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Capítulo 1. Um Panorama da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

1.3 Considerações históricas

Nesta seção buscamos apresentar um breve panorama da história da EJA no Brasil, tomando por foco os principais acontecimentos que desencadearam o desenvolvimento da Educação de Jovens e Adultos no país.

Alguns autores apontam que a educação de jovens e adultos no Brasil teve início no Período Colonial, quando a partir da catequese promovia-se ação educativa com colonos adultos com a finalidade de que pudessem seguir as ordens e instruções da corte (RIBEIRO, 2009). Tal fato já indica problemas que podem ter trazido reflexos para as questões sociais do país, uma vez que nas primeiras organizações educativas no Brasil o objetivo principal para a população em geral foi a obediência e a adaptação aos bons costumes. Para Freire (1967), as condições estruturais de nossa colonização não foram favoráveis às experiências democráticas.

Segundo Vieira (2006, p.44), com a expulsão dos Jesuítas no século XVIII, as iniciativas para a educação de adultos que ocorreram no Brasil Colônia e no Império foram “raras e pouco significativas no que se refere ao número de educandos envolvidos”. De acordo com a autora, somente a partir da década de 40 do século XX que as ações educativas para jovens e adultos se tornam mais sistemáticas e direcionadas para as grandes massas.

Destacamos, contudo, que em 1891 a primeira Constituição Republicana vinculou o exercício do voto à alfabetização, num país onde cerca de 70 % da população era analfabeta, a maioria das pessoas ficou excluída de participação política através do voto. Tal fato demonstra uma concepção liberal que responsabiliza o indivíduo por sua ascensão social, desconsiderando as grandes desigualdades de acesso aos bens econômicos e sociais da época.

Já em 1931, numa tentativa de conter as lutas sociais e impor uma maior presença, o Estado passou a assumir uma posição centralizadora promovendo uma série de reformas na área da educação, dentre elas está a reforma da educação promovida pelo Ministro Francisco Campos. Esta reforma implantou o regime de séries para o ensino secundário, determinando sincronia entre a faixa etária do estudante e a seriação considerada adequada, abrindo caminho para o estabelecimento de uma dualidade na educação brasileira entre o ensino regular e o ensino para adultos – denominado supletivo (BRASIL, 2000b).

Foi a partir dos anos 40 que a educação de jovens e adultos começou a ser tratada como campo pedagógico específico, de características próprias, marcando presença na política educacional brasileira (VIEIRA, 2006). Marcado pelo contexto internacional da Guerra Fria, diante de um clima de redemocratização nacional e dos estímulos de organismos internacionais que viam no analfabetismo a causa para o atraso econômico dos países (SILVA, 2006a), teve início as campanhas que visavam erradicar o analfabetismo no país, na época visto como uma doença ou “erva daninha” (GADOTTI, 2007).

Em 1947 foi lançada a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA). Para Haddad e Di Pierro (2000) esta campanha teve importante influência para a área, principalmente por criar estabelecimentos próprios nos estados e municípios para a oferta de educação de jovens e adultos, espaços que foram posteriormente preservados pelas administrações locais. E apesar das campanhas terem contribuído para a diminuição dos índices de analfabetismo da população, estes índices foram contestados já que eram contabilizados através da autodeclaração, ou seja, o individuo se declarava alfabetizado ou não durante as pesquisas em domicílio. Muitas pessoas, por questões políticas e sociais, como o direito ao voto, se declaravam alfabetizadas, apesar de saberem apenas assinar o próprio nome. Situações como esta acabavam interferindo nos índices reais de analfabetismo. De qualquer forma, o entusiasmo destas campanhas não se manteve até serem extintas em 1963.

No final da década de 50, diante de um contexto em que o desenvolvimento acelerado trouxe um desequilíbrio na economia brasileira, o clima de insatisfação e as mobilizações políticas das camadas populares se intensificaram. Dessa forma, a educação de adultos passou a ser reconhecida como um poderoso instrumento de educação política, através de práticas educativas que iam além da preocupação com os aspectos pedagógicos do processo ensino- aprendizagem e refletiam sobre questões sociais (HADDAD; DI PIERRO, 2000).

Segundo Gadotti (2007) foi neste período que surgiram duas correntes significativas na educação de adultos.

A educação de adultos entendida como educação libertadora, como “conscientização” (Paulo Freire) e a educação de adultos entendida como educação funcional (profissional), isto é, o treinamento de mão de obra mais produtiva, útil ao projeto de desenvolvimento nacional dependente. (GADOTTI, 2007, p. 35, grifo do autor)

Enquanto a segunda tendência trouxe uma concepção supletiva da educação de jovens e adultos, considerando-a como uma extensão da educação formal para adultos; a primeira tendência revelou Paulo Freire cujas ideias tornaram-se principal referência para a EJA e trouxeram um novo paradigma teórico e pedagógico para a área (BRASIL, 2000b).

Contudo, com o golpe militar de 1964, os programas e movimentos populares emancipatórios foram interrompidos. Para Haddad e Di Pierro (2000, p.113):

A repressão foi a resposta do Estado autoritário à atuação daqueles programas de educação de adultos cujas ações de natureza política contrariavam os interesses impostos pelo golpe militar. A ruptura política ocorrida com o movimento de 64 tentou acabar com as práticas educativas que auxiliavam na explicitação dos interesses populares. O Estado exercia sua função de coerção, com fins de garantir a “normalização” das relações sociais.

