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O Município na Constituição brasileira de 1988

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3.1. Município, conceito, evolução e importância, inclusive no Brasil

3.1.2. O Município na Constituição brasileira de 1988

Na Constituição de 1988 os Municípios conquistaram a real autonomia, elevando- se ao status de entidade federativa. Então, superada a discussão acerca de o Município pertencer ou não à federação brasileira, tem-se como inarredável a necessidade de pontuar a importância do Município no Estado federal brasileiro.

Por certo, a CF/88 apresenta o mais significativo avanço de proteção e extensão da autonomia municipal de nossa história140, ainda que se tenha em comparação os demais Estados federalistas. Continua Bonavides expressando que o Brasil possui um

139 LEAL. Hamilton. História das instituições políticas do Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, 1994, p, 594. 140

Federalismo de “dimensão trilateral”, porquanto há a “terceira esfera de autonomia”, sendo a primeira a União, a segunda os Estados Membros e a terceira os Municípios.

Nos termos do preciso conceito de Uadi Lammêgo Bulos141, “os municípios são instituições jurídicas que agregam grupos familiares, administram serviços públicos de natureza local, exercem o poder político. Constituem as células fundamentais do Estado, onde brotam as relações político-primárias.”

Para o liberal Aléxis de Tocqueville142, é no Município que “reside a força dos povos livres. As instituições municipais estão para a liberdade como as escolas primárias estão para a ciência: põem-na ao alcance do povo. Sem instituições comunais, uma nação pode dar-se um governo livre, mas não temo espírito de liberdade.”

Deste modo, assim como os Estados-membros, o Município possui autonomia política (capacidade de auto-organização e legislativa), governamental (capacidade de eleger seus governantes), administrativa e financeira.

A autonomia organizacional, nos termos do art. 29 da CF/88, significa que os Municípios podem construir seus próprios instrumentos organizacionais, qual seja a Lei Orgânica Municipal, assim “o Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado”.

No que tange à autonomia legislativa, os Municípios possuem a possibilidade de legislar sobre assuntos que lhes são afetos. Tal é a constatação que resulta da análise dos incisos I e II, do art. 30, CF/88, ao dispor que “aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local”, bem como “suplementar a legislação federal e estadual no que couber”.

Acerca da autonomia governamental, tem-se que aos Municípios é conferida a prerrogativa de estabelecer regras para a estruturação dos poderes Legislativo (Câmara Municipal) e Executivo (Prefeito). Note-se que, ao contrário do que ocorre com a União e Estados-membros, não há que se falar na existência de um Poder Judiciário municipal.

141 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 591. 142

Por fim, a autonomia administrativa apresenta-se como a prerrogativa direcionada aos Municípios de administrar seus próprios negócios, mantendo e prestando serviços que lhe são constitucionalmente atribuídos.

Nesse sentido, o Município dispõe de seu próprio quadro de servidores cujas atribuições e regras são estabelecidas por cada unidade federada, respeitadas as premissas gerais estipuladas na CF/88, especificamente nos artigos 37 a 41.

Procedida à análise das características da autonomia conferida aos Municípios pela Constituição da República, não restam dúvidas quanto à peculiaridade de nossa federação. Bulos atesta ser a nossa federação “atípica”, “ilógica”, dado que:

O desenho constitucional do Estado federal brasileiro, traçado no Texto de 1988, discrepa do modelo lógico-jurídico de Federação, pois, segundo a linguagem prescritiva do legislador constituinte, o Município integra o pacto federativo. Isto traz conseqüências sérias, decorrentes, em parte, do grave distúrbio cometido contra a teoria geral do federalismo, que sempre previu uma Federação de Estados e não uma Federação de Municípios.

Nesse ínterim, a Federação brasileira demonstra peculiaridade e anomalia. A peculiaridade é o Município participar, em termos jurídico-positivos, do pacto federativo. Já a anomalia reside no fato de o Município não possuir representatividade no Poder Central, porque o nosso sistema é o bicameralista, ou seja, a Câmara dos Deputados, formada pelos eleitos proporcionalmente, representa o povo, ficando o Senado incumbido de representar os Estados e o Distrito Federal. O Município, portanto, não logra tal representação, ainda que, para alguns, o ato representativo se afigure implícito.143

Destacam-se, nesse sentido, as palavras de André Ramos Tavares144:

O Município integra o Estado Federal. É uma entidade político-administrativa estatal dotada de autonomia. (...)

Aqui também há a tríplice capacidade, que caracteriza a autonomia: capacidade de auto-organização – incluído a autolegislação -, de autogoverno e de auto- administração. A ingerência estadual faz-se sentir em alguns momentos regulados pela Constituição Federal, como na mutação do desenho municipal e na possibilidade de intervenção estadual.

Não se conhece uma única forma de União Federativa contemporânea na qual o princípio da autonomia municipal tenha alcançado um grau de caracterização político-jurídica

143 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 592. 144

tão alto e expressivo quanto o que consta da definição constitucional do modelo implantado no Brasil com a Carta de 1988.

Todavia, esta autonomia municipal suscita inúmeras dúvidas e divergências doutrinárias, jurisprudenciais e até legislativas, principalmente no que tange a competência desse ente federativo, porquanto em inúmeras situações concretas não se configura clara a titularidade da competência para disciplinar referido tema.

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