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Capítulo 3. Formação de Professores e Saberes Docentes no Contexto desta

3.1 Formação Inicial: algumas reflexões

Tendo esta pesquisa ocorrida no âmbito da formação inicial de professores – mais especificamente na disciplina de estágio supervisionado – envolvendo licenciados do último ano de um curso de Licenciatura em Física, situados num contexto de estágio de regência, julgamos pertinente tecer algumas considerações em torno destas temáticas.

A formação inicial pode ser entendida como aquela que ocorre em cursos universitários, no caso dos professores, nas licenciaturas. Esta formação deve fornecer bases para construir o conhecimento pedagógico, fomentar os processos reflexivos sobre a educação e sobre a realidade social através de diferentes experiências durante sua ocorrência (IMBERNÓN, 2000, apud, MIZUKAMI, 2002, p. 22), não limitando que tais experiências aconteçam apenas no período de estágio ou nas práticas de ensino, mas ao longo de todo o curso nas diferentes disciplinas, sejam elas das áreas específicas ou pedagógicas.

Para Pimenta (2005, p.18) os programas de formação inicial de professores devem possibilitar que os alunos desenvolvam “conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano”. Segundo a autora, um dos grandes desafios desses cursos é contribuir para que os licenciandos – antes alunos – agora se vejam como professores, isto se refere à construção da identidade docente. Em relação a esta questão Freitas e Villani (2002) apontam que:

[...] a transição de aprendiz para professor é fundamental e difícil, exige tempo, espaço, esforço integrado, apoio e, também, um conjunto de procedimentos para articular e elucidar as habilidades requeridas, tais como auto-avaliação e a consideração prática das características específicas do próprio trabalho. (FREITAS; VILLANI, 2002, p.225)

Garcia (1999) afirma que a formação inicial de professores deve ser compreendida como a primeira fase de um processo contínuo de desenvolvimento profissional. Dessa forma, concordamos com Soares (2009) ao afirmar que a formação inicial de professores não tem a pretensão de “dar conta de tudo”, mas é necessário que se ofereça que uma base mínima, compatível com as necessidades da realidade educacional de nosso país. Afirmação que concorda com Linn (1987 apud CARVALHO; GIL-PÉREZ, 1995) ao assinalar que o breve

período de formação inicial não permite um aprofundamento em relação aos conhecimentos específicos da área científica, contudo é preciso preparar o futuro docente para a aquisição de novos saberes ao longo de sua vida profissional.

Diversos autores, contudo, vêm apontando que o processo de formação docente tem início antes mesmo do ingresso nos cursos de licenciaturas. Isto porque as experiências vivenciadas pelos futuros professores em fase anterior à preparação formal e que ocorreram tanto no âmbito escolar – através de suas trajetórias como alunos – como nas experiências de vida em geral, parecem ter influência no desenvolvimento de concepções e crenças dos futuros professores em questões relativas ao ensino, à aprendizagem, aos alunos, aos professores em geral, etc. (GARCIA, 1999). De acordo com Langhi (2009), certamente estas crenças e concepções irão influenciar as atitudes, decisões e as práticas educativas destes profissionais do ensino. Para Gunstone e Northfield (1994 apud FREITAS; VILLANI, 2002, p. 224) “tais idéias e atitudes podem estar em conflito com o que será apreendido, constituindo-se um fator de resistência dos alunos para entrarem no processo de aprendizagem efetiva sobre ser professor”.

Diante desta consideração, a formação de professores deve possibilitar que os docentes tomem consciência destes aspectos formativos adquiridos ao longo de muitos anos antes do ingresso no curso de licenciatura. Isto deve ocorrer com base em resultados de investigações científicas, que proporcionem reflexões e questionamentos sistemáticos de suas próprias crenças e práticas consideradas como óbvias, de modo a contribuir para a transformação destas concepções iniciais (LITTLE, 1993 apud GARCIA, 1999; CARVALHO; GIL-PÉREZ, 1995).

Dessa forma, entende-se que os cursos de licenciaturas deixam de ser o início ou o término do processo de formação docente (SCHNETZLER, 2000). Para Langhi (2009) a formação inicial de professores pode ser entendida como um momento curto e intermediário na trajetória formativa docente, se considerarmos as experiências ocorridas antes da escolha da carreira docente e aquelas experiências formativas profissionais que acontecem após o término do curso.

