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Capítulo 3. Formação de Professores e Saberes Docentes no Contexto desta

3.3 Saberes específicos para atuar na EJA

Diversas pesquisas têm apontado a necessidade de uma formação específica para o professor que atua na Educação de Jovens e Adultos. Segundo Henriques e Defourny (2006), são mais de 175 mil professores que atuam na EJA considerando somente o ensino fundamental, destes, a maioria nunca recebeu formação específica para a função que exercem. Concordamos com Ribeiro (1999) que a questão da insuficiência da formação dos professores para atuar na EJA já foi bastante reiterada nos estudos acadêmicos. Sendo oportuno agora que esses estudos passassem a se concentrar mais na produção e na sistematização de conhecimentos que possam contribuir para o plano teórico da constituição dessa modalidade e, consequentemente, para a formação docente.

O Parecer CEB 11/2000 afirma que “o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino” (BRASIL, 2000b, p.56). Mas quais saberes e competências profissionais podem ser considerados específicos para a docência na EJA?

O trabalho de Santos (2010) procurou identificar alguns destes saberes formativos através da análise de dezoito trabalhos apresentados durante as Reuniões da ANPEd, no período entre 1998-2008, voltados para o contexto dos anos iniciais e do ensino fundamental e que abordaram o tema Formação de Professores para a Educação de Jovens e Adultos. Dois destes trabalhos possuíam o objetivo de compreender as especificidades dos saberes para a docência na EJA, o restante embora não tivesse este objetivo, apresentaram contribuições para o campo de estudo proposto pelo autor.

Apresentamos os princípios e saberes que Santos (2010) buscou configurar a partir dos referenciais utilizados nos trabalhos para pensar o processo formativo docente da EJA. A influência do pensamento político-pedagógico de Paulo Freire é bastante visível nos princípios educacionais identificados pelo autor conforme vemos a seguir:

(1) Reconhecimento das experiências e das práticas dos educandos – conforme discutimos no Capítulo 1 deste trabalho, o perfil dos alunos, suas histórias, contexto de vida e os saberes construídos a partir deste contexto tem sido a principal referência para uma melhor configuração da área e também para a formação dos docentes que nela atuam. Segundo Moreira (1995), a consideração da prática vivenciada pelos alunos no planejamento e na implantação do currículo parece estar sempre presente no discurso acadêmico, no entanto sua

efetivação em sala de aula ainda é insatisfatória. Para este autor, é imprescindível que a formação inicial de professores forneça ferramentas para que o futuro docente compreenda o universo cultural de seus alunos.

(2) Dimensão política do processo educacional – que envolve desde o reconhecimento do docente da dimensão política e social de sua prática pedagógica até o desenvolvimento de referenciais críticos, que sugerem transformações na sociedade e emancipação dos sujeitos. De acordo com Romão (2007b, p.61), “embora a dimensão pedagógica seja a mais relevante, o compromisso do professor não pode a ela se restringir”, assim o autor ressalta a importância da dimensão política no trabalho do professor e afirma que esta dimensão pode ocorrer em três direções: em relação ao sistema educacional do país e sua relação com questões políticas; em relação à própria categoria, que se refere ao compromisso político do docente com a mobilização e organização do conjunto da categoria; e em relação à comunidade, corporificada diretamente nos alunos, que pode ocorrer num primeiro momento, na consideração pelo aluno, seu contexto e necessidades específicas e, num segundo momento, através da contextualização e discussões mais amplas das relações sócio-culturais. Neste sentido Romão (2007b) afirma que:

A politização do ato pedagógico tem relação íntima com a questão da recuperação da funcionalidade do saber escolar, isto é, a recaptura da instrumentabilidade do que é desenvolvido na sala de aula para o projeto de vida do aluno. É a perda dessa funcionabilidade que provoca a evasão, a repetência, o desinteresse, a apatia do alunado, mormente entre os jovens e adultos que trazem para as relações pedagógicas uma série de experiências, vivências e saberes construídos na luta cotidiana pela sobrevivência, sem falar da incorporação da ideia que os conteúdos e habilidades a serem adquiridos servem apenas para responder às avaliações propostas. (ROMÃO, 2007b, p.69)

Retomando os princípios de formação docente para atuar na EJA proposto por Santos (2010) temos:

(3) Diálogo como elemento fundante do trabalho docente, que se refere ao estabelecimento de uma relação dialógica, de troca entre experiências tanto entre os saberes dos alunos e os saberes escolares, reconhecendo as diferenças existentes entre eles como uma riqueza para o fazer educativo (ARROYO, 2006a); como dos saberes entre os diferentes sujeitos, tendo como ponto de partida o respeito e a valorização desses saberes, podendo todos os sujeitos – educadores e educandos – ensinarem e também aprenderem (FREIRE, 1987).

