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2.3 A polícia em mudança

2.3.3 A polícia do século XX

O modo de agir da polícia está modificando, não apenas por ajuste ao modelo legal, mas a própria instituição policial tem enxergado a necessidade de evoluir em suas ações. Independentemente, se por provocação externa, de órgãos de controle, ou movida por resultados de estudos e trabalhos de iniciativas interna (MONJARDET, 2012). Tais pressões e provocações têm lançado um pouco de luz sobre os aspectos da atividade policial, com questionamento sobre a eficácia dos métodos clássicos.

A polícia foi constituída, no século XVIII, em resposta aos movimentos sociais, como uma burocracia e com o objetivo de controlar as ameaças e as insatisfações do povo, originando à polícia Anglo-Saxônica, com a principal característica da não militarização e baseando-se nos princípios idealizados por Sir Robert Peel (1788-1850), defensor da estabilidade, da eficácia e da organização militar, sob o controle do governo. (BONFIM, 2006).

O modelo Londrino inspirou a polícia americana, onde de acordo com Reiss Jr. (2003), no processo de sua formação, tomou-se o cuidado de transformar a burocracia quase militar das organizações policiais em uma burocracia tecnocrata, visando a garantir a hierarquia e a disciplina, com o comando centralizado.

Reiss Jr. (2003, p. 65) destaca que o “policiamento comunitário e o policiamento

orientado para a solução dos problemas” foram os responsáveis pela renovação do modo de

conduzir os trabalhos policiais, bem como a implantação de comunicação por rádio e a democratização do telefone trouxeram agilidade no acionamento e no atendimento das solicitações de serviços.

Além disso, as instalações de computadores nas delegacias e o desenvolvimento de software, possibilitaram o planejamento inteligente e otimizado de alocação das viaturas e dos policias, permitindo cobrir uma maior área, a partir da orientação da central de rádio comunicação.

Entretanto, para que se tivesse um policial em cada viatura, sem contratação, houve a desativação de postos de atendimentos e o patrulhamento a pé. Com isto, a comunidade deixou de ter o policial próximo, que perdeu um canal de acesso. O custo foi um distanciamento da população e comprometeu a aproximação arquitetada por décadas (REISS Jr.; 2003).

O caminho de retorno não será fácil e passa, na visão do autor, pela reestruturação, modernização e aplicação de políticas de segurança. Neste mesmo sentido Bittner (2003, p. 208) comenta como um novo estratagema, defendido vigorosamente pelos

policiais, e definido como as “Relações Comunitárias”, uma forma especial de relação com a

comunidade.

[...] os departamentos criaram as Unidades de Relações Comunitárias ou os Policiais Comunitários, cuja tarefa é realizar e manter uma troca ininterrupta de opiniões da polícia com todos os segmentos da sociedade, especialmente com aqueles grupos cuja injustiça e desvantagem expressam-se nas ondas de demonstrações de descontentamento que têm invadido nossas cidades nesta década (BITTNER, 2003, p. 208).

Schein (2001), afirma que para a organização tornar-se mais eficiente e eficaz, deve ser entendido o papel da cultura na vida organizacional. Portanto, conhecer a organização e sua cultura é essencial, mas, reside uma dificuldade, uma vez que, segundo os pesquisadores a organização policial representa uma incógnita, especialmente para seus servidores, que ignoram desde seus valores, suas metas, sua missão, desconhecem seus objetivos e a própria história da instituição (REISS JR., 2003; BITTNER, 2003).

Reiss Jr. lamenta que, seus próprios atores desconheçam a instituição policial, assim como a sociedade ignora as atribuições da organização policial: “É surpreendente a falta que temos, neste país, de informações sistemáticas a respeito das mudanças nas

organizações policiais.” (2003, p. 68)

Beato Filho (2001) comenta que no país, há uma grande ignorância em relação ao sistema de Justiça Criminal em geral e às organizações policiais em particular, atribuindo a ignorância, primeiro ao descrédito do tópico na academia, segundo por desinteresses das instituições relacionadas e ainda, fala que as organizações policiais resistem em se abrir para a pesquisa.

Este desconhecimento não decorre apenas do desprestígio do tema da Justiça Criminal nos meios acadêmicos, mas também de certo insulamento das próprias organizações do sistema. Nem todas estão dispostas a serem estudadas e avaliadas por razões as mais diversas. No caso das polícias, justamente por serem a face mais visível do sistema de Justiça Criminal, frequentemente estão presentes na mídia, seja através de forma mistificada, seja das sucessivas crises protagonizadas por elas devido às situações de brutalidade, violência e corrupção. (BEATO FILHO, 1999).

