAMBACH; MARQUES, 2009, p.229).

Tais apontamentos parecem indicar que apesar dos docentes sentirem a necessidade de propor um ensino específico para a EJA, os mesmos se pautam no ensino regular para selecionar os conteúdos e utilizam uma abordagem tradicional, baseada na formalização matemática, o que pode resultar numa maior dificuldade de aprendizagem para os alunos. O segundo momento desta pesquisa constituiu em realização de entrevistas com 25 professores selecionados. A partir da análise das respostas obtidas, os pesquisadores sugerem quatro prováveis Estilos de Pensamento dos professores de Química que atuam na EJA, que são os seguintes: I. Professor Suplência – que entende a EJA como ensino supletivo, ou seja, possui uma forte concepção de compensar o tempo perdido do aluno e da necessidade de acelerar/aligeirar o processo educacional, para a certificação rápida; II. Exemplificador – que utiliza alguns exemplos cotidianos de qualquer contexto para introduzir e ilustrar o conteúdo;

III. “Quimiquizante” - que procura um caráter social no conteúdo para justificar a presença da Quimica no dia a dia; e, por fim, IV. Empiricista-Metodológico: baseia-se em atividades práticas para reforçar o conteúdo. (LAMBACH; MARQUES, 2009).

Freitas e Aguiar Júnior (2010) buscaram examinar “a construção de significados por estudantes jovens e adultos na sala de aula de Física a partir de suas produções escritas, forjadas no contexto de uma atividade avaliativa, nas quais os estudantes argumentam sobre a possibilidade de movimento da Terra” (FREITAS; AGUIAR JÚNIOR, 2010, p.44). Os autores se inspiraram na Filosofia da Linguagem de Bakhtin para analisar os discursos escritos dos alunos, buscando examinar a relação entre as palavras dos estudantes, fundadas em suas experiências cotidianas, e as “palavras alheias” da ciência escolar. Nas considerações finais, os pesquisadores destacam que os textos produzidos pelos alunos da EJA possuem uma tendência marcada pela relação de assentimento, ou seja, os alunos se apropriam integralmente do discurso do professor ou do texto didático, sem que haja qualquer de questionamentos ao discurso escolar ou suas marcas individuais.

O artigo de Krummenauer, Costa e Silveira (2010) apresenta uma proposta de ensino de Física contextualizada, visando que esta seja significativa e motivadora para os alunos da EJA/EM de uma escola privada de um município do Rio Grande do Sul. A partir de um levantamento realizado para conhecer o perfil dos alunos, foi constatado que a grande maioria dos estudantes trabalhava, ou já tinham trabalhado, em algum setor da produção coureira. Desta forma, com base nas ideias de Paulo Freire, os pesquisadores abordaram o processo de produção de couro como tema gerador, trabalhando conceitos da Cinemática e da Dinâmica do Movimento Circular Uniforme.

Destacamos a atividade de saída de campo com os educandos a um curtume10, que foi uma oportunidade dos alunos que trabalhavam no setor explicarem ao grupo em que consistia seu trabalho. Segundo os autores, esta atividade pôde ser considerada uma das mais importantes do projeto, uma vez que valorizou a autoestima e os saberes dos alunos, concordando mais uma vez com o pensamento de Freire quanto aos saberes relativos do professor e dos alunos.

Por fim, foi utilizada a construção de mapas conceituais como avaliação do processo de aprendizagem, os resultados são explicitados em Krummenauer e Costa (2009). Os autores sugerem a utilização deste instrumento como uma forma de evitar o uso de operações matemáticas em virtude das dificuldades apresentadas pelos alunos jovens e adultos, além de

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permitir ao professor conhecer organização do pensamento do aluno sobre o conteúdo de um conhecimento específico.

Também encontramos em nosso levantamento o artigo de Fraga e Borges (2010) que aborda a questão da Bioética numa classe de EJA/EM. O trabalho tem como principal preocupação o estudo da reconstrução do conhecimento sobre ética animal pelos alunos de uma turma. Entretanto, este trabalho não trouxe considerações sobre as características específicas da modalidade.

Além dos artigos, foi realizado um levantamento a partir do banco de teses e dissertações da CAPES11 (JESUS; MARQUES; ZANATA, 2010). Limitamos esta busca por pesquisas através das palavras-chave EJA e Física, sendo encontradas cinco dissertações de mestrado e uma tese de doutorado. Foram observadas algumas considerações em comum em ambos os levantamentos conforme apontamos a seguir.

Primeiramente, notamos que grande parte dos trabalhos levantados foi realizado por professores-pesquisadores que atuam ou atuaram na EJA, indicando que, como professores de classes de jovens e adultos, estes sujeitos possivelmente sentiram a necessidade de aprofundar seus conhecimentos sobre o ensino para esta modalidade.

Um ponto que nos chamou a atenção foi que, apesar de não termos delimitado um período de tempo para realizarmos o levantamento dos trabalhos, todos eles podem ser considerados recentes, com o ano de publicação a partir de 2005. Fato que pode indicar que esteja havendo uma maior preocupação das pesquisas, em relação a essa temática, nos últimos anos. De qualquer forma, o número de trabalhos encontrados no total ainda é pequeno, tendo em vista a longa história que a educação de jovens e adultos possui no país.

Outra observação que pode ser feita é que, com a exceção do trabalho de Lopes (2009), as demais pesquisas encontradas no banco de teses ou mesmo os artigos levantados são referentes à dissertações de mestrado, sugerindo a necessidade de um maior aprofundamento nessa temática.

Destacamos ainda a presença constante do pensamento de Paulo Freire nas pesquisas, e a valorização de propostas que busquem aproximar os conceitos científicos da realidade cotidiana vivenciada pelos jovens e adultos e o respeito aos saberes que estes sujeitos trazem de suas experiências.

Por fim, apontamos a ausência, em alguns trabalhos, de referenciais teóricos que discutam a constituição e as especificidades da EJA, notando que apesar destes trabalhos

11 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Banco de teses e dissertações disponível em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses.

realizarem suas investigações com sujeitos da modalidade, não a tem como objeto de investigação ou mesmo não se atentam as suas características específicas. Assinalamos também a ausência de trabalhos que abordassem a temática da formação de professores para a modalidade, tendo em vista que a maioria das investigações trabalhou diretamente com os alunos da EJA.

2.3. O ENSINO DE FÍSICA PARA A EJA NAS ORIENTAÇÕES CURRICULARES