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2.3 A polícia em mudança

2.3.4 A polícia no Brasil

Há um estigma, transmitido desde a sua origem, que associa a imagem da polícia à violência e à corrupção, (BEATO FILHO, 1999, p. 17-18):

No caso das polícias, justamente por serem a face mais visível do sistema de Justiça Criminal, frequentemente estão presentes na mídia, seja através de forma mistificada, seja das sucessivas crises protagonizadas por elas devido às situações de brutalidade, violência e corrupção.

Não obstante inúmeros esforços orientados para a qualificação dos servidores, controles das ações e dotação de recursos tecnológicos, visando melhorar a área investigativa, os setores administrativos e a própria logística de segurança, a imagem associada à truculência, com servidores corrompidos e uma estrutura burocrática e ineficiente, ainda resiste.

Essa imagem social é retratada na letra musicada por Herbert Viana, na canção Selvagem (Paralamas do Sucesso, 1999):

[...] A polícia apresenta suas armas

Escudos transparentes, cassetetes, capacetes reluzentes. E a determinação de manter tudo

Assim como ocorreu na Inglaterra (1829), na França (1791) e nos Estados Unidos (1844), a origem da polícia no Brasil está associada a tumultos sociais, temores da classe dominante em relação aos movimentos que ofereciam riscos a continuidade do regime vigente, associados, ainda, a elevação de registro de crimes.

Antes mesmo da chegada da Corte Real na Colônia, com a vinda dos primeiros exploradores no Brasil, por conta de ameaças de invasões, exploração e contrabando das riquezas nacionais, havia uma preocupação com a segurança pública. Naquela época, a colônia, submetida ao sistema de capitanias hereditárias, era administrada pelos donatários, com títulos de capitão e governador, os quais possuíam, entre outros, poderes para escravizar e vender índios e negros, condenar criminosos à morte e cobrar impostos. (CASTRO, 1968, p. 47-49).

Objetivando apresentar uma síntese dos fatos, que antecederam a história da polícia no Brasil e da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), inicialmente na cidade do Rio de Janeiro e, depois, em Brasília, o autor procedeu a um levantamento documental, no acervo da Biblioteca da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, localizando relatos e documentos sobre a origem da organização policial e o Instituto de Criminalística, resumidos no Quadro 14.

A POLÍCIA NO BRASIL

DATA FATO HISTÓRICO GOVERNO

1548 Capitão-Mor exercia as atribuições policiais Capitanias –Colônia 1808 Criação do cargo de Intendente Geral de Polícia da Corte do

Estado do Brasil – é considerado como marco histórico da criação da Polícia Civil no Brasil (10/05/1808)

Corte do Estado do Brasil 1809 Criação da Divisão Militar da Guarda Real de Polícia do RJ

– Origem da Polícia Militar Corte do Estado do Brasil

1825 Criação do cargo de Comissário de Polícia

1827 Criação da função Autoridade Policial atribuída ao Juiz de Paz que julgava as contravenções nos distritos, divididos em quarteirões sob a responsabilidade de um Inspetor.

551830 Código Criminal do Império – abolia penas cruéis e definia a figura do chefe de policia auxiliado por delegados.

1831 Criada a Guarda Nacional – Milícia Armada 1832 Aprovação do Código do Processo Criminal

1866 Divisão da polícia da corte em corpo civil (Guarda Urbana) e um corpo militar (Corpo Policial)

1889 Guarda Cívica, formada por voluntários (18 a 40 anos, que soubesse ler, escrever e contar) extinção em dezembro do mesmo ano.

República 1902 Reforma do serviço policial, passando a ter a denominação

de Polícia Civil do Distrito Federal - PCDF -, dirigida por um chefe de Polícia, com delegados, delegados auxiliares, Suplentes, Inspetores e agentes de segurança.

Rodrigues Alves

1907 Polícia Civil do Distrito Federal - PCDF – inspecionada diretamente pelo Presidente da República.

1944 Polícia Civil do Distrito Federal - PCDF – passa a ser Departamento Federal de Segurança Pública – DFSP – dirigida por chefe de polícia – Decreto-Lei 64378/44.