(4) O reconhecimento e o trabalho com a diversidade cultural dos alunos, devido à heterogeneidade das classes de EJA, tanto em relação à idade dos educandos quanto às

diferenças sócio-culturais e pedagógicas dos mesmos. Para Moreira (1995, p.41) a consciência dessa pluralidade cultural pode auxiliar o futuro professor a “superar preconceitos, a acreditar na capacidade de aprender do aluno e a considerar com mais seriedade as condições de vida, crenças, esperanças, anseios, experiências e lutas das camadas subalternas”. Dessa forma, entendemos que a ausência desta discussão no âmbito das licenciaturas contribui para a reafirmação de superioridade da cultura considerada dominante.

(5) Gestão democrática dos processos formativos e da organização do ensino- aprendizagem, que envolve práticas interdisciplinares e participação coletiva em questões que vão desde o planejamento até a avaliação dos processos de ensino e aprendizagem. Numa perspectiva freireana, a gestão democrática na escola pode ser compreendida como “a democratização das relações e a participação no processo de tomada de decisão, a democratização do acesso e a democratização do conhecimento” (FREITAS, 2004, p.37).

(6) Articulação dialética entre teorias e práticas docentes, que pode ser entendida como a necessidade do confronto e integração contínua dos conhecimentos teóricos com a prática pedagógica visando um currículo orientado para a ação (MARCELO, 1991d apud GARCIA, 1999). É necessário realizar discussões acerca da relação teoria e prática na formação de professores, de modo a evitar uma dicotomia entre estas vertentes, não mais entendendo prática como aplicação de conhecimentos anteriormente adquiridos.

Para fundamentar a discussão realizada em seu levantamento, Santos (2010) também utilizou as categorias de saberes docentes discutidos por Tardif (2002): saberes da formação profissional, são aqueles transmitidos pelas instituições de formação de professores; os saberes disciplinares, que se referem ao campo de conhecimento com que o professor irá trabalhar; os saberes curriculares que são concretizados nos programas escolares que os professores devem seguir; e por fim, os saberes experienciais são aqueles baseados no trabalho cotidiano do professor e em seu conhecimento sobre o meio.

Santos (2010) circunscreveu os trabalhos analisados nas categorias sugeridas por Tardif (2002) e buscou identificar algumas possibilidades sobre os saberes docentes para a formação e prática pedagógica dos professores da EJA. Dessa forma, quanto aos saberes da formação profissional, o autor sugere conhecimentos vinculados às Ciências da Educação e outras áreas afins como, por exemplo, a Antropologia, Sociologia e Política; e também conhecimentos da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Adulta, uma vez que existe a necessidade do professor compreender os processos cognitivos das pessoas adultas. Contudo, nem sempre a necessidade destes saberes é evidente, especialmente no caso de

professores de Ciências que parecem rejeitar qualquer consideração que pareça exceder à aprendizagem conceitual (MCINTOSH; ZEIDLER, 1988 apud CARVALHO; GIL-PÈREZ, 1995). Quanto aos saberes disciplinares, o autor cita apenas conhecimentos das áreas de Alfabetização e Letramento e Educação Matemática, havendo uma notável ausência de trabalhos que abordem o ensino de Ciências na modalidade. Santos (2010, p. 169) destaca ainda “necessidades de formação para os docentes em torno de temáticas como: Educação Popular, Psicogênese da Leitura e da Escrita, conhecimentos matemáticos específicos para as necessidades cotidianas das pessoas adultas, conhecimentos linguísticos e sociolinguísticos”. Em relação aos saberes curriculares, o autor destaca diferentes metodologias e estratégias de ensino na sala de aula que valorizem o educando adulto como o uso de palavras ou temas geradores; e diferentes formas de organização curricular que visem atender às necessidades, interesses, ritmos e tempos dos educandos, o trabalho interdisciplinar, por exemplo, é bastante citado. Santos (2010) relata ainda que muitos trabalhos enfatizam a questão dos saberes adquiridos através das experiências pessoais e profissionais, tanto dos educandos quanto dos educadores e que, apesar de significativos, tais saberes precisam ser refletidos e teorizados criticamente.

Diante das considerações aqui colocadas, concordamos com Ribeiro (2009, p. 49) ao afirmar que a complexidade de ser professor de EJA envolve tanto o professor-profissional como o professor-pessoa, uma vez que é preciso “ter a sensibilidade de perceber que o ser humano está inserido num mundo complexo, onde a cultura, a razão, o afeto e a vida em sociedade podem conduzir os diversos caminhos da existência”. Tais reflexões nos remetem à proposta de formação de um professor crítico, conforme a discussão do próximo tópico.