Júnior (2011) citando o próprio texto de Beato Filho (2001) reforça a necessidade de mais estudos e pesquisas, com o objetivo de descortinar a organização, uma vez que elas ainda funcionam com as ideias que as originaram, entretanto, os desafios apresentados já pertençam ao universo do século XXI.

[...] Não sem razão, em outros países este foco de análise vem passando por diversas discussões, seja por profissionais da área ou por estudiosos de administração. Por outro lado, o que se verifica é que há pouca produção acadêmica sobre a segurança pública com o enfoque da administração no Brasil. Este é um campo de análise a ser abordado com maior ênfase, não apenas pela sua relevância socioeconômica, mas também pelas contribuições que a análise das organizações pode proporcionar (CRUZ e BARBOSA, 2002).

A organização policial moderna, idealizada como solução para a desordem, precisava também garantir para a classe dominante, que não haveria por parte dos policiais, qualquer simpatia com aqueles a quem eles deveriam contrapor.

Para tanto, foi instituída uma estrutura burocrática, com a finalidade (segundo o modelo Weberiano) de estabelecer as relações de obediência entre a autoridade constituída, legitima e legal e seus subordinados, deixando claro, os direitos e deveres de cada um dentro da burocracia. Além disto, a fixação de salários diferentes para cada nível hierárquico com o objetivo de assegurar e preservar a autoridade.

Assim, a burocratização acarretaria algumas consequências para polícia, pois visava:

1- Assegurar neutralidade política e a confiabilidade legal da polícia com o sistema de comando e controle hierárquico;

2- Mudanças na mobilidade do emprego, se observando uma divisão entre pessoal de escritório e pessoal da linha de frente, ou como no Brasil é conhecido operacional; 3- Aumento da complexidade da organização e

4- Codificação de políticas pessoais, que baseiam as nomeações e promoções mais na meritocracia do que na afiliação.

Reiss Jr. (2003) comenta que a corrupção é um problema central e contemporâneo para as organizações policiais, que inquieta a maioria dos administradores, mas reconhece como de responsabilidade do administrador adotar todas as medidas que visam à prevenção.

A própria burocracia seria a solução para o controle da corrupção ao oferecer um forte sistema de comando e um rígido controle, com supervisão e disciplina. Entretanto, o modelo burocrático idealizado, não considerou o fato de que as organizações administrativas passam por adaptação e elaboram unidades administrativas e operacionais, que se mostram vulneráveis aos modelos de controle para a corrupção.

Assim, o que se viu, não obstante os mecanismos rígidos previstos, foram recorrentes eventos relacionados à corrupção. Apenas a partir de inovações (TONRY, MORRIS e CARDIA, 2003, p. 95-96), com ações preditivas, com inteligência e infiltração em unidades suspeitas, observa-se a possibilidade de minimizar os casos, mas, sem a ilusão de eliminação absoluta.

Reiss Jr. (2003), reconhece que as organizações policiais, assim como toda organização, são dinâmicas, mesmo que as mudanças sejam quase imperceptíveis, elas ocorrem. Ele manifesta esperança que o policiamento comunitário possibilite uma reaproximação da organização e a sociedade, estabelecendo confiança e firmando a comunicação.

Para o policiamento orientado para a solução de problemas, o autor enxerga como uma atividade reativa ao que o comando da polícia considerava como principal preocupação,

priorizando suas ações sobre os aspectos internos, sobre a administração e na busca de eficiência.

O autor (REISS JR., 2003) denomina de exagerado o contraste entre a retórica do policiamento comunitário e a do policiamento voltado para a solução de problemas. Para ele, o dilema do policiamento moderno corresponde a ter que decidir se continua sendo uma burocracia centrada nos eventos criminosos e no seu controle, ou se muda para um modelo burocrático centrado na comunidade e nos seus problemas sociais.

Neste sentido, a obra de Bittner (2003) auxilia a compreensão das alterações pelas quais têm passado o trabalho da polícia. Para ele, o trabalho da polícia proporciona uma evolução histórica, que deve ser entendida conforme os imperativos ordenados pela sociedade, existindo uma nítida orientação em estruturar um paradigma comunitário preventivo substitutivo ao modelo de polícia repressora de outrora.