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A polícia ambiental municipal regulamentando o serviço público federal

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4.2. O poder de polícia municipal fundado na função social dos bens públicos

4.2.1. O poder de polícia ambiental municipal

4.2.1.3. A polícia ambiental municipal regulamentando o serviço público federal

Conforme o exposto, certamente os Municípios podem limitar os interesses da União, desde que estes estejam a prejudicar interesse local. In casu, discute-se a possibilidade de serviço público federal, p. ex., transporte ferroviário e aéreo, sofrer limitação em razão da poluição sonora produzida.

284 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 242. 285

O entendimento predominante esteia no fácil argumento de que os transportes aéreo e ferroviário são de competência da União e, em sendo assim, possuiria este ente, em tese, prevalência sobre o interesse dos Municípios, que é local.

Todavia, entendemos que, no caso concreto, não há uma relação hierárquica absoluta de interesse da União e dos Municípios. Afinal, como não existe hierarquia entre os entes, a União não pode impor um ônus por demais gravoso ao interesse local, sob pena de ferir a lógica do Estado Federal, que pauta-se na autonomia entre os entes.

É notório que os tribunais pátrios não possuem uma linha uniforme de posicionamento sobre o tema em debate, não se constatando, por exemplo, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o fio da harmonização de interpretação de nossas leis federais e da Constituição Federal.

De todo modo, o presente tópico tem por desiderato apresentar uma análise do posicionamento dos Tribunais, acerca dos principais temas da pesquisa, quais sejam: conceito de interesse local, relação do interesse local com a competência legislativa municipal (poder de polícia, meio ambiente, propriedade, serviço público) e, ao final, as possíveis contradições teóricas constatadas nos julgados analisados.

No tocante ao conceito interesse local, entendido com o caráter de “exclusivo” ou “preponderante”, destacam-se alguns julgados. Ambos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos quais o Egrégio Tribunal ataca o tema em debate.

O primeiro julgado versa sobre uma Apelação em Mandado de Segurança (AMS 9604075659) tendo como Relator Albino Ramos de Oliveira, o qual expôs que não existe meio ambiente municipal e sim meio ambiente único, desta feita é “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios independentemente de a agressão ocorrer em próprio público federal, estadual ou municipal”.286

286

BRASIL. Tribunal Regional Federal 4ª Região. Órgão Julgador 4ª Turma. MANDADO DE SEGURANÇA – PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL CRIANDO “PARQUE DE EVENTOS” QUE PODERÁ

CAUSAR IMPACTO AMBIENTAL E EMBARAÇO A SERVIÇOS PÚBLICOS FEDERAIS

DESENVOLVIDOS NO CENTRO ADMINISTRATIVO FEDERAL CONTÍGUO – LEGITIMIDADE ATIVA DA UNIÃO – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO – DESCUMPRIMENTO DE NORMA DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO. 1 – Não existe um “meio ambiente municipal”, e sim o meio ambiente único, a cujo equilíbrio ecológico todos têm direito, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225 da Constituição de 1988). 2 – A proteção ao meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas é da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23 da CF/88), independentemente de a agressão ocorrer em próprio público federal, estadual ou municipal. (...) 4 – O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não diz respeito apenas à proteção das matas, da flora e da fauna, mas também ao espaço urbano onde vive a maioria da população, que sofre de grave degradação da qualidade de vida causada por todas as formas de poluição, inclusive a sonora, não se podendo ignorar que a instalação de um Parque de Eventos, onde ocorrerão festejos, solenidades e manifestações de massa, ao lado de um Centro Administrativo, contribuirá para agravar ainda mais

É possível observar que o posicionamento da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região é de que todos, entidades federativas e coletividade, possuem o dever de defender e preservar o equilíbrio ecológico e este não ser resume à proteção da fauna e da flora, mas sim a toda e qualquer atividade que ofenda a qualidade de vida da comunidade.

Desta feita, a União, os Estados-membros e os Municípios possuem a dupla função de defender e preservar o meio ambiente, por meio da edição de instrumentos legislativos, e, ao mesmo tempo, defendê-lo e preservá-lo por meio de atividades administrativas que respeitem as legislações existentes.