Os cursos de licenciaturas em geral vêm enfrentando diversos problemas, alguns dos quais são apontados por Lippe e Bastos (2008) como: perfil do curso voltado para o bacharelado e para a pesquisa, ausência de ações e discussões sobre a relação teoria e prática das disciplinas pedagógicas, falta de vinculação dos conteúdos específicos com sua abordagem na escola básica, falta de professores efetivos nas disciplinas pedagógicas

causando descontinuidades nas propostas de formação. Tais fatores relacionados aos cursos de licenciaturas associados com um quadro preocupante encontrado na escola, como os baixos salários, as precárias condições de infra-estrutura das escolas, excesso carga horária didática etc., vêm contribuindo para o desinteresse dos licenciandos pelo magistério (LIPPE; BASTOS, 2008).

Além disso, Pimenta (2005) afirma que os cursos de formação inicial docente pouco têm contribuído para a construção de uma nova identidade profissional dos professores, isto se deve ao desenvolvimento de um currículo burocrático cujos conteúdos e atividades de estágio se encontram distanciados da realidade das escolas.

Os problemas apontados indicam a predominância de uma orientação acadêmica nos cursos de licenciaturas. Segundo Garcia (1999), tal concepção compreende o professor como um especialista em sua área de ensino específico, neste caso:

A formação de professores consiste, portanto, no processo de transmissão de conhecimentos científicos e culturais de modo a dotar os professores de uma formação especializada, centrada principalmente no domínio dos conceitos e estrutura disciplinar da matéria em que é especialista (GARCIA, 1999, p.33).

Esta concepção de formação docente vai ao encontro do que Contreras (2002) denominou de modelo de racionalidade técnica. Segundo o autor, a formação docente a partir deste modelo supõe a aplicação de técnicas e procedimentos previamente estabelecidos a partir de um conhecimento teórico e técnico, para conseguir os efeitos ou resultados desejados. Os professores inseridos nesta lógica não têm espaços nas discussões e decisões sobre quais os conteúdos e de que forma trabalhar o conhecimento em sala de aula, cabendo apenas o papel de aplicar esse conhecimento, concordando com as finalidades propostas.

No caso específico de professores de ciências, Schnetzler (2000) aponta a dissociação existente entre as disciplinas específicas/científicas e as disciplinas de caráter pedagógico como uma das principais responsáveis pela ineficácia da formação docente nas licenciaturas. Para Pimenta (2002, p.19) esta fragmentação das áreas do saber “dificulta, e por vezes inviabiliza, pensar a relação conhecimento-sociedade e a contribuição que os saberes disciplinares podem oferecer às problemáticas humanas e sociais”.

Segundo Schnetzler (2000), nem mesmo a competência mais destacada pelos cursos de formação docente numa perspectiva acadêmica que é a necessidade de "conhecer ou dominar a base científica, o conteúdo a ser ensinado" tem sido adquirida plenamente pelos futuros docentes. Para a autora, o domínio do conteúdo vai muito além do que tem sido habitualmente contemplado nas disciplinas específicas, devendo englobar saberes relativos à

história e à filosofia das ciências, às orientações metodológicas empregadas na construção de conhecimento científico, às interações Ciência/Tecnologia/Sociedade e às limitações e perspectivas do desenvolvimento científico. Um ensino que não aborda tais aspectos apresenta o conhecimento científico como um produto pronto, verdadeiro, estático, inquestionável, neutro e descontextualizado social, histórica e culturalmente (SCHNETZLER, 2000).

Uma sugestão dada por Gatti (2010), visando melhorias na formação inicial de professores, se refere à estrutura e organização desses cursos que, segundo a autora, ao invés de serem constituídos a partir das ciências específicas e seus diversos campos disciplinares, as licenciaturas devem ser pensadas principalmente a partir da função social do processo de escolarização. Colocação que concorda com Pimenta (2002, p.13) ao afirmar que “os cursos de formação de professores permanecem numa lógica curricular que nem sempre consegue tomar a profissão e a profissionalidade docente como tema e como objetivo de formação”. Para esta autora, a falta de conhecimento do campo educacional pelos professores-formadores acaba por apresentar os aportes das ciências da educação, ou mesmo das áreas de conhecimentos específicos, como um fim em si mesmo, sem estabelecer maiores vínculos com as problemáticas atuais do ensino e o campo de atuação dos futuros docentes.

Este vínculo e integração entre o processo de formação dos licenciandos e o campo no qual irão atuar têm ocorrido principalmente nas disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado. Para Pimenta e Lima (2004), a principal finalidade do estágio é realizar esta integração entre formação inicial e escola, tendo esta última como objeto de interpretação e análise crítica realizada a partir das reflexões ocorridas ao longo do curso de licenciatura e que apontem possíveis transformações necessárias no trabalho docente. Segundo as autoras, o estágio deve possibilitar que os futuros professores compreendam a complexidade das práticas pedagógicas e das ações escolares como forma de preparar-se para sua inserção profissional.