No entanto, segundo os autores, o Estado tinha uma necessidade de dar respostas aos apelos das comunidades nacionais e internacionais quanto ao direito de cidadania – ao qual se inclui a escolarização básica de jovens e adultos ao mesmo tempo que precisava atender aos interesses hegemônicos do modelo socioeconômico iniciado pelo regime militar.

Estas respostas ocorreram por meio de duas vias. A primeira, através da fundação do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) em 1967, que se propôs a acabar num prazo de dez anos com o analfabetismo, classificado pelo presidente Médici como uma “vergonha nacional”. De acordo com Paiva, (1982 apud HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.114) a propaganda que se fazia na época era que o MOBRAL “livraria o país da chaga do analfabetismo e simultaneamente realizaria uma ação ideológica capaz de assegurar a estabilidade do ‘status quo’, permitindo às empresas contar com amplos contingentes de força de trabalho alfabetizada”.

Segundo Haddad e Di Pierro (2000) o MOBRAL chegou imposto, sem a participação dos educadores e da sociedade. A produção de material didático era centralizada e, apesar de inspirada na abordagem de alfabetização proposta por Paulo Freire, as questões problematizadoras e reflexivas foram retiradas do material. De acordo com os autores, o programa foi criticado devido ao pouco tempo destinado à alfabetização e pelos critérios empregados na verificação de aprendizagem, uma vez que era considerada alfabetizada toda

pessoa que soubesse assinar o próprio nome. O programa se estendeu até 1985 quando foi extinto e substituído pela Fundação Nacional para Educação de Jovens – Educar3.

A segunda resposta do governo militar quanto à educação de adultos ocorreu em 1971, por meio da promulgação da Lei Federal 5.692, que reformou as diretrizes do ensino básico e implementou o ensino supletivo que teve pela primeira vez na história suas bases legais e específicas sistematizadas em capítulo especial de uma lei de diretrizes nacionais. Segundo Haddad e Di Pierro (2000), o ensino supletivo tinha como principais objetivos a rápida reposição da escolarização regular, formação de mão-de-obra que contribuísse para o desenvolvimento econômico nacional e atualização de conhecimentos.

Na década de 80, em meio a um clima de redemocratização do país, promulgou-se a Constituição Federal de 1988 que garantiu o ensino fundamental público e gratuito aos jovens e adultos ao responsabilizar o Estado por sua oferta pública, gratuita e universal. Contudo, neste período a história da educação de jovens e adultos ficou marcada pela contradição entre a afirmação legal do direito à educação básica para jovens e adultos e sua negação pelas políticas públicas concretas (HADDAD; DI PIERRO, 2000).

Ao longo da década de 1990, a educação de jovens e adultos ocupou um lugar marginal nas políticas educacionais, subordinada às prescrições neoliberais do Estado e à restrição do gasto público (VIEIRA, 2006). Este fato pode ser evidenciado com o fechamento da Fundação Educar, em 1990, não havendo mais nenhum órgão do Ministério da Educação que se responsabiliza-se pela modalidade, ficando a cargo dos estados e municípios administrar as atividades desta área de ensino, sem que lhes fossem oferecido as condições necessárias para atender os educandos de maneira satisfatória (HADDAD; DI PIERRO, 2000).

Neste período destaca-se também a promulgação da LDB 9.394, aprovada pelo Congresso em 1996. Segundo Haddad e Di Pierro (2000), a LDB foi fruto de discussões e negociações ao longo de anos de tramitação no Congresso Nacional, porém parte dos acordos e consensos estabelecidos anteriormente foi desprezada na redação final da Lei.

No ano 2000 foi aprovado o principal documento que regulamenta e normatiza a EJA, o Parecer 11/2000 e da Resolução 01/2000, que se refere às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Segundo Ribeiro (2009), o documento apresenta um

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Instituição vinculada ao MEC e com finalidades específicas de alfabetização, que tinha o objetivo de oferecer apoio financeiro e técnico às ações de outros níveis de governo, de organizações não governamentais e de empresas. A Fundação EDUCAR foi extinta em 1990, quando já vigia uma nova concepção da EJA, a partir da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2000b).

novo paradigma para essa modalidade, uma vez que sugere a extinção do uso da expressão “supletivo”; reestabelece o limite etário para o ingresso na EJA (14 anos para o ensino fundamental e 17 anos para o ensino médio); atribui as funções reparadora, equalizadora e qualificadora para a EJA; discute a questão dos docentes para o público específico da EJA e propõe a contextualização curricular e metodológica de acordo com os princípios de equidade e diferenças sistematizados pela EJA.

Em 2004 cria-se no MEC a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) que tem a finalidade de assegurar a ampliação do acesso à educação e reúne temas como a alfabetização e educação de jovens e adultos, educação do campo, educação ambiental, educação em direitos humanos, educação escolar indígena e a diversidade étnico-racial. Para Arroyo (2006a), tal fato pode ser considerado um indicador de que o governo, através do Ministério da Educação, vem assumindo o dever de responsabilizar-se publicamente pela EJA.

Pode-se notar uma mudança de olhar na educação de adultos com o passar dos anos, pois se “antes o analfabetismo que era apontado como causa da pobreza e marginalização, passou a ser considerado fruto de uma estrutura social não igualitária” (RODRIGUES, 2008, p.41). Concordamos com Silva (2006a) que, no momento atual, o desafio é promover um ensino de qualidade na EJA e para isso é preciso que haja diálogo entre os diferentes atores envolvidos e que se considere toda a trajetória vivenciada pela modalidade no país.