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2.3 A polícia em mudança

2.3.1 Aspectos do trabalho policial

Uma obra, no Brasil e no mundo, que traz uma extensa abordagem sobre a organização policial é tributada ao sociólogo norte-americano Egon Bittner (2003). Seu livro abrange 25 anos de pesquisas empíricas em organizações policiais, com informações

6 Accountability: não há uma tradução para o português. Sua origem é francesa e está associado a fiscalizar,

controlar, registrar e envolve conceitos éticos.

Disponível em:

<http://www.socialiris.org/fncasp/digital/index.php?option=com_kunena&func=view&catid=23&id=26&Itemid =146. Acesso em: 23/06/2013.

essenciais para a compreensão das transformações pelas quais a polícia vem passando, a partir de sua origem e seus desafios.

A polícia, como vista atualmente, corresponde a uma concepção da sociedade inglesa do segundo quarto do século XIX, onde o espelhamento da época correspondia a um modelo urbano e industrial, considerado avanço em relação aos outros países da Europa. O modelo britânico foi irradiado para outras nações europeias e, mais tarde chegou aos Estados Unidos, desde uma iniciativa de uma comissão, que o analisou e o inseriu na cidade de Nova Iorque e, mais tarde, para outros Estados (BITTNER; 2003, p. 107).

Monet (2001) acompanha o desenho feito por Bittner (2003), quanto ao surgimento da polícia, burocrática, pública e estatal, especialmente, no ponto em que a origem liga-se às condições sociais do início do século XVIII, com o objetivo de combater focos de resistências em oposição ao modelo totalitário.

Do mesmo modo, Reiss Jr. (2003), escreve que a organização policial moderna e burocrática teve sua origem na Inglaterra, fruto das ameaças de aumento da criminalidade, iminências de distúrbios e perigo de desordem urbana.

Passados mais de dois séculos de sua criação, a organização policial não se afastou de seu modelo original, mantendo seus fundamentos na burocracia centralizadora e autoritária (CUNHA, 2012), e, alinhada a sua finalidade primária, enquanto repressora e em favor da classe dominante. Com esse passado, não é estranho, que ao longo das décadas, se foi edificando o atual legado de isolamento social, imagem de violência e associação à corrupção, conferindo o distanciamento e afastamento da sociedade.

Para Maître e Blanco (2008), a atual segurança pública da América Latina pode ser avaliada sob dois ângulos. O primeiro, onde se colocam as

[...] demandas e as expectativas sociais cultivadas num ambiente de degeneração do pacto social, que clama por soluções rápidas, até com extrapolação do próprio limite legal, como por exemplo, o envolvimento de segmentos da sociedade civil no fomento e no financiamento de grupos de extermínio, grupos paramilitares e outras formas de expressão do poder paraestatal. (MAÎTRE e BLANCO, 2008).

Por outro lado, encontram-se os gestores e seus modelos de política ultrapassados e ineptos,

[...] imersos numa cultura secular de apropriação do espaço público para a gestão de interesses privados, e porque impelidos, conscientemente ou não, pelo mundo semiótico, tendem a agir de maneira voluntarista, sem a preocupação com o rigor metodológico a que deve ser submetido o planejamento e a execução das políticas públicas. (MAÎTRE e BLANCO, 2008).

A conciliação destes atributos favorece para que governos descompromissados e de turno, apresentem suas promessas com soluções milagrosas para problemas estruturais que:

[...] exigem respostas de longo alcance, e exercem pressão sobre as forças de segurança para produzir resultados no curto prazo, sem querer assumir o custo político e econômico que implica a implementação das reformas estruturais necessárias para modernizar as organizações policiais [...]. (MAÎTRE e BLANCO, 2008).

No Brasil, não muito diferente da realidade latina, dois aspectos caracterizam a imagem que a sociedade tem da polícia. Tais aspectos, ligados a fatores culturais, são justificados, muitas vezes, pela falta de preparo e pela ausência de uma política consistente de segurança pública, representando excessos, que se manifestam como a violência da instituição e as denúncias de corrupção.