Desta forma o estágio supervisionado se revela um momento importante e decisivo na formação inicial e, tendo esta pesquisa ocorrida no âmbito desta disciplina, consideramos adequado realizar breves considerações a respeito deste componente curricular.

3.1.1 Sobre o Estágio Supervisionado

As considerações realizadas neste tópico sobre o Estágio Supervisionado têm a obra de Pimenta e Lima (2004) como principal referência. De acordo com as autoras, o estágio pode ser compreendido como “campo de conhecimento que se produz na interação entre cursos de formação e o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas” (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 29).

Para Pimenta e Lima (2004) esta é uma concepção ampla e que visa superar a visão tradicional que reduz o estágio apenas à atividade prática instrumental, desvinculada do projeto pedagógico do curso. A esta questão apontada somam-se problemas para o exercício da prática docente nas instituições de ensino superior, que dificultam um maior e melhor acompanhamento da inserção dos licenciandos nas escolas. Com base em Alarcão (1996), as autoras relatam o elevado número de alunos nas turmas e a falta de reconhecimento dessa atividade dentro das instituições. Acrescentam ainda a falta de preparo ou comprometimento dos professores das demais disciplinas e o desconhecimento, por vezes dos próprios professores de estágio, do universo das escolas, contribuindo para propostas de atividades distantes da realidade escolar (PIMENTA; LIMA, 2004).

Baccon e Arruda (2010) destacam também o fato de grande parte dos professores da escola básica não atuar intencionalmente no processo formativo dos estagiários, limitando-se apenas a recebê-los em sua sala. De acordo com os autores, este fato justifica-se à medida que a universidade não faz um convite claro e formal para que estes docentes possam ter uma participação mais ativa nesse processo, além das precárias condições de trabalho do professor de ensino básico. Diante desta situação, os estagiários muitas vezes são vistos como um incômodo, no sentido de quebrarem a rotina da sala de aula ou como substitutos provisórios, cobrindo a ausência de algum professor (BACCON; ARRUDA, 2010).

Problemas como os que foram apontados contribuem para que o estágio se constitua em atividades técnicas e burocráticas, sem fundamentação e sem vínculos com as atividades e finalidades do ato de ensinar (PIMENTA; LIMA, 2004).

Pimenta e Lima (2004) ainda apontam que, em geral, as discussões que ocorrem em torno do estágio estão sempre marcadas pela problemática relação entre teoria e prática. Segundo as autoras, o estágio sempre foi entendido como a parte prática dos cursos profissionais e que se contrapõe aos saberes teóricos. Esta dissociação contribui para um

empobrecimento das práticas que ocorrem nas licenciaturas e nas escolas, evidenciando a necessidade de compreender o estágio como teoria e prática. De acordo com as autoras:

[...] o papel das teorias é iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias em questionamento, uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realidade. (PIMENTA; LIMA, 2004, p.43)

As autoras ainda afirmam que uma maior integração entre teoria e prática nos cursos de formação inicial só pode ser conseguida se o estágio e a preocupação em formar professores permear todas as disciplinas do curso e não apenas daquelas que recebem a denominação de “Estágio Supervisionado Curricular”.

Dessa forma, as autoras também admitem que o estágio por si só não pode proporcionar uma preparação completa para o magistério, porém é possível abordar questões fundamentais para o trabalho docente, tais como “o sentido da profissão, o que é ser professor na sociedade em que vivemos, como ser professor, a escola concreta, a realidade dos alunos nas escolas de ensino fundamental e médio, a realidade dos professores nessas escolas, entre outras” (PIMENTA; LIMA, 2004, p.100). Para Baccon e Arruda (2010), seja na fase de observação, de participação, ou na regência, o estagio deve possibilitar que o futuro docente, a partir das observações e reflexões realizadas no contato direto com a realidade escolar, construa e desconstrua suas expectativas sobre as questões citadas acima.

Para Pimenta e Lima (2004, p.61):

O estágio como campo de conhecimentos e eixo curricular central nos cursos de formação de professores possibilita que sejam trabalhados aspectos indispensáveis à construção da identidade, dos saberes e das posturas específicas ao exercício profissional docente.

Dessa forma, a realização do estágio de regência pode ser um momento em que os licenciandos exploram suas experiências e saberes considerados relevantes para o desenvolvimento da atividade pedagógica.