Vargas

1946 Institui o “dia do policial Civil e Militar” 21 de abril. Eurico Gaspar Dutra 1960 Transferência da capital federal do Estado da Guanabara

para Brasília.

Juscelino Kubitschek 1964 DFSP com atuação para todo o território federal – Lei

4.483/64.

Quadro 14 - Fatos históricos no Brasil que marcaram a polícia no país Fonte: Elaborado pelo autor e com base em Miziara (1998)

A Constituição Federal, em seu Título V, que trata da defesa do Estado e das Instituições democráticas, capítulo III, e define como uma prerrogativa constitucional o direito a segurança pública e como dever do estado a garantia da ordem pública, tendo como instrumento para a sua materialização os órgãos policias enumerados no artigo 144 e incisos, in verbis:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – Polícia Federal

II- Polícia Rodoviária Federal III – Polícia Ferroviária Federal IV – Polícias Civis

V – Polícias militares e corpos de bombeiros militares

Assim, a definição da estrutura e da função das polícias tem status constitucional, cabendo à Polícia Federal a apuração de infrações com repercussão interestadual e também a repressão e prevenção ao tráfico internacional e interestadual de entorpecentes. À Polícia Civil assiste as funções de polícia judiciária; e às polícias militares o de policiamento ostensivo (BEATO FILHO, 1999).

No mundo, seja qual for a sua orientação política, a polícia se faz presente e em sua maior parte, diferentemente do BRASIL, há uma só estrutura com atribuições distribuídas internamente.

Na maioria das democracias, o ciclo policial é realizado por apenas uma organização policial, mesmo que naquela sociedade existissem outras organizações congêneres. Neste caso, elas de distinguem por vários critérios como território e tipos de crime. No Brasil, em linhas gerais, as funções associadas ao patrulhamento ostensivo uniformizado e ao controle do trânsito são atribuídas às Polícias Militares, enquanto às Polícias Civis são atribuídas as atividades de investigação criminal e o exercício de Polícia Judiciária, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal. (SOUSA; 2009, p. 57).

Barreto Junior (2008), lançando reflexões, no que se refere à organização das polícias civis no país, esclarece que para um entendimento apropriado de seu papel no cenário das políticas de Segurança Pública, requer uma fundamentação a partir do fato de que, embora

enunciados pela Constituição da República, são estruturados pelos estados, significando dizer

que “são fundadas em nível nacional, mas administradas em nível estadual, o que as define como órgãos de operação no campo do Executivo”. A consequência é que:

Essa característica dá a elas uma espécie de blindagem original contra possível discricionariedade dos governos estaduais no tocante à quebra do monopólio de suas

competências jurídicas “duras” e, no limite, à sua própria existência como

organização. (BARRETO JÚNIOR, 2008).

E, a partir desse cenário, que se ergue a estrutura da organização policial dos Estados, que ficam suscetíveis a um considerável poder de manejo sobre suas estruturas operativas, onde os Estados possuem razoável capacidade jurídica para promover a estruturação lógica de funcionamento.

Para Barreto Júnior (2008), esta é uma extensão pouco explorada e até certo ponto negligenciada para o aperfeiçoamento institucional. O resultado disso é que as polícias civis sobrevivem sob a tensão de duas dimensões: uma, que é a sujeição à legislação federal, quanto às suas competências formais e técnico-jurídicas e, outra, o potencial de estruturação organizacional, sujeita ao estado. Caracterizando a cultura jurídica das polícias civis pelo conservadorismo e arcaísmo, onde o inquérito policial é visto como anacrônico (BARRETO JÚNIOR).

Ainda segundo Barreto Júnior (2008), o delegado de polícia, presidente do inquérito policial, exerce a função de ordenar os atos apuratórios e articular as evidências do comportamento, que são levantadas e produzidas por técnicos especializados, dentre eles, investigadores, escrivães, peritos forenses, papiloscopistas, e a respectiva repercussão desse comportamento no mundo físico, que é a “autoria e materialidade” em relação às infrações.