Desse modo como todos têm a competência para legislar sobre o tema e todas as leis impõem-se a todos, não pairam dúvidas de que os entes políticos se auto controlam. Assim, como anteriormente defendido, os Estados-membros e a União, p. ex., devem obedecer as normas ambientais municipais, porquanto elas buscam o interesse maior, que é o da coletividade, inclusive da coletividade pertencente à União e Estados-membros.

Outro julgado287, da lavra do mesmo Tribunal (TRF4), agora mais recente, ano 2009, reconhece não só a competência dos Municípios para legislarem e exercerem o poder de policia ambiental local, como também a possibilidade de restringir serviço público federal.

a poluição sonora a que já se encontram expostos os servidores e os usuários de seus serviços. AMS – Apelação em Mandado de Segurança. Partes litigantes Apelantes: Município de Porto Alegre. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre. Apelado: Movimento de Justiça e Direitos Humanos. Relator: Antonio Ramos de Oliveira. Data da decisão 05/12/2000. Data da publicação: 31/01/2001. Disponível do site eletrônico do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. (http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/resultado_pesquisa.php).

287

BRASIL. Tribunal Regional Federal 4ª Região. Órgão Julgador 3ª Turma. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PASSAGEM DE TREM. LOCAL HABITADO. DANO AMBIENTAL. DANO MORA."(...) E não existe lei

federal que, ao dispor sobre trânsito ou transporte, assegure aos transportadores ferroviários o direito de transitar em qualquer lugar e a qualquer hora insuscetíveis a qualquer limitação, donde a norma municipal não colide, sequer indiretamente, com qualquer norma federal. E, reitero, não se pode olvidar que o trânsito de

trens por dentro da cidade, em horário de repouso, gera poluição sonora prejudicial à população, resultando caracterizado o interesse local. E, reitero também, aos Municípios, em competência comum com os demais entes federados, cumpre "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas" (art. 23, VI, da CF). E a exigência de respeito a níveis máximos de ruídos é forma utilizada pela Administração para garantir condições adequadas ao sossego e por conseqüência à saúde pública no Município, ou seja, proteção dos seus munícipes diante de eventual risco de comprometimento do meio ambiente local. Portanto, os trens da autora devem transitar dentro do horário permitido para os níveis de ruído que produzem. Deste modo, concluo que a ação tem procedência no que respeita à obrigação de não fazer, uma vez que restou provada a ocorrência de poluição sonora em níveis superiores aos permitidos por lei, consoante o laudo técnico da Patrulha Ambiental, corroborado pelo depoimento das testemunhas inquiridas, caracterizando o evento danoso a ser coibido.Assim impõe-se, neste passo, restringir o trânsito de composições ferroviárias aos horários compatíveis com a Lei Municipal 1970/88, no que diz com os níveis de ruído. E ao caso incidem as normas dos arts. 237 e 239, V, da referida lei, pelo que tenho que resta vedado o trânsito das composições ferroviárias fora do horário compreendido entre das 06h às 20h, independentemente do dia da semana."

Apelação cível n. 2002.71.03.001365-4/RS. Partes: ALL América Latina Logistica do Brasil S/A e Ministério Público Federal. Relator: Juiz Federal João Pedro Gebran Neto e Rel. Acórdão: Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria. Data da decisão: 20/10/2009. Fonte: D.E. 25/11/2009. Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar

Este julgado é basilar, uma vez que demonstra de modo incontestável a ausência de hierarquia entre os entes federados e, por conseguinte, a relevância da preponderância do interesse público, independentemente do mesmo originar-se da União, Estados-membros, Distrito Federal ou Municípios.

Por certo esta deve ser a interpretação, já que a Lei Municipal 1970/88, do Município de Uruguaina, no Estado do Rio Grande do Sul, impôs níveis máximos de ruído no perímetro urbano. Ademais, impôs vedação ao trânsito de composições ferroviárias fora do horário compreendido das 06h às 20h, independentemente do dia da semana.

O julgado sustenta que não existe lei federal sobre trânsito e transporte que assegure o direito de transitar em qualquer lugar e a qualquer hora insuscetíveis a qualquer limitação municipal, vez que “não se pode olvidar que o trânsito de trens por dentro da cidade, em horário de repouso, gera poluição sonora prejudicial à população, resultando caracterizado o interesse local”, desta feita mostra-se válido o ordenamento legal municipal.