Em resposta a essa percepção (BITTNER, 2003, TONRY et al, 2003, BEATO FILHO, 1999, BARRETO JUNIOR, 2009) sugere-se uma reestruturação da organização, com aportes de investimentos e modernização de sua estrutura, valorização do profissional, aquisições, qualificação, educação e treinamentos para o enfrentamento inteligente do crime.

Segundo Maître e Blanco (2008, p. 98), o que se observou na década de 1990, foi uma marginalizada da reforma em detrimento à ênfase colocada na melhoria das Forças Armadas, necessárias para consolidação da estabilidade interna e a consolidação democrática. A responsabilidade do descrédito, que se encontram as organizações policiais, é contabilizada, em parte, a instituição (BITTNER, 2003; MONJARDET, 2012), ao desgoverno e aos próprios policiais pela falta de pesquisa e de interesse em conhecer a sua própria função. Neste sentido, Beato Filho (1999), destaca que a “nossa ignorância sobre o funcionamento das polícias estaduais, bem como das organizações do sistema de justiça criminal, e a forma mistificada do enfoque dado ao problema policial, pode estar na origem de

algumas prescrições propostas para reforma das polícias.”

Tonry et al (2003), em uma síntese da história da polícia, critica o fato de que diante dos avanços, os primeiros trabalhos acadêmicos sobre a história da polícia não se socorreram de modelos das ciências sociais.

Sobre os primeiros trabalhos, Lane (1967) destaca o papel dos distúrbios públicos como iniciador de mudanças, citando a origem da responsabilidade do oficial para trabalhar como detetive, a relação do detetive com o submundo, o modelo londrino, a classe social e a etnia dos policiais, além da burocracia e necessidade de reforma estrutural. O Quadro 13 apresenta a evolução das atribuições da polícia americana.

Histórico da polícia americana

DATA DADO

SÉCULO XIX EUA

Poderes administrativos limitados.

A própria comunidade, vítima, aplicava a lei criminal. Incentivo a recompensa para captura de criminosos.

Convocação de cidadão para formar posse, grupo para caçar criminosos.

Vigias, chefes de policia, xerifes e delegados eleitos ou indicados, assalariados ou pagos com taxas.

Vigia passava a noite dizendo as horas, cuidava da iluminação, atento aos incêndios, acabavam com brigas e prendiam suspeitos.

Função policial = administração local.

1829 –

Inglaterra

Criação da Policia Metropolitana de Londres – a primeira nos países de língua inglesa (Robert Peel).

Tumultos públicos levaram as autoridades americanas (Boston, Nova Iorque e Filadélfia) a fortalecer suas polícias.

Década de 1830 A turbulenta época do governo Andrew Jackson que deu origem a polícia. Guerra civil.

1834 Boston comissionou um pequeno grupo de tal polícia. 1844 Nova Iorque comissiona a sua polícia.

1854 Filadélfia.

A polícia assumia as funções de vigia noturno, orientavam o trânsito, devolviam crianças perdidas, auxílio as vítimas de acidentes, escolta de bêbados, abrigo para moradores de rua nas delegacias, distribuíam sopa para famintos.

1846 Parte da polícia de Boston dá origem à primeira turma de detetives. 1850 Patrulheiros passaram a carregar arma de bolso.

1853 Primeira tentativa de uniformizar a polícia – Nova Iorque – com protestos públicos. 1871 Primeira convenção nacional de policia.

Bons salários que atraiam até burocratas, mas não havia qualificação. Atividades comunitárias por conta de departamentos menos especializados. Década de 1890 Associação internacional de chefes de polícia.

Apuração e registros das queixas, manter a ordem com patrulhamento, prover a investigação com detetives, regulamentar o trânsito.

Quadro 13 - Evolução Histórica das atribuições da polícia americana Fonte: Elaborado pelo autor com base em (Tonry, Morris, e Cardia, 2003)