Para Barreto Júnior (2008) o papel de Delegado de Polícia passa atualmente por um momento novo em relação à investigação, onde embora a cultura da investigação seja persecutória, há a exigência das garantias fundamentais, discutindo-se os aspectos do sigilo e da ampla defesa, mesmo na fase denominada de pré-processual.

A crítica construída é no sentido de que todo o aparato executado pela polícia civil é quase que exclusivo para atender às exigências jurídicas da persecução penal, para punir as pessoas que estão em conflito com a norma penal. Para ele, o mundo contemporâneo passa por um alargamento das fronteiras temáticas do problema criminal, o que vem suscitando uma evolução para o modelo da investigação criminal, cobrando uma destinação mais ousada, que

potencial de descrição etnográfica, o que permite a reformulação do lócus investigativo segundo novos eixos políticos e operacionais”. (BARRETO JÚNIOR, 2008)

O mesmo autor (2008) questiona se não caberia uma fusão metodológica entre os objetivos descritivos do crime, atendendo o aspecto jurídico da punição com uma descrição esclarecedora e científica do comportamento criminal, que se prestaria para formular políticas de intervenção preventiva, comunicada com as agendas de outros setores do poder público, conforme destaca abaixo:

Essa última orientação se prestaria à formulação de políticas de intervenção preventiva, de caráter proativo e articulado às agendas de outros setores do poder público, além de movimentos sociais responsáveis e competentes. Ao mesmo tempo, contribuiria para certa possibilidade de distensão ou superação dos dogmas penais, fortalecendo a viabilização de uma justiça criminal mais apta a promover transações ou aplicar o direito segundo causas supralegais, obtidas a partir de prováveis consensos interpessoais ou intercomunitários, resultantes de uma investigação mais legitimada pelo dia a dia. (BARRETO JÚNIOR, 2008, p. 45).

Segue um imperativo, onde Barreto Júnior indica que as funções da polícia precisam ser:

[...] reconceituadas em um processo racional de imbricação técnica e de política de gestão. Especialmente a gestão do próprio ato investigatório. Onde o objetivo da investigação na elucidação de autoria e materialidade não pode ficar adstrito puramente a formação de provas para atribuir a culpa a uma pessoa. Para ele, sem desfazer da dimensão, [...] esta dualidade exige uma substancial mudança paradigmática que promova uma releitura, bastante crítica de cada crime e, mediante uma intervenção pacificadora, a busca de soluções concertadas, com a franca participação da comunidade. (BARRETO JÚNIOR, 2008, p. 45).

A superação das tensões internas dos operadores das polícias civis, segundo uma visão militar da hierarquização, para Barreto Júnior (2008) é necessária para que se alcance um modelo produtivo de investigação pautada em uma agenda de aplicação técnica equilibrada e sustentadas pelos recursos das ciências sociais, humanas e naturais.

Neste alinhamento Zaverucha (2009), comenta a atuação da Segurança Pública, que na sua disposição normativo-constitucional, deveria atuar no plano de incolumidade das pessoas e do patrimônio, público e privado, garantindo a natureza da ordem social do Estado, além de instrumentalizar os fundamentos para a construção de outras políticas públicas, de modo que o estado produza resultados sociais almejados como o crescimento do capital social.

O autor denomina de ineficaz o formato da Segurança Pública, destacando que o capital social e a criminalidade são conceitos antagônicos e, por definição, criminalidade é exatamente a falta de capital social em seu nível extremo.

O combate à criminalidade pode ocorrer com ações repressivas (a ação da polícia) ou com medidas preventivas, que estimulem o crescimento do capital social, políticas de inclusão e medidas de prevenção criminal. Concretamente, sem receio de ser exaustivo, mas apenas enunciativo, podem ser citadas a educação, o investimento em saneamento básico, o fomento para geração de emprego, a distribuição de saúde com qualidade, etc. A polícia, entraria, na excepcionalidade, onde as numerosas medidas preventivas, por alguma razão, que seria investigada, não solucionaram.