A nobre relatora decidiu, quanto à relação com o dano ambiental, da seguinte forma:

A limitação do horário de tráfego, permitindo que o mesmo ocorra entre as 06h (seis horas) e 20h (vinte horas) também é razoável, uma vez que paralelamente ao progresso e a expansão da economia devem ser respeitados os direitos fundamentais dos cidadãos, dentre os quais o direito ao descanso e à qualidade de vida.

Se a ferrovia corta o perímetro urbano da cidade, duas alternativas mostram-se razoáveis para assegurar o equilíbrio entre o progresso e o direito ao descanso dos indivíduos: a) instalar novas linhas férreas que desviem a cidade; b) limitar o horário de tráfego, impossibilitando-o durante o período de descanso da maioria dos indivíduos.

A limitação promovida pela sentença apresenta-se, portanto, proporcional e razoável diante dos bens que se acham em conflito.

Além deste caso concreto das composições ferroviárias, tem-se outro relevante problema, também relacionado ao meio ambiente e na específica área da poluição sonora, que é o pouso e decolagem de grandes aeronaves em áreas densamente povoadas.

In concreto, tem-se uma ação civil pública288 proposta por três associações de moradores289 de bairros da zona sul de São Paulo, que pedem que pousos e decolagens sejam

provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte

integrante do presente julgado. Publicado no site do TRF4

(http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/resultado_pesquisa.php).

288 Processo n. 2007.61.00.005425-9 em tramitação na 2ª Vara Cível Federal do TRF3. Acessível no site:

feitos apenas das 7h às 23h e que os testes de turbinas das aeronaves, em hangares nos arredores do aeroporto, ocorram das 9h às 22h. Pedem ainda que seja feita uma proteção acústica eficiente do local, que as empresas aéreas reduzam os ruídos emitidos pelas aeronaves e que todos os réus, solidariamente, custeiem equipamentos anti-ruído nas residências próximas a Congonhas.290

Neste processo o juiz federal Paulo Cezar Neves Junior concedeu limitar que proíbe o aeroporto de Congonhas (SP) de realizar pousos de decolagens no período compreendido entre 23 h e 6 h, “em respeito ao necessário repouso noturno de sua vizinhança.”

O juiz reconheceu a necessidade de se impor limites para as operações do aeroporto “em horários próprios e imprescindíveis para o descanso das pessoas”, ao preservar a saúde e o sossego da população vizinha.

A poluição ambiental decorrente dos ruídos emitidos por aeronaves no aeroporto de Congonhas ensejou a criação de um grupo de trabalho coordenado pelo Ministério Público Federal que busca soluções para a poluição sonora no aeroporto, o qual definiu o monitoramento rotineiro do nível de ruído.291

Numa manifestação recente, publicada no site oficial dia 11/11/2010, o referido julgado manteve a limitação de horário, inclusive para as aeronaves que estão promovendo o deslocamento presidencial, durante o período compreendido entre 23:00h e 06:00h, sob o argumento de que existe o Aeroporto Internacional de Guarulhos/Cumbica, para o qual os vôos presidenciais podem ser deslocados.292

289

Associação de Moradores e Amigos de Moema (AMAM), o Movimento de Moradores pela Preservação Urbanística do Campo Belo (Movibelo) e a Associação dos Verdadeiros Amigos e Moradores do Jardim Aeroporto (Avamoja).

290http://www.expressodanoticia.com.br/index.php?pagid=QiyivtE&id=4&tipo=YL4Vw&esq=QiyivtE&id_mat

=5772. Acessado em 15 de março de 2010.

291 Disponível no site: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/803951-monitoramento-de-ruido-no-aeroporto-

de-congonhas-sp-deve-comecar-em-outubro.shtml. Acessado em 25 de dezembro de 2010.

292 Vistos e etc. Fls. 1856/1864 e 1998/2000: Trata-se de pedido da União de autorização de vôos, pouso e decolagem, quando se tratar de missões excepcionais envolvendo inspeções, auditoria e deslocamento Presidencial, a serem realizados no aeroporto de Congonhas, fora do horário compreendido entre 06:00h e 23:00h.Indefiro o pedido da União em relação às missões de inspeção em vôo realizados pelo GEIV pelos mesmos motivos elencados na decisão de fls. 1786. No que tange ao deslocamento Presidencial, este pedido também há de ser indeferido pelo simples fato de existir o Aeroporto Internacional de Guarulhos/Cumbica, local para o qual os vôos presidenciais podem ser deslocados.(...)Diante de todo o exposto:1- indefiro os pedidos da União de autorização, em caráter excepcional, de realização de vôos, pousos e decolagens, quando se tratar de missões excepcionais envolvendo inspeções, auditorias e deslocamento Presidencial, a serem realizados no aeroporto de Congonhas, fora do horário compreendido entre 06:00h e 23:00, mantendo-se integralmente a

Com efeito, tem-se que o parâmetro para analisar eventual conflito de competência entre União e o exercício do poder de polícia municipal frente ao federal é, por certo, a preponderância de interesses, sendo, inadmissível, consoante os argumentos jurídicos e políticos expostos ao longo deste trabalho, que haja uma presunção absoluta de supremacia do interesse federal sobre os dos demais entes que compõem a federação brasileira.

Ora, a lógica da presunção acima criticada, ao determinar a preferência do interesse federal diante de um caso de colisão com qualquer que seja o interesse envolvido, independentemente das variações presentes no caso concreto, termina por suprimir os espaços para ponderações.

Nesse sentido, vejamos Gustavo Binenbojm, verbis:

... se o interesse público, por seu um conceito jurídico indeterminado, só é aferível após juízos de ponderação entre direitos individuais e metas ou interesse coletivos, feitos à luz de circunstâncias normativas e fáticas do caso concreto, qual o sentido em falar num princípio jurídico que apenas afirme que, no final, ao cabo do processo ponderativo, será obtida uma solução (isto é, o interesse público concreto) que sempre prevalecerá? Em outras palavras: qualquer que seja o conteúdo desse “interesse público” obtido em concreto, ele sempre prevalecerá. Ora, isso não é um princípio jurídico. Um princípio que se presta a afirmar que o que há de prevalecer

sempre prevalecerá não é um princípio, mas uma tautologia. Daí propor-se que é o

postulado da proporcionalidade que, na verdade, explica como se define o que é o interesse público, em cada caso. O problema teórico verdadeiro, para o direito administrativo, não é a prevalência, mas o conteúdo do que deve prevalecer293.

Retorna-se, mais uma vez, ao ponto inicial deste trabalho: o Federalismo brasileiro e sua distribuição de competência. Assim, o Município, a depender dos valores e bens envolvidos no caso concreto, terá o poder de exercício, o poder de polícia, tendo por esteio a preponderância do interesse público e não a submissão às vontades regionais e federais, sendo a suposta hierarquia inexistente entre os entes federados.

Nesta toada, defende-se a possibilidade de Município, amparado no poder de polícia, restringir, condicionar e limitar interesse e liberdade de pessoas privadas e pessoas públicas. Destarte, o Município possui competência para impor o poder de polícia sobre os interesses da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal.

Desta forma, todo e qualquer ato que venha influenciar no interesse local, independentemente da onde provenha, deve respeitá-lo, sob pena de ferir a autonomia

liminar deferida nesses autos; (...)No mais, aguarde-se pela realização da audiência designada para o dia 30/11/2010. Disponibilização D.Eletrônico de despacho em 11/11/2010 ,pag 1. Acessada no site:

http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/ dia 12/11/2010.

293 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e

federativa. Com efeito, não é conferido aos Estados-membros e à União, sob o pálio de uma pretensa hierarquia, a prerrogativa de impor uma determinada vontade e prejudicar o interesse de todos os munícipes.

Como dito anteriormente, todo e qualquer interesse que influir com maior ou menor ênfase no interesse dos demais entes, deve ser policiado segundo o interesse preponderante e não segundo, como defendido por muitos, a hierarquia entre os entes federativos.

No documento Download/Open (páginas 148-154)