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Capítulo 3. Formação de Professores e Saberes Docentes no Contexto desta

3.2 Conceito de saberes docentes

A discussão sobre saberes docentes atualmente é considerada uma área própria de conhecimentos, com questões de pesquisa específicas que abordam a problemática da identidade e da profissionalização docente. Não temos a intenção aqui de realizar uma discussão profunda em torno desse tema, apenas buscou-se compreender o que podemos

entender por saberes docentes hoje. A ideia é situar esta discussão diante da questão de pensarmos uma formação inicial de professores que desenvolva em seus futuros docentes saberes mínimos para atuar em classes de EJA, de acordo com as características específicas desta modalidade.

A necessidade da identificação e reconhecimento dos saberes envolvidos no exercício do magistério por outros atores sociais constitui-se em tentativas de melhor configurar uma identidade profissional, buscando o reconhecimento da população na exclusividade dos saberes e práticas próprias da atividade docente (GAUTHIER et al., 1998). Esta busca por uma maior e melhor definição dos saberes docentes também objetiva recuperar a ideia de docente como profissional, ou seja, resgatar o que Contreras (2002) denominou de profissionalidade ao se referir às “qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo” (CONTRERAS, 2002, p.74). A especificação de um repertório de saberes próprios à atividade de ensino também visa fornecer uma base de conhecimentos para a elaboração de programas de formação de professores que se fundamente em pesquisas sobre os saberes da experiência docente. De acordo com Tardif (2002), a formação de professores deveria, em parte, guiar-se pelos conhecimentos específicos do trabalho docente. Dessa forma, busca-se uma articulação entre os conhecimentos produzidos na universidade sobre o ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores em sua prática cotidiana (TARDIF, 2002).

Para abordar o conceito de saberes docentes nos baseamos principalmente nas ideias de Gauthier e colaboradores (1998) e Tardif (2002) que, de maneira geral, compreendem os saberes docentes como um conjunto de conhecimentos, competências, habilidades e atitudes profissionais específicas na ação do professor, que fundamentam a prática docente e que procedem de diversas fontes. Contudo, Gauthier et al. (1998) consideram os saberes docentes num sentido mais restrito, se referindo aos saberes mobilizados por professores considerados “eficientes” durante sua ação em sala de aula. Enquanto Tardif (2002) defende uma noção mais ampla de saberes docentes na qual também engloba todos os saberes possíveis de serem mobilizados pelos professores.

Tardif (2002) afirma que a questão dos saberes docentes não deve ser estudada isoladamente, mas dentro do contexto mais amplo que a profissão docente está situada, considerando os condicionantes e contexto do trabalho do professor. Segundo o autor, os saberes dos professores se encontram numa interface entre o individual, pois os docentes enquanto atores individuais possuem e incorporam os saberes à sua prática profissional

modificando-a; e o social, tendo em vista a construção destes saberes que sempre se encontram ligados a uma situação de trabalho com outros autores, situado num espaço de trabalho enraizado numa instituição e sociedade.

Tardif (2002) busca estabelecer alguns fios condutores para melhor situar os saberes dos professores, dentre eles está a compreensão da utilização dos saberes docentes em função do trabalho e das situações e condicionamentos ligados a ele. A relação entre os saberes docentes e o trabalho também indica a modificação ou mesmo a produção de novos saberes no e pelo trabalho. O autor também pontua a pluralidade dos saberes docentes, pois envolvem fontes e naturezas diferentes, e sua temporalidade, uma vez que os saberes são construídos progressivamente ao longo da história de vida e da carreira profissional.

Segundo Gauthier et al. (1998), as pesquisas que visam investigar este repertório de conhecimentos vinculados ao ensino têm encontrado dois grandes obstáculos. O primeiro se refere à própria atividade de ensino que ocorre sem refletir sobre os saberes necessários à execução de atividades que lhe são próprias. Os autores denunciam algumas ideias pré- concebidas em relação ao ensino que tem contribuído para manter as atividades do magistério numa “cegueira conceitual” que pode ser entendida como a ignorância existente – inclusive dos próprios docentes – a respeito das especificidades dos saberes docentes. Tais ideias de senso comum afirmam que para ensinar basta saber o conteúdo, ter talento, bom senso, seguir sua intuição, ter experiência e cultura. Para Gauthier et al. esses enunciados dificultam relacionar a atividade docente com saberes próprios ao ensino, contribuindo assim para a visão de professor como um sujeito que atua no amadorismo, fato que prejudica o processo de profissionalização do ensino.

O segundo obstáculo destacado pelos autores se refere aos saberes produzidos pelas ciências da educação que não levam em conta as condições concretas em que ocorre o exercício do magistério. Isto ocorre por conta de demasiada formalização das atividades de ensino, de modo a reduzir sua complexidade e a efetiva correspondência com a realidade. Esta situação também contribui para reforçar a ideia de que a pesquisa universitária não pode fornecer saberes realmente pertinentes à atividade docente.

Gauthier et al (1998) concebem o ensino como “a mobilização de vários saberes que formam uma espécie de reservatório no qual o professor se abastece para responder a exigências específicas de sua situação concreta de ensino” (GAUTHIER et al., 1998, p.20). De acordo com os autores, este reservatório de saberes é composto por saberes de diferentes origens.

a) Saberes disciplinares são os conhecimentos produzidos pelas pesquisas nas diferentes áreas científicas e, segundo Tardif (2002), se referem ao campo de conhecimento com que o professor irá trabalhar. Estes saberes são definidos e selecionados pelas instituições universitárias e transmitidos nos programas de formação por meio de disciplinas geralmente independentes das faculdades e departamentos de educação (TARDIF, 2002).

b) Saberes curriculares: correspondem aos saberes docentes em torno dos “programas escolares” que, por sua vez, se referem aos saberes disciplinares selecionados, organizados e transformados num corpus de conhecimentos a serem ensinados. Para Tardif (2002) estes saberes podem ser entendidos como os discursos, objetivos, conteúdos e métodos que a instituição escolar valida como modelo de cultura erudita e que são concretizados nos programas escolares que os professores devem seguir

c) Saberes das ciências da educação: são os conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação profissional, transmitidos por meio dos programas de formação de professores e que abordam questões específicas da educação de um modo geral; Tardif (2002) denomina tais saberes como saberes da formação profissional e complementa afirmando que tais saberes abordam o professor e sua prática educativa como objetos de conhecimento, buscando não somente a produção de conhecimentos, mas a incorporação dos mesmos à prática docente.

d) Saberes da tradição pedagógica: são aqueles conhecimentos adquiridos e cristalizados pelos licenciandos ao longo de sua formação na educação básica, ou seja, são as crenças e representações prévias que os sujeitos possuem antes mesmo de iniciar sua formação docente.

e) Os saberes experienciais: correspondem àquelas aprendizagens construídas a partir de experiências particulares ocorridas no exercício da atividade docente. Contudo, tais saberes ficam recolhidos no próprio universo do docente, com regras particulares construídas ao longo de anos e ao sabor de erros e acertos. Tardif (2002) sugere uma concepção mais ampla de saberes experienciais se referindo aos saberes específicos baseados no trabalho cotidiano do professor e em seu conhecimento sobre o meio. Para Tardif (2002, p.39) “esses saberes brotam da experiência e são por ela validados”, sendo incorporados às

experiências individuais ou coletivas. Ainda para este autor, na impossibilidade de ter um maior controle sobre os demais saberes, os professores tendem a se distanciarem dos conhecimentos adquiridos fora de sua prática cotidiana profissional.

f) Por fim, os saberes da ação pedagógica podem ser entendidos como os saberes experienciais que se tornam público e que podem ser investigados pelas pesquisas13.

Gauthier et al. (1998) consideram os saberes da ação pedagógica como fundamentais para uma melhor definição da identidade profissional do professor, pois sendo tais saberes oriundos da sala de aula e, ao menos em partes, possíveis de serem formalizados, poderão ser tomados como ponto de partida na busca da determinação de um repertório de conhecimentos específicos ao ensino. Para os autores, a partir do momento em que tais saberes forem validados tanto pela pesquisa como pela ação docente, poderão fornecer bases para maiores reflexões na formação de professores visando um aperfeiçoamento da prática docente e também contribuindo para uma maior integração entre os conhecimentos científicos e os oriundos da prática.

A importância do estabelecimento de um repertório de conhecimentos para o ensino a partir dos saberes da ação pedagógica também consiste em “dar ao professor um papel preponderante, apoiando-se naquilo que ele produz no exercício de sua profissão em contexto real, sem deixar de ser crítico em relação a esse produto” (GAUTHIER et al., 1998, p. 400).

Esta ideia vai ao encontro do que aponta Houssaye (1995 apud PIMENTA, 2005) ao afirmar que a construção dos saberes pedagógicos deve ocorrer a partir das necessidades pedagógicas postas pela realidade. Dessa forma, é preciso considerar a realidade social como ponto de partida e de chegada, possibilitando uma ressignificação dos saberes na formação docente, uma vez que a formação inicial poderia tomar os saberes e práticas dos professores como referência para reflexão e interrogação de suas próprias práticas (PIMENTA, 2005). Diante destas considerações buscamos apresentar no próximo tópico o que a literatura do campo que investiga a Educação de Jovens e Adultos vem apontando como saberes específicos para a atuação docente nesta modalidade.

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Esta organização e classificação dos saberes docentes proposto por Gauthier et al. (1998) e ao qual complementamos com algumas considerações de Tardif (2002) é uma dentre várias classificações realizadas por importantes autores da área. Deixamos como sugestão o quadro esquemático apresentado por Langhi (2009) no qual o autor procura efetuar possíveis aproximações entre as diferentes tipologias destes